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Sustentabilidade aplicada aos escritórios de advocacia

É fato que nos últimos anos, o tema da sustentabilidade tem crescido no meio empresarial. Através desse fenômeno, percebe-se, uma mudança de postura nas sociedades empresárias que passaram a se perguntar sobre a competitividade de seus custos e respectiva tendência de manutenção dos patamares ao longo prazo.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Atualizado em 31 de maio de 2007 09:03


Sustentabilidade aplicada aos escritórios de advocacia

Rafael De Castro Spadotto*

É fato que nos últimos anos, o tema da sustentabilidade tem crescido no meio empresarial. Através desse fenômeno, percebe-se, uma mudança de postura nas sociedades empresárias que passaram a se perguntar sobre a competitividade de seus custos e respectiva tendência de manutenção dos patamares ao longo prazo.

Além destas preocupações, outras surgiram, como por exemplo, as taxas de inovação, a demanda pelos produtos e serviços ofertados por aquela empresa, sua correlação com a manutenção acima referida e naturalmente a maneira pela qual a sociedade retém seus talentos.

Isso tudo porque a sociedade civil, cada vez mais, tem exigido uma mudança de postura das organizações empresariais, de forma que se privilegie a transparência, ética e a responsabilidade corporativa. Vê-se, pois, que o desenvolvimento sustentável, concebido como aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as futuras gerações atenderem às suas próprias necessidades, assume uma espetacular grandeza de ordem na pauta mundial.

Como bem se percebe, o tema exige o gerenciamento de inúmeros riscos, mas que podem se transformar em grandes oportunidades. Por isso, entendemos que a sustentabilidade significa o meio pelo qual se devem buscar essas oportunidades sob o prisma de três pilares, quais sejam: o econômico, o social e o ambiental.

Propõe-se com isso, que as atividades econômicas desenvolvidas pelas sociedades se relacionem com o meio ambiente e com as diferentes comunidades que direta ou indiretamente estejam situadas na sua área de influência.

Contudo, é certo que ainda existe uma grande dificuldade por parte dos administradores em gerenciar essa situação, por isso a criação de valores sustentáveis estabelecidos com base na missão daquela sociedade, é fundamental para que se garanta o resultado efetivo das políticas que se pretende implantar.

É fundamental que a empresa avalie e planeje as ações que almeja e que tais ações estejam apoiadas nos pilares assinalados, no presente e futuro, seja interna ou externamente. Essa avaliação possibilitará que sejam respondidas as perguntas descritas no início deste artigo.

Cumpre mencionar ainda, que dentro do planejamento realizado, o engajamento dos stakeholders deve servir de parâmetro para a criação de valores sustentáveis e, por conseguinte, na implantação de políticas sociais e ambientais.

Diante desse contexto, este artigo pretende discutir qual é o papel dos escritórios de advocacia, visto que, embora estejam legalmente impedidos de assumirem sua conotação empresarial e ainda que o fenômeno discorrido esteja mais adstrito às sociedades empresárias é certo que muitos deles atuam com referidas entidades.

É errôneo, dessa forma, supor que não devam assumir uma postura em prol da sustentabilidade, e que, portanto, estariam imunes às exigências da sociedade da mesma forma como ocorre em relação aos seus clientes.

Aliás, o próprio Estatuto da Advocacia, em especial o art. 31 do referido Diploma, exige que o advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia.

Assim, dentro de uma perspectiva deontológica, as sociedades de advogados estão, moralmente, obrigadas a seguir essa tendência mercadológica que, frise-se, de forma alguma representa favorecimento pessoal.

Metodologicamente, a implantação de políticas de sustentabilidade e sua devida gestão, consiste em seguir os seguintes passos: (i) orientar; (ii) persuadir; (iii) motivar; (iv) acompanhar; (v) envolver; (vi) participar; (vii) divulgar; e (viii) existir.

A orientação se deve ao fato de que a adoção de políticas de sustentabilidade, permite que se melhore a reputação da sociedade junto aos seus clientes, de forma que a maximização de seus resultados financeiros, a diminuição de seus custos e também de seus passivos ambientais é vista como uma das principais conseqüências da implantação de tais políticas.

Além disso, a transparência na prestação de informações aumenta o grau de confiabilidade nos produtos e serviços ofertados, dentre outros. Uma vez orientada, deve a sociedade, na pessoa de seus sócios majoritários, ser persuadida a implantar as políticas escolhidas.

Devidamente implementadas, a constante motivação dos sócios majoritários, para o aperfeiçoamento do planejamento realizado, bem como um minucioso acompanhamento dos resultados obtidos são boas maneiras de se garantir o correto funcionamento e efetividade do programa.

