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A Anvisa e a publicidade de bebidas alcoólicas

Nos últimos dias, os principais veículos de comunicação vêm noticiando que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa está prestes a estabelecer regras mais rígidas para a publicidade de bebidas alcoólicas. Essas regras deverão ser votadas em breve pela Diretoria Colegiada daquela agência e passarão a ser obrigatórias em todo o País.

terça-feira, 29 de maio de 2007

Atualizado em 24 de maio de 2007 11:08


A Anvisa e a publicidade de bebidas alcoólicas

Mauro J.G. Arruda*

José Mauro Decoussau Machado*

Nos últimos dias, os principais veículos de comunicação vêm noticiando que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa está prestes a estabelecer regras mais rígidas para a publicidade de bebidas alcoólicas. Essas regras deverão ser votadas em breve pela Diretoria Colegiada daquela agência e passarão a ser obrigatórias em todo o País.

Em contrapartida, algumas entidades vêm manifestado o seu repúdio a essa intervenção da Anvisa, sobre o fundamento de que a prerrogativa de legislar em matéria de publicidade é do Congresso Nacional, de forma que não caberia a uma agência reguladora assumir função legislativa e decidir sobre a necessidade ou não se de restringir a publicidade de tais produtos.

Publicamente, já se manifestaram contra a iniciativa da Anvisa entidades como o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária - Conar, a Associação Nacional dos Anunciantes - ANA, a Associação Nacional dos Jornais -ANJ, a Associação Nacional de Emissoras de Rádio e Televisão - ABERT entre outras.

À primeira vista, poder-se-ia imaginar que todas essas entidades estariam defendendo interesses precipuamente comerciais de seus afiliados, em detrimento de um interesse maior, difuso, que seria a melhoria da saúde da população, mediante normas mais rígidas que poderiam reduzir os índices de alcoolismo (principalmente entre os adolescentes) e os gastos do Estado com saúde. Assim, se analisada de maneira simplista a questão poderia ser entendida como um embate entre saúde pública versus interesse comercial.

Entretanto, o que se observa é que, mais uma vez, o que se busca é suprir a incapacidade de fiscalização do Governo para fazer valer a legislação já existente. Ademais, um exame mais aprofundado do tema revela que a Constituição Federal, no art. 220, § 4º, determina que "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição", competindo exclusivamente a lei federal estabelecer limitações à publicidade de tabaco, bebidas alcoólicas e medicamentos.

Justamente com base nessa disposição, o Congresso Nacional editou a Lei nº 9.294/96 (clique aqui), cujo escopo é regulamentar, entre outros produtos, a publicidade de bebidas alcoólicas, estabelecendo uma série de restrições para a sua veiculação. O Congresso optou, conscientemente, por restringir tão-somente a publicidade de bebidas que têm teor alcoólico superior a 13 graus Gay Lussac, isto é, bebidas mais fortes como vodka, whisky etc., o que exclui do seu campo de incidência as cervejas, que têm aproximadamente cinco graus.

A aplicação das restrições previstas pela Lei nº 9.294/96 apenas para bebidas com alto teor alcoólico foi reconhecida como perfeitamente legal pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1755 / DF.

Tal ação foi proposta pelo Partido Liberal, sobre o fundamento de que as restrições deveriam ser aplicáveis a todas as bebidas alcoólicas, inclusive cervejas, uma vez que o legislador não poderia ter imposto restrições somente às bebidas de teor alcoólico mais elevado.

No julgamento dessa ação, o Ministro NELSON JOBIM reconheceu, em seu voto, que a lei é constitucional, pois o legislador teve a clara intenção de aplicar as restrições tão-somente às bebidas com alto teor alcoólico, excluindo as demais. Concluiu, pois, que não poderia o Supremo Tribunal Federal decidir em sentido inverso, sob pena de que as restrições alcançassem um âmbito não desejado pelo Congresso. O Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE também reconheceu que cabe ao legislador e não ao Poder Judiciário rever a legislação se entender necessário.

Com efeito, mais de uma centena de projetos de lei tramitam no Congresso Nacional com diferentes propostas para o tema. Cada um desses projetos tem gerado intenso debate, inclusive mediante a coleta de informações confiáveis que possam embasar uma decisão bem fundamentada. O grande desafio é definir se há ou não uma relação de causa e efeito entre a publicidade e os problemas de saúde da população, bem como se a restrição a essa publicidade influenciaria os índices de consumo. Muitos argumentam que essa questão seria irrelevante, pois a publicidade provocaria apenas uma alternância das marcas na preferência do consumidor e não indução ao alcoolismo.

Nesse contexto, temos que o foro competente para decidir a questão é o Congresso Nacional e não a Anvisa. É no Congresso que, democraticamente, os diferentes seguimentos da sociedade são representados, podendo fornecer aos deputados e senadores informações que dêem suporte a uma decisão consciente sobre um assunto tão importante. Decidir sem esse amplo debate seria temerário, pois se correria o risco de criar normas inócuas, sem a medida correta para atender ao interesse comum.

Ainda que esteja motivada por ideais louváveis, a Anvisa pretende subverter todo o processo democrático e transparente a se desenrolar no Congresso, imiscuindo-se na sua competência para criar normas votadas apenas pela sua Diretoria Colegiada. Repita-se: por mais que a sua conduta possa ter objetivos legítimos, o ponto fundamental é que ela não é o foro competente para criar regras dessa natureza, já que a Constituição determinou que proviessem somente do Congresso Nacional.

O que se observa é que mais uma vez a Anvisa extrapola as suas funções, travestindo-se de legisladora e atuando em áreas que não são da sua competência, como, por exemplo, nas questões de Propriedade Industrial, que são objeto de uma lei específica, a Lei nº 9279/96, e, agora, na publicidade de bebidas. Enquanto isso, as funções naturais da Anvisa não têm merecido a devida atenção, como a obtenção e a renovação de registros de medicamentos, bem como a importação desses produtos, que levam um longo período para serem analisadas.

Caso essa investida da Anvisa se concretize, tudo o que ela conseguirá será atravancar ainda mais o Poder Judiciário, com dezenas de ações judiciais que certamente serão propostas para discutir a legalidade das regras sobre a publicidade de bebidas.

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*Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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