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Aprimorando a insolvência empresarial

O Conselho Nacional de Justiça, no exercício de suas funções institucionais, apresentou sua decisiva colaboração para o fortalecimento da economia e da Justiça brasileiras, garantindo maior efetividade e segurança jurídica numa área tão sensível ao investimento empresarial e ao desenvolvimento da país.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Atualizado às 13:54

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou no mês de outubro passado as recomendações 56, 57 e 58, todas de 22 de outubro de 2019. Tais recomendações são os primeiros resultados dos estudos desenvolvidos pelo Grupo de Trabalho criado pela portaria 162/18, assinada pelo presidente do CNJ ministro Dias Toffoli e possuem o objetivo de melhorar a posição do Brasil no índice Doing Business, transformando o país num pólo atrativo ao investimento, em linha com as economias mais modernas do mundo.

O grupo de trabalho foi criado por iniciativa do coautor Conselheiro Henrique Ávila é presidido pelo coautor ministro do STJ Luis Felipe Salomão. Também compõem o grupo: o ministro do STJ Moura Ribeiro; os ministros do TST Alexandre de Souza Agra Belmonte e Aloysio Corrêa da Veiga; o conselheiro do CNJ Henrique Ávila; os desembargadores do TJ/RJ Agostinho Teixeira de Almeida Filho e Luiz Roberto Ayoub; os desembargadores do TJ/SP José Roberto Coutinho de Arruda, Marcelo Fortes Barbosa Filho, Cesar Ciampolini Neto e Alexandre Lazzarini; os juízes auxiliares da presidência do CNJ Carl Olav Smith, Luís Geraldo Sant'Ana Lanfredi e Richard Pae Kim; o juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Daniel Carnio Costa; e os advogados Bruno Galvão Rezende, Luiz Fernando Paiva, Marcelo Vieira de Campos, Paulo Penalva Santos e Samantha Mendes Longo.

O acerto da decisão de criação do referido Grupo de Trabalho se comprova pela importância das recomendações publicadas e dos seus impactos no desenvolvimento e aperfeiçoamento do sistema de insolvência empresarial brasileiro.

A recomendação 56/19 trata da criação de varas especializadas em insolvência empresarial, de competência regional, e de Câmaras ou Turmas Recursais nos Tribunais de Justiça dos Estados. O CNJ recomenda aos Tribunais de Justiça que criem varas especializadas nessa matéria, estabelecendo critérios para viabilizar a sua instalação com observação a uma favorável relação de custo e benefício. Assim, se não faz sentido a criação de vara especializada em Comarcas onde não existam processos em números que justifiquem sua existência, recomenda-se a criação de varas especializadas que terão competência sobre os casos que existirem não apenas numa Comarca, mas sim em região ou circunscrição maior, envolvendo Comarcas contíguas distantes até 200 km entre si.

Diante desse propósito, e com base em análises estatísticas realizadas pela Associação Brasileira de Jurimetria, o CNJ recomenda "a todos os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios que promovam a especialização de varas em Recuperação empresarial e falência nas comarcas que receberam a média anual de 221 casos novos principais e incidentes relacionados à matéria, dos quais pelo menos 30 pertencentes às classes "Falência de Empresários, Sociedades Empresariais, Microempresas e Empresas de Pequeno Porte" ou "Recuperação Judicial", considerados os últimos três anos". Na hipótese de a Comarca não possuir números suficientes para ter uma Vara especializada em falência e recuperação judicial, a recomendação autoriza que sejam somados os números de distribuição de casos novos (principais e incidentes) de Comarcas contíguas situadas em uma mesma circunscrição ou região administrativa ou de Comarcas com até 200 quilômetros de distância entre si. A especialização de Vara em recuperação empresarial e falência com competência regional poderá ocorrer sem prejuízo da manutenção da competência das Varas especializadas preexistentes na região, às quais também poderá ser atribuída competência regional. Por fim, em relação às varas especializadas, nota-se que a recomendação autoriza, de forma excepcional, a inclusão de processos empresariais nas Varas de recuperação empresarial e falência em caso de haver disparidade na demanda de processos de uma mesma Comarca.