É certo, porém, que de nada adianta estabelecer as premissas supramencionadas se a sociedade não envolver seus colaboradores, órgãos públicos, clientes, fornecedores e todos aqueles que estiverem direta ou indiretamente vinculados às suas atividades.

Considerando a transparência que é exigida quando se adota uma postura como essa, é fundamental que o programa realmente exista e que haja uma divulgação dos resultados constatados para o maior número de pessoas possível.

A grande verdade, entretanto, é que a gestão da sustentabilidade não pode ser encarada como uma fórmula pré-concebida e imutável, trocando em miúdos, não é uma receita de bolo, onde se adiciona ou retira ingredientes ao bel-prazer do gestor.

Todavia, existem meios perfeitamente factíveis de se implementar as políticas de sustentabilidade. Para tanto, é necessário que se avalie o ramo de atuação econômica da sociedade-alvo.

No caso dos escritórios de advocacia, cujas atividades são, preponderantemente, de prestação de serviços, podemos assinalar, inicialmente, que o impacto ambiental causado por elas é de escala inferior se comparado com uma indústria.

É certo, contudo, que o consumo de energia, a realização de viagens por meio de automóvel ou aeronave, a impressão de peças processuais, contratos, pareceres, etc. são atividades que impactam negativamente no meio ambiente.

Dessa forma, as sociedades que mantêm programas de reciclagem e reutilização do papel consumido nas dependências físicas do escritório e que contabilizam suas emissões de gases de efeito estufa, com base nas viagens realizadas, estão gerindo sua sustentabilidade.

Já aquelas que além de contabilizarem a emissão de gases de efeito estufa, realizam a neutralização desse carbono através do plantio de espécies vegetais em áreas de preservação permanentes, unidades de conservação, florestas públicas, etc., certamente, possuem uma maior preocupação com a gestão da sustentabilidade.

Como foi mencionado anteriormente, a divulgação das ações realizadas constitui condição sine qua non para a eficácia da gestão em curso. Para tanto, a publicação de relatórios sociais, apoiados em metodologias já consolidadas, facilita a comunicação com os stakeholders e garante a transparência do programa.

Dentre os órgãos que se prestam a divulgar tais informações o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), certamente representa um centro de excelência na construção da democracia, no combate à desigualdade e no estímulo à participação cidadã.

É por intermédio deste instituto que muitas empresas, desde 1997, têm publicado seus balanços sociais com base nos indicadores sociais internos, externos, nos indicadores ambientais e do corpo funcional. Incluem-se ainda informações sobre o exercício da cidadania empresarial e a base de cálculo - leia-se receita líquida, operacional e folha de pagamento bruta - de toda a atividade desenvolvida na sociedade.

Na base de cálculo são incluídas as receita líquida, ou seja, receita bruta excluída dos impostos, contribuições, devoluções, abatimentos e descontos comerciais, também o resultado operacional que se encontra entre o Lucro Bruto e o Lucro Antes do Imposto de Renda (LAIR), ou seja, antes das receitas e despesas não operacionais e a folha de pagamento bruta, que consiste no somatório de remuneração (salários, gratificações, comissões e abonos), 13º salário, férias e encargos sociais compulsórios (INSS, FGTS e contribuição social).

Já os indicadores sociais internos privilegiam a soma dos gastos com restaurante, vale-refeição, lanches, cestas básicas e outros relacionados à alimentação de empregados (as).

As quantias despendidas com previdência privada, ou seja, com planos especiais de aposentadoria, fundações previdenciárias, complementações de benefícios a aposentados (as) e seus dependentes.

Incluem-se ainda os gastos com planos de saúde, assistência médica, programas de medicina preventiva, programas de qualidade de vida e outros gastos com saúde, inclusive de aposentados (as).

Também a soma dos gastos com ensino regular em todos os níveis, reembolso de educação, bolsas, assinaturas de revistas, gastos com biblioteca (excluído pessoal) e outros gastos com educação.

Também devem ser contemplados os gastos com eventos e manifestações artísticas e culturais (música, teatro, cinema, literatura e outras artes), além dos recursos investidos em treinamentos, cursos, estágios (excluído os salários) e gastos voltados especificamente para capacitação relacionada com a atividade desenvolvida por empregados (as).

O balanço também determina que seja informada a existência de creche no local de trabalho ou ainda o pagamento auxílio-creche a empregados (as) e o somatório de investimentos na sociedade que aparecem discriminados.

