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A resolução 1.010 do CONFEA e as CATs expedidas antes de sua vigência

Henrique Cavalcanti e Vitor Soliano

Efeitos da resolução não podem retroagir em prejuízo do licitante.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Atualizado em 24 de janeiro de 2020 12:26

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Não é incomum que órgãos técnicos da Administração Pública, quando da análise dos documentos de habilitação de empresas em licitações direcionadas à contratação de serviços de engenharia, declarem como inabilitadas licitantes por suposta falta de capacitação técnico-profissional com fundamento em não ser o profissional titular das respectivas Certidões de Acervo Técnico (responsável técnico) graduado em uma área específica da engenharia, mesmo que das certidões conste a realização prévia dos serviços exigidos pelo Edital do certame.

Para fins didáticos, um exemplo hipotético: determinada empresa ingressa como licitante em certame público cujo objeto é contratação para reforma de repartição pública. O rol de serviços que deverão ser realizados inclui instalação de Sistema de Proteção contra Descargas Atmosféricas (SPDA) - vulgo "para-raios". O responsável técnico pela empresa, engenheiro civil, tendo experiência na prestação de tal serviço, apresenta Certidões de Acervo Técnico em que há registro, chancelado pelo respectivo Conselho Regional de Engenharia, de ter realizado outras instalações de para-raios em outras oportunidades. Nada obstante comprovada a expertise na prestação do serviço, a Administração Pública declara inabilitada a empresa no certame pelo único e exclusivo fato de possuir o responsável técnico graduação em Engenharia Civil, e não em Engenharia Elétrica.

Embora pareça ilógico, é real.

A tese advogada pela Administração para justificar a inabilitação com esse fundamento é a de que a resolução 1.010/05 do CONFEA estabeleceria, restritivamente, as atribuições do profissional de cada ramo específico da Engenharia, de maneira que não se poderia considerar como comprovada expertise de profissional para determinado serviço quando a sua graduação na Engenharia fugisse ao ramo específico ao qual afetado abstratamente o serviço pela Resolução, ainda que tenha, na prática, realizado o serviço por diversas vezes e nele possua vasta experiência.

Ocorre que tal novo entendimento, cujas vigência e eficácia tiveram termo inicial na data de publicação da Resolução, não produz efeitos em relação aos Atestados e Certidões expedidos anteriormente enquanto não vigorante a nova regulamentação.

Se não existia, à época de realização dos serviços arrolados nos Atestados, ou à de emissão das CATs, norma que restringisse a atuação em serviços a profissionais de ramo específico da Engenharia, não pode o ato, cuja entrada em vigor se deu em 2007, retroagir para produzir efeitos em relação a situações jurídicas já aperfeiçoadas. Entendimento em sentido contrário caracteriza clara ofensa à segurança jurídica e a ao ato jurídico perfeito (art. 6º e parágrafos do decreto-lei 4.657/521). 

Tanto é assim que às Certidões emitidas posteriormente à data de entrada em vigor da resolução 1.010/05 são, pelos respectivos Conselhos Regionais, impostas restrições, exclusões, exceções ou ressalvas quando o serviço prestado não se encaixa no rol de serviços próprios do ramo da Engenharia em que graduado o engenheiro.

As CATs expedidas anteriormente à Resolução, portanto, evidentemente, não possuem ressalvas estritamente congruentes às afetações constantes na nova regulamentação. E nem poderiam.

À época de emissão de CATs anteriores à Resolução, vigia o regime do decreto 23.569/33, que dispunha de forma diversa acerca do rol próprio de atribuições de cada ramo da Engenharia. Podia, por exemplo, o Engenheiro Civil realizar serviços de instalação de para-raios, e nas CATs respectivamente expedidas consta o registro de prestação do serviço com homologação do Conselho Regional.

Se prestado hoje o serviço de instalação de SPDA por engenheiro civil, a Certidão será expedida com ressalvas.

