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CADE - decisão que reprova compra da Garoto pela Nestlé

Bruno Boris

A decisão do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) vetando, por cinco votos a um, a aquisição da brasileira Chocolates Garoto pela suíça Nestlé, determinou novos rumos no direito concorrencial brasileiro.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2004

Atualizado em 12 de fevereiro de 2004 11:17

CADE - decisão que reprova compra da Garoto pela Nestlé

 

Bruno Boris*

 

A decisão do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) vetando, por cinco votos a um, a aquisição da brasileira Chocolates Garoto pela suíça Nestlé, determinou novos rumos no direito concorrencial brasileiro.

 

Desde o início da transação, apesar da confiança pelo fechamento do negócio por parte de alguns setores da economia, uma análise geral da operação permitia entrever a concentração de poder que uma única empresa passaria a deter na hipótese de aprovação.

 

O caso Nestlé/Garoto está repercutindo não apenas pela demora, cerca de dois anos, como também pela decisão final do CADE determinada com base nos pareceres emitidos pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) e da Procuradoria do CADE, já que o parecer da SEAE (Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda) analisou diversos fatores sem chegar a uma posição conclusiva sobre o assunto.

 

O parecer da Procuradoria do CADE foi determinante porque não só destacou a alta concentração de mercado, como afirmou a exemplo do parecer da SDE a ausência de provas de que as vantagens adquiridas na operação seriam transferidas aos consumidores.

 

O parecer da SDE identificou de plano a ocorrência de concentração horizontal em diversos segmentos, constatando-se concentrações elevadas.

 

A SDE apresentou soluções alternativas, chegando até mesmo a referendar a operação em setores específicos, não obstante destacasse, concomitantemente, restrições relevantes contra a operação.

 

Conquanto os pareceres da SDE e da Procuradoria do CADE, em última análise, admitissem a operação, deve-se ressaltar que foram destacadas várias sugestões (quando não, restrições), que tornariam a conclusão definitiva do negócio extremamente onerosa, quiçá prejudicial ao próprio consumidor que assumiria ao fim da cadeia produtiva os custos dos ajustes no caso do CADE aprová-lo com restrições.

 

Apesar da aquiescência com restrições, os pareceres da SEAE, SDE e da Procuradoria do CADE ao caso Nestlé/Garoto não vinculam a atuação do CADE, como de fato não vincularam.

 

O elevado índice de concentração em setores específicos do mercado não é o único fator de convencimento do CADE para julgamento. Analisa-se a possibilidade ociosa das empresas concorrentes, a possibilidade de investimentos estrangeiros no país decorrente da política nacional das barreiras tributárias, bem como a fidelização à marca e outros fatores do mercado.

 

A decisão do CADE no caso Nestlé/Garoto possui uma importância jurídica singular, pois, cada vez mais, será crucial uma análise detalhada das conseqüências das operações submetidas ao órgão.

 

Saliente-se que a Nestlé, a Garoto e o CADE celebraram um Acordo de Preservação de Reversibilidade, por meio da qual se abstiveram de praticar atos decorrentes do contrato celebrado. Tal cautela impede alterações estruturais de monta, de modo a evitar a reversibilidade e preservar a coletividade do repasse de tais ônus (acordo semelhante foi utilizado no caso AMBEV).

 

Deixando de lado a análise técnica da decisão do CADE, politicamente, tal decisão possui relevância inestimável, pois além de vetar um negócio milionário, demonstrou a autonomia, maturidade e a importância do poder decisório da autarquia.

 

Era cediço a todos que haveria um momento em que o CADE, confirmada a concentração excessiva, teria que tomar atitude definitiva, inclusive determinando o desfazimento do negócio. Muitos inclusive não acreditavam que o CADE viesse a tomar posicionamento tão radical, pois existia a saída da imposição de restrições.

 

Enfim, tal decisão chegou! Surpreendeu, pois não impôs restrições, simplesmente vetou o fechamento do negócio, cabendo à Nestlé vender os ativos adquiridos da Garoto.

 

A hipótese, já estudada pela Nestlé, de que caberia medida judicial em face da decisão do CADE gera controvérsias. Não se pode esquecer da previsão constitucional de que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, entretanto, a decisão judicial não poderá analisar o mérito da decisão do CADE, pois esta autarquia possui legitimidade para atuar no mercado econômico, cabendo à Nestlé apenas discutir a ausência de requisitos legais no trâmite do procedimento administrativo, ou qualquer violação prevista na Lei 8.884/94.

 

Não obstante a possibilidade de discussão judicial, a interferência do Poder Judiciário em tese, estaria restrita apenas aos requisitos legais do procedimento administrativo, gerando a possibilidade de um novo julgamento, contudo, atacar o mérito da decisão do CADE pela via judicial, não seria o melhor remédio para Nestlé.

 

A cada vez torna-se mais necessária assessoria jurídica e econômica que estude previamente todos os riscos envolvidos em operações que afetem à ordem econômica, a fim de estabelecer um interesse comum que impeça o desfazimento de negócios como no caso Nestlé/Garoto.

 

A legislação referente à intervenção no domínio econômico foi aplicada e, a partir desse momento, todos as situações por ela abrangidas reclamarão novas reflexões que permitam integração com esta nova realidade.

 

Finalmente, as alegações de que possíveis investimentos estrangeiros retornem ao país de origem devido à decisão em questão é pura especulação, pois países desenvolvidos possuem legislação concorrencial semelhante e, em certos casos, ainda mais rigorosa.

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* Advogado do escritório Azevedo Sette Advogados

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