Finalmente cabe à sociedade reportar as quantias disponibilizadas sob a participação nos lucros ou resultados que não caracterizem complemento de salários e outros benefícios, tais como seguros (parcela paga pela empresa), empréstimos (só o custo), gastos com atividades recreativas, transportes, moradia e outros benefícios oferecidos a empregados (as).

Dentre os indicadores sociais externos merecem destaque o pagamento dos tributos federais, estaduais e municipais excluídos os encargos sociais, realizados no período informado.

Devem ser reportados ainda os investimentos relacionados com a produção/operação da empresa, incluindo os investimentos com o monitoramento da qualidade dos resíduos/efluentes, despoluição, gastos com a introdução de métodos não-poluentes, auditorias ambientais, programas de educação ambiental para os (as) funcionários (as) e outros gastos com o objetivo de incrementar e buscar o melhoramento contínuo da qualidade ambiental na produção/operação da empresa.

Dentre os indicadores ambientais, cite-se ainda, os investimentos em programas/projetos externos de despoluição, conservação de recursos ambientais, campanhas ecológicas e educação sócio-ambiental para a comunidade externa e para a sociedade em geral.

Deve-se reportar também resultado médio percentual alcançado pela empresa no cumprimento de metas ambientais estabelecidas pela própria sociedade, por organizações da sociedade civil e/ou por parâmetros internacionais como o Global Reporting Initiative (GRI).

Quanto ao corpo funcional da sociedade o balanço deve abranger: (i) o número de empregados (as) ao final do período; (ii) n número de admissões durante o período; (iii) o número de empregados (as) terceirizados (as); (iv) o número de estagiários (as); (v) o número de empregados (as) acima de 45 anos; (vi) o número de mulheres que trabalham na empresa; (vii) a porcentagem de cargos de chefia ocupados por mulheres; (viii) n número de negros (as) que trabalham na empresa; (ix) a porcentagem de cargos de chefia ocupados por negros (as); e (x) o número de portadores (as) de deficiência ou necessidades especiais. Com isso, é possível avaliar se a sociedade incentiva e fomenta a diversidade cultural em seus quadros profissionais.

Cabe ressaltar ainda, que o balanço deverá contemplar a relação entre a maior e a menor remuneração na empresa e o número total de acidentes de trabalho.

O balanço busca divulgar também se os projetos sociais e ambientais desenvolvidos pela empresa foram definidos somente pela direção, pela direção e gerências ou com o auxílio de todos (as) empregados (as).

Também relata se os padrões de segurança e salubridade no ambiente de trabalho foram definidos pela direção e gerências, por todos (as) empregados (as) ou por todos (as) mais a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa).

Quanto à liberdade sindical, ao direito de negociação coletiva e à representação interna dos (as) trabalhadores (as), a empresa deve informar o seu grau de envolvimento, ou seja, não há qualquer tipo de envolvimento, se segue as normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ou se incentiva e segue a OIT.

O balanço busca saber também se a previdência privada e a participação nos lucros e resultados contemplam somente a direção, a direção e gerências ou todos (as) empregados (as).

Na seleção dos fornecedores, os mesmos padrões éticos e de responsabilidade social e ambiental adotados pela empresa não são considerados, são sugeridos ou são exigidos.

Quanto à participação de empregados (as) em programas de trabalho voluntário, a empresa não se envolve, somente apóia ou além de organizar ainda incentiva.

O balanço busca ainda fazer uma relação entre o número total de reclamações e críticas de consumidores (as) recebidas na empresa, no Procon e na Justiça com a porcentagem de soluções dadas a essas críticas e reclamações nestes mesmos ambientes.

Finalmente, deve ser informado o valor adicionado total a distribuir e a efetiva distribuição do Valor Adicionado (DVA).

Uma vez preenchido, a empresa pode solicitar ao Ibase a autorização para que seja divulgado o selo do Instituto.

Neste diapasão cabe indagar se a obtenção e sua afixação nos meios de comunicação, pode ser exercida pelos escritórios de advocacia, tendo em vista os preceitos contidos no Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil.

Entendemos que se for discreta e moderada, a divulgação do selo não afronta a ética na publicidade e, portanto, não dá margem a qualquer representação perante o Tribunal de Ética.

Isto porque, conforme já havíamos mencionado o advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia.

Certamente que iniciativas como a que se propõe contribuem para o prestígio da classe e mais ainda da sociedade civil como um todo, pois tais atitudes demonstram que os escritórios de advocacia se preocupam com a sustentabilidade e, por conseqüência, com as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as futuras gerações atenderem às suas próprias necessidades.

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*Advogado do escritório Spadotto Advocacia Empresarial





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