A recomendação 57/19 trata da aplicação pelos juízes da prática da constatação prévia, também conhecida como perícia prévia em processos de recuperação judicial. Inspirado na experiência exitosa aplicada na 1a Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, o CNJ recomenda a todos os magistrados brasileiros que, antes de iniciar um processo de recuperação judicial, proceda à constatação prévia da regularidade e completude dos documentos apresentados pela devedora, bem como à verificação de suas reais condições de funcionamento.

A constatação prévia consistirá, objetivamente, na análise da capacidade da devedora de gerar os benefícios mencionados no art. 47, bem como na constatação da presença e regularidade dos requisitos e documentos previstos nos artigos 48 e 51, todos da lei 11.101/05. Não preenchidos os requisitos legais, o magistrado poderá indeferir a petição inicial, sem convolação em falência. Caso a constatação prévia demonstre que o principal estabelecimento da devedora não se situa na área de competência do juízo, o magistrado deverá determinar a remessa dos autos, com urgência, ao juízo competente.

Assim, busca-se evitar o início de processos absolutamente inviáveis, que apenas causariam prejuízo aos credores e ao interesse público em geral. O Poder Judiciário, como qualquer órgão público, tem recursos limitados e que devem ser gerenciados de maneira razoável e econômica. Nesse sentido, essa prática previne o desperdício de dinheiro público com processos manifestamente inviáveis, liberando-se espaço para que a Justiça possa cuidar de casos realmente relevantes, atuando de maneira mais eficiente na preservação da atividade de empresas que geram empregos, circulam produtos e serviços relevantes, recolhem tributos e que atendem, portanto, a sua função social.

A recomendação 58/19 cuida da adoção da mediação como forma adequada de solução de conflitos aplicada aos processos de falência e recuperação de empresas. Muitas disputas judiciais consomem tempo e recursos públicos relevantes, em detrimento da eficiência da jurisdição. Nesse sentido, o CNJ recomenda a todos os magistrados responsáveis pelo processamento e julgamento dos processos de recuperação empresarial e falências, de Varas especializadas ou não, que promovam, sempre que possível, nos termos da lei 13.105/15 e da lei 13.140/15, o uso da mediação, de forma a auxiliar a resolução de todo e qualquer conflito entre o empresário/sociedade, em recuperação ou falidos, e seus credores, fornecedores, sócios, acionistas e terceiros interessados no processo.

Essa recomendação indica que a mediação pode ser utilizada para a resolução de conflitos individuais relacionados à impugnação de créditos (devedor x credor) ou disputas societárias internas, mas também tem cabimento para a solução de conflitos coletivos como aqueles relacionados à negociação do próprio plano de recuperação judicial ou à participação dos entes concedentes em casos de insolvência envolvendo empresas concessionárias de serviço público. Regula-se, ainda, o procedimento de nomeação e remuneração do mediador.

As recomendações acima mencionadas, apesar de serem bastante recentes, já estão causando grande impacto na gestão dos processos de insolvência no Brasil. O Tribunal de Justiça de São Paulo e o Tribunal de Justiça do Mato Grosso, imediatamente após a publicação dos atos normativos, criaram Varas Especializadas de Competência Regional, com fundamento expresso na recomendação 56/19. A constatação prévia é uma realidade em todo o Brasil e pode-se afirmar com segurança que seus termos influenciaram até mesmo o legislador reformista, que a previu - em termos semelhantes - no substitutivo ao PL 10.220/18. A mediação já vem sendo aplicada com êxito em grandes casos de recuperações judiciais no Brasil.

Tem-se, portanto, que o Conselho Nacional de Justiça, no exercício de suas funções institucionais, apresentou sua decisiva colaboração para o fortalecimento da economia e da Justiça brasileiras, garantindo maior efetividade e segurança jurídica numa área tão sensível ao investimento empresarial e ao desenvolvimento da país.

Os trabalhos continuam e outros atos normativos estão em discussão no Grupo de Trabalho do CNJ. Em breve, serão publicadas mais contribuições ao desenvolvimento dos processos de insolvência. Sugestões serão sempre bem-vindas e podem ser encaminhadas ao e-mail [email protected].

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*Luis Felipe Salomão é ministro do STJ, presidente do Grupo de Trabalho criado pela portaria CNJ 162/18.





t*Henrique Ávila é conselheiro do CNJ e relator das recomendações.






t*Daniel Carnio Costa é juiz titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo (juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça - 2018/2020) e membro do Grupo de Trabalho criado pela Portaria CNJ 162/18.

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