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Unbundling nas telecomunicações

Daniel Costa Lima da Rocha

Questão das mais debatidas no meio das telecomunicações em nosso país diz respeito à implantação do "UNBUNDLING LOCAL LOOP", que é o compartilhamento mediante o arrendamento de partes desagregadas das redes de telecomunicações por prestadores de serviços que não possuem infra-estrutura de rede, possibilitando que os operadores entrantes - destituídos de infra-estrutura - possam ofertar serviços de telecomunicações através das redes existentes.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2004

Atualizado às 09:23

Unbundling nas telecomunicações

 

Daniel Costa Lima da Rocha* 

 

Questão das mais debatidas no meio das telecomunicações em nosso país diz respeito à implantação do "UNBUNDLING LOCAL LOOP", que é o compartilhamento mediante o arrendamento de partes desagregadas das redes de telecomunicações por prestadores de serviços que não possuem infra-estrutura de rede, possibilitando que os operadores entrantes - destituídos de infra-estrutura - possam ofertar serviços de telecomunicações através das redes existentes. Assim, permite a concorrência naqueles segmentos da indústria onde o controle da infra-estrutura de rede constitui-se numa grande barreira à entrada de novas firmas no mercado. Nesse contexto, é justo investigar o posicionamento norte-americano sobre a matéria e indagar se o mesmo poderia servir de diretriz regulatória para o Brasil, sem se tornar um mecanismo inibidor dos investimentos nas redes de telecomunicações brasileiras.

 

Nos Estados Unidos da América, a experiência bem-sucedida do UNBUNDLING se deveu, principalmente, em razão da Lei de Telecomunicações de 1.996 ("Telecommunications Act 1996"), que definiu três regras básicas: as instalações físicas e virtuais de telecomunicações seriam abertas, entre as quais as bases de dados de números telefônicos, os canais de sinalização e os serviços de operadoras; os operadores de telecomunicações teriam a obrigação expressa de interconectar-se com outros e, por fim, seria proibida a instalação de facilidades, funções ou capacidades que pudessem impedir a interconectividade da rede.

 

Lá, houve a preocupação do Legislador nativo de, ao elaborar a "Telecommunications Act 1996", não permitir o aproveitamento das redes internas da monopólica natural pelas entrantes de forma que não houvesse investimentos destas na manutenção e melhoria das redes. Enfim, visando à garantia e segurança de que o UNBUNDLING geraria competição sadia entre as prestadoras em curto, médio e, principalmente, longo prazo, o legislador norte-americano criou mecanismos legais de imposição de investimentos pelas novas ofertantes, de modo que estas também se responsabilizassem pela constante melhoria e modernização principalmente tecnológica das redes internas das ex-monopólicas naturais.

 

Neste passo, a seção 251 do Ato impõe às operadoras locais, além do dever de interconexão, a obrigação de prover elementos de suas redes aos novos concorrentes, assim como a de vender em atacado os seus serviços para outras empresas, as quais poderão ingressar no mercado local apenas como revendedoras, sem sequer precisar montar rede própria. A princípio, se entendeu que, pela seção 251 do referido ato, as monopólicas naturais, além do dever de interconexão, teriam a obrigação de disponibilizar às entrantes todos os elementos de suas redes, dando-se a impressão de que o legislador teria descartado o estabelecimento de qualquer limite ao acesso no âmbito das redes locais. No entanto, após vir ser contestado nos Tribunais este dispositivo legal, a Suprema Corte Norte-Americana veio enfatizar a obrigação da monopólica fornecer acesso a elementos da rede de telefonia, mediante certas limitações (AT&T Corp. et al. vs. Iowa Utilities Board et al. 525 US 360 (1999)).

 

A decisão menciona que tais parâmetros exigiriam, por exemplo, que se considerasse a existência, ou não, da possibilidade de acesso a tais elementos a partir de outras redes já instaladas. Também foi destacada a circunstância  de que a imposição de um acesso obrigatório restrito conduziria ao desincentivo ao investimento nas redes e, conseqüentemente, restringiria a possibilidade de consolidação de um ambiente concorrencial. Neste sentido, o voto do Justice BREYER, que dissentiu em parte da opinião majoritária da Corte: "A totally unbundled world - a world in which competitors share every part of an incumbent's existing system, including, say, billing, advertising, sales staff, and work force (and in which regulators set all unbundling charges) - is a world in which competitors would have little, if anything, to compete about" (cf. 525 US 366).

