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Prerrogativas e privilégios

Era eu menino, de férias na Região Serrana do Rio, no Vale da Boa Esperança, e numa tarde caçava passarinho de espingarda de chumbo com outros três amigos de idênticos topetes. Lá pelas tantas, movida provavelmente por denúncia de vizinhos, uma viatura policial nos alcançou e logo tivemos nossas armas confiscadas.

terça-feira, 13 de março de 2007

Atualizado em 12 de março de 2007 14:11


Prerrogativas e privilégios

Francisco de Assis Chagas de Mello e Silva*

Era eu menino, de férias na Região Serrana do Rio, no Vale da Boa Esperança, e numa tarde caçava passarinho de espingarda de chumbo com outros três amigos de idênticos topetes. Lá pelas tantas, movida provavelmente por denúncia de vizinhos, uma viatura policial nos alcançou e logo tivemos nossas armas confiscadas. Pouco depois, alertado não sei como, apareceu no local um conhecido deputado federal do Ceará, também hóspede de Fernando Linhares, médico ilustre e conceituado que nos acolhia a todos na sua bela residência de verão. A interpelação do parlamentar dirigida aos policiais, após sublinhar com quem falavam, foi rápida e incisiva: "o assunto está encerrado, vou retomar as armas dos meninos e guardá-las". A tímida reação dos guardas, resumida num breve comentário de que era por isso que o Brasil não ia p'ra frente, recebeu indignada tréplica : "quero o nome dos dois para comunicar a seus superiores o desacato a uma autoridade". Depois de um humilde pedido de desculpas, fomos todos para casa, de posse das espingardas e um sorriso nos lábios próprio dos tolos que se regozijam com a vitória da arrogância em seu favor.

Muitos anos mais tarde, já advogando para uma concessionária de energia, no mesmo ano de um incêndio devastador no edifício Andraus, no centro da cidade, em 1973, recebi com meus colegas de trabalho ampla explanação do Chefe do Corpo de Bombeiros interno da empresa que, de sala em sala, entre outras informações e advertências, dava ciência de que recebera generosa autorização da Administração para que o elevador privativo e exclusivo dos Diretores fosse utilizado pela força de segurança em caso de incêndio.

Hoje, os tempos felizmente são outros. Não há mais espingardas de ar-comprimido, as crianças foram ensinadas a preservar e a proteger e se comprazem em observar e ouvir os passarinhos. Também os elevadores privativos foram abolidos em Furnas e em quase todos os recantos do país

Entretanto, o argumento da autoridade ainda prevalece. As imunidades, os privilégios, as prerrogativas, o nepotismo, as vantagens, o compadrio, o corporativismo, a pessoalidade etc, todos primos entre si, trafegam sem escrúpulos e sem véus nos mais diversos recantos do Brasil Estado.

Pior.

O Poder Judiciário, guardião dos preceitos fundamentais da Constituição, entre eles o da igualdade e o da cidadania, pratica, nas suas mais diversas ramificações, todos os exemplos antes alinhados.

Advogados, juízes, desembargadores, ministros e procuradores se arvoram em lançar mão a todo instante das prerrogativas que julgam necessárias para o exercício da profissão que elegeram. Aliás, menos contra terceiros e mais uns contra os outros. Alguns se consideram superiores aos demais e esses, justamente inconformados, vivem lembrando os limites de autoridade dos primeiros. Ao invés de se darem as mãos e caminharem juntos para a celebração da Justiça agem como galos de campina em recorrente antagonismo.

Além disso, a vaidade é deles inseparável companheira .Os advogados, por exemplo, rejeitam para si, e apenas para si, a revista no acesso aos Tribunais e aos presídios porque a igualdade de tratamento é desatendida já que os procuradores e juízes exigem dispensa da mesma em função do cargo que ocupam e das carteiradas que distribuem quando não são reconhecidos pelos bedéis.

No entanto, trata-se de um constrangimento seletivo pois não se incomodam todos em sujeitar-se às máquinas de raio x dos aeroportos e em tirar cintos e sapatos para ter livre ingresso nos países do primeiro mundo.

Se tanto reivindicam privilégios devem deixar para trás a mocidade e envelhecer, como recomendava Nelson Rodrigues, mas preservando a estatura, a compostura e a imaculada integridade só percebidas em homens da envergadura moral de Barbosa Lima Sobrinho e de Sobral Pinto.

Somos todos muito jovens para tanta majestade.

O Brasil elitista de nossos antepassados acabou. Assim, rogo que guardem suas carteiras, seus títulos, seus brasões e mostrem a cara de um novo país, uniforme e justo.

Se há necessidade de se atribuir distinções, sugiro a criação do seguinte dispositivo legal:

"Brasileiro algum terá direito a prerrogativas e privilégios, com as únicas exceções de Oscar Niemeyer, Octávio Frias, Goffredo Telles Júnior e Antonio Candido".

"Revogam-se as disposições em contrário".

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*Advogado do escritório
Candido de Oliveira - Advogados








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