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A mão pesada do legislador

Manoel Ignácio Torres Monteiro e Jaime Magalhães Machado Júnior

O legislador brasileiro é caso único no mundo: adora destruir a ordem jurídica em vigor para construir uma nova, desprezando quase tudo o que as normas do passado proporcionaram, sobretudo a construção doutrinária e jurisprudencial.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2004

Atualizado em 18 de fevereiro de 2004 11:54

A mão pesada do legislador


Manoel Ignácio Torres Monteiro

Jaime Magalhães Machado Júnior*

O legislador brasileiro é caso único no mundo: adora destruir a ordem jurídica em vigor para construir uma nova, desprezando quase tudo o que as normas do passado proporcionaram, sobretudo a construção doutrinária e jurisprudencial.

O Projeto de Lei n.º 4.376-B de 1993 ("Projeto de Lei de Falências"), aprovado recentemente na Câmara, pretende substituir a atual Lei de Falências e Concordatas, Decreto-Lei n.º 7.661 de 21 de junho de 1945 ("Lei de Falências").

Não há dúvidas que a Lei de Falências precisa ser revista, porque é obsoleta, utiliza conceitos, institutos e princípios não mais aplicáveis à realidade empresarial do século XXI, porém, substituir uma norma por outra é sempre penoso e complexo.

O Código Civil vigente substituiu o Código Civil de 1916. Foram 86 (oitenta e seis) anos de vigência do Código Civil anterior, com a produção de vasta e preciosa doutrina e jurisprudência. Certamente o Código Civil de 2002, como qualquer norma revogadora, traz aspectos e institutos que existiam no Código anterior, entretanto, a confusão causada pela substituição de norma é tremenda. Seria ideal a reforma de alguns aspectos do Código Civil de 1916 e a elaboração de leis especiais para tratar de assuntos específicos. Entretanto, o legislador brasileiro optou pela forma mais difícil.

Contudo, o Código de Processo Civil talvez seja o único exemplo de reforma legislativa brasileira progressiva, com resultados efetivos. Várias foram as reformas do texto de 1976, amparadas pela prática diária, adequando as disposições legais à realidade da Justiça brasileira, à medida que se tornam necessárias adaptações.

Mas, mesmo assim, parece inevitável a aprovação no Senado do Projeto de Lei de Falências.

O Projeto de Lei de Falências tem como principal argumento a maior participação dos credores, instituindo a Assembléia Geral de Credores para na Falência, tal como na Lei vigente, para deliberar sobre forma diversa de realização do ativo.

Todavia, de forma surpreendente, o quorum para aprovação na lei vigente é de 25% dos credores, o qual foi aumentado no Projeto de Lei de Falências para 50% (cinqüenta por cento). Atualmente o desinteresse dos credores em deliberar em Assembléia Geral de Credores advém da questão da sucessão tributária e da preferência dos créditos trabalhistas, que elide na esmagadora maioria das falências qualquer possibilidade de recuperação de créditos por credores com garantia real ou quirografários.

Portanto, depreende-se que a eventual substituição da Lei de Falências vigente pelo Projeto de Lei de Falências por si não é suficiente para ensejar maior participação dos credores, sendo necessárias reformas no Código Tributário Nacional e na Legislação trabalhista.

A equiparação dos créditos tributários aos créditos com garantia real, assim como a eliminação do risco de sucessão em caso de aquisição de ativos alienados, são inovações importantes para que o mecanismo de recuperação trazido pelo Projeto de Lei de Falências seja bem sucedido.

Há ainda na Lei de Falências vigente outra disposição que encontra dispositivo análogo no Projeto de Lei que tem sido divulgado amplamente como evolução em relação a atual legislação: a venda em bloco dos ativos do devedor. Diz o art. 116 da Lei de Falências: "Art. 116. A venda de bens pode ser feita englobada ou separadamente". O Projeto de Lei apenas detalha a forma de realização de ativos, determinando ainda uma ordem de preferência na venda dos ativos, começando por toda a unidade produtiva, passando pela venda de filiais e por último determinando a venda individualizada dos bens.

Notáveis especialistas em direito falimentar entendem que a reforma da lei vigente, e das disposições pertinentes na legislação tributária, seriam muito mais efetivas e produtivas do que a aprovação da nova Lei de Falências em substituição da atual, na medida em que a aplicação da lei seria mais rápida e fácil, por causa da manutenção da maior parte do texto legal.

Mas, diante da aprovação do Projeto de Lei na Câmara e de sua possível aprovação no Senado, os profissionais envolvidos nas falências e atuais concordatas devem procurar assimilar os novos conceitos e disposições que serão trazidos pela possível nova Lei. Certamente representa um avanço na matéria falimentar em muitos aspectos, contudo, reflete a pressa do legislador brasileiro, que prefere substituir a legislação existente, contribuindo assim para ocasionar conflitos e problemas de interpretação das normas, pelo menos até a fixação de critérios pela doutrina e jurisprudência.

Mais uma vez a mão pesada do legislador brasileiro contribui para dificultar o trabalho da justiça e dos advogados e, em última instância, para o descrédito nos institutos jurídicos.

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* Advogados do escritório
Stuber - Advogados Associados










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