 

Pelo entendimento aposto pela Suprema Corte de Justiça Americana, os parâmetros constantes da subseção 251(d) (2) tornam o acesso obrigatório apenas em relação a elementos de rede cuja não-disponibilização inviabilizaria o aparecimento de concorrência. Sob esse enfoque, a interpretação dada àquela subseção aproxima-se do resultado que seria alcançado com a aplicação da doutrina das essential facilities no âmbito do direito concorrencial geral. Na própria decisão menciona-se a semelhança entre esta e o texto legal (apesar de evitar-se o reconhecimento expresso de que a doutrina das "essential facilities" deveria ser adotada na interpretação da subseção). Somente o que seria considerado "essential facility" poderia ser objeto de UNBUNDLING, e não todos e quaisquer elementos integrantes das redes internas de telefonia local, como antes se entendia a partir da interpretação da Seção 251(d) (2), antes da decisão vinculante da Suprema Corte de Justiça Norte-Americana.

 

A resposta que mais entendemos ser pertinente, a fim de explicar a não-implantação do UNBUNDLING no Brasil, é a de insegurança financeira na manutenção e na constante melhoria e modernização das redes de telefonia locais, após a sua implantação. Desde sempre, o Governo Brasileiro e, a partir de 1.998, a ANATEL, vem tendo preocupação em implantar novos modelos no setor de telecomunicações, pois os reflexos poderão ser negativos como diminuição de investimentos contínuos e usurpação, por parte das novas ofertantes, do esforço alheio das monopólicas, que se esforçaram em construir e melhorar até hoje suas redes. Sem a segurança de que investimentos continuarão a ser despejados no setor, a implantação prática do UNBUNDLING se torna menos preocupante, quiçá inócua ou, pior, entendida como lesiva em seu objetivo de tornar mais competitivo o setor. É temerário trocar o certo pelo duvidoso quando é certo que, por força das metas impostas pela ANATEL, as três empresas monopólicas já vêm realizando pesados investimentos e, bem ou mal, o serviço de telefonia pública local vem melhorando através também da maior disponibilidade de linhas à Coletividade.

 

Por ora, o Brasil, por intermédio da ANATEL, expediu em julho de 1.998 o Regulamento de Remuneração pelo Uso de Redes de Prestadoras do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) e, conjuntamente com a ANP e a ANEEL, o Regulamento Conjunto Para Compartilhamento de Infra-estrutura Entre os Setores de Energia Elétrica, Telecomunicações e Petróleo (Resolução Conjunta nº 001 de 24/11/99). No entanto, ambos os instrumentos ainda não foram postos em prática principalmente graças ao receio de grave desequilíbrio econômico entre a monopólica natural e as entrantes. Estas últimas estão ávidas pelo ingresso nos mercados monopólicos, porém, terão de realizar investimentos iniciais de difícil ou impossível retorno em curto ou médio prazo ("sunk costs"), além do que se faz imprescindível estabelecer o chamado "preço justo", se é que possível tal tarefa, relativamente à remuneração do uso das redes da monopólica, tudo isto tendo em conta a fragilidade da economia brasileira, sua capacidade de produzir reflexos próprios a partir da absorção dos efeitos devastadores de crises econômicas e políticas externas, principalmente periféricas (Argentina e Venezuela), e o cenário econômico internacional, agravado após o ocorrido no dia 11 de setembro de 2.001.

 

Como possível norte a ser seguido se apresenta o modelo regulatório norte-americano, em que há a preocupação de não se permitir o aproveitamento usurpador, por parte das entrantes, do esforço alheio das monopólicas naturais que, há anos, construíram e vêm melhorando e modernizando as redes. Somente os elementos da rede interna, cuja não-disponibilização às entrantes inviabilizaria o aparecimento de concorrência, enfim, o que poderia ser considerado "essential facility", seriam passíveis de ser objeto de UNBUNDLING, ou seja, de compartilhamento regulado entre prestadoras (ex-monopólica natural e novas ofertantes), assim entendidas principal e basicamente as estruturas internas de fio de cobre que compõem a chamada última milha ("last mile").

 

Em conclusão, é justo afirmar que o UNBUNDLING pode e deve ser implantado no Brasil levando-se em conta a necessidade contínua de investimentos na ampliação das redes de telecomunicações. Tudo dependerá do estabelecimento, pela ANATEL, de princípios direcionadores que, sem coibir a livre negociação entre as partes, possam orientar o desenvolvimento de uma precificação eficiente para o compartilhamento das redes de telecomunicações que consiga equilibrar os mercados.

 

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*advogado do escritório Siqueira Castro - Advogados

 

 

 

 

 

 

 

 

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