É sob o regime do decreto 23.569/33 que devem ser analisadas as CATs anteriores à resolução 1.010/05, conforme estabelece a legislação pátria, e nunca sob o regime desta "nova" norma regulamentar.

Com efeito, estabelece a LINDB ser vedada a declaração de invalidade de situações plenamente constituídas com fundamento em entendimento normativo posterior2. Em igual sentido, estipula o diploma que a autoridade pública deve atuar para a preservação da segurança jurídica, da qual é corolário o ato jurídico perfeito3.

Ora, não haveria qualquer razão para que os arts. 24 e 30 da LINDB não se aplicassem aos entendimentos produzidos pelos Conselhos Profissionais, especialmente aqueles em que não há dúvida quanto à sua natureza autárquica - entidades da administração pública, portanto.

Não há de se falar, na hipótese tratada neste texto, em mera aplicação da lei federal 5.194/66, como por vezes pretende a Administração Pública. Com efeito, a lei federal mencionada disciplina, genericamente, as atribuições do Engenheiro Civil. Coube ao Conselho Profissional respectivo, no exercício de seu específico poder regulamentar, conferir especificidade à norma.

Ao dispor acerca da atribuição para execução de obras pelo Engenheiro Civil, prevê a lei federal, somente, que é o profissional competente para "execução de obras e serviços técnicos". Bastante genérico, como se vê. 

Como norma regulamentadora, utilizou-se, por décadas, do decreto 23.569/33, diploma que não dispunha sobre restrições ao engenheiro civil, ao menos não as mesmas que foram instituídas posteriormente. Somente em 2007, quando da entrada em vigor da resolução 1.010/05, que as restrições foram colocadas

Efetivamente, a norma regulamentadora imprimiu caráter restritivo à Lei Federal dantes inexistente. Não se pode, é certo, admitir que a restrição posterior retroaja para atingir situação jurídica anterior.

Adotar o equivocado entendimento eventualmente advogado pelo poder público corresponderia a considerar que toda e qualquer CAT emitida no lapso temporal de 41 (quarenta e um) anos (entre 1966 e 2007) e que fuja à restrição imposta a posteriori pela Resolução seria inválida. Tal entendimento é incompatível com a ordem jurídica.

Não se está a tratar, aqui, de questão meramente jurídica. O que ora se defende é que o registro, por profissionais da engenharia, de experiência laboral anterior ao ano de 2007 continue a valer, como há de ser, como comprovação de expertise técnica para realização de obras públicas.

Ora, para além de ser irrazoável e desproporcional desconsiderar-se a proficiência obtida em 41 (quarenta e um) anos de experiência no mercado de engenharia por profissional qualificado, entender que não seriam aceitáveis as CATs anteriores a 2007 representaria, bem assim, gravame à própria Administração Pública, na medida que inviabilizaria a contratação de profissionais de superior qualificação e capacitação, cuja expertise pode e certamente irá proporcionar ao Estado bons resultados em eficiência e em economicidade.

Seja para assegurar ao profissional da Engenharia dotado de mais vasta experiência a possibilidade de ter a sua qualificação reconhecida e valorizada pelo mercado, seja para garantir à Administração Pública a contratação de empresas de engenharia cujos responsáveis têm superior expertise técnica - assim viabilizando a realização de obras públicas com maior qualidade e com menor despesa -, temos a expectativa de que as Administrações Federal, Estadual e Municipal revisem esse equivocado entendimento e passem a considerar ser eficaz a resolução 1.010 do CONFEA somente em relação às Certidões expedidas posteriormente à sua entrada em vigência.

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1 Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.                     

§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.                  

§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.

2 Art. 24.  A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. Parágrafo único.  Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.

3 Art. 30.  As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.

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*Henrique Cavalcanti é graduando em Direito pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. Colaborador do escritório Rego, Nolasco e Lins Advogados.

*Vitor Soliano é Mestre em Direito Público (UFBA). Professor de Direito Econômico e Administrativo da Faculdade Baiana de Direito. Advogado do escritório Rego, Nolasco e Lins Advogados.

 

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