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Alegria e tristeza de um juiz do interior

A idéia de que tudo na vida tem um lado positivo e outro negativo não é nova. Mas, nem por isso perdeu a atualidade e a correção, mesmo que dela pouco nos lembremos.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Atualizado em 18 de junho de 2007 11:17


Alegria e tristeza de um juiz do interior

Mário Márcio de Almeida Sousa*

A idéia de que tudo na vida tem um lado positivo e outro negativo não é nova. Mas, nem por isso perdeu a atualidade e a correção, mesmo que dela pouco nos lembremos.

Creio que o máximo que se pode fazer em relação a ela é tentar tirar das situações vividas o melhor proveito possível. Ou seja, curtir a alegria da realização, da conquista, do simples fato de viver mais um dia. Sem perder de vista que tudo pode mudar - para pior. Ou então conformar-se com a derrota, com os dissabores. E aprender com os erros e buscar dar a volta por cima, de modo a fazer com que cada dia vivido seja um grande dia, ou simplesmente um dia bom. Sempre com a idéia de que tudo pode mudar - para melhor.

Hoje estou vivendo um desses dias em que a máxima aqui lembrada se revela absolutamente incontestável. Já passa das nove da noite e estou sozinho em minha casa do interior, depois de quase dez horas de trabalho no Fórum. A parte boa é que exerço uma profissão maravilhosa, faço o que gosto, posso contribuir na construção de um mundo melhor e ainda dar uma vida confortável a quem mais amo. A parte ruim é que minha família e meus amigos estão longe. A solidão é terrível. Entretanto, as contradições do meu dia não param por aí.

Designei para hoje trinta e uma audiências, quinze de manhã e dezesseis à tarde.

Considerando que as demandas têm crescido mês a mês e, por isso mesmo, é cada vez mais difícil proferir sentenças em número igual ao de processos novos, tenho que reconhecer que fiquei satisfeito com a produtividade (são, em média, cinqüenta processos novos por mês). Afinal, foi possível celebrar vinte e sete acordos (quatro audiências foram adiadas). Essa é a parte boa: vinte e sete sentenças, vinte e sete processos a menos.

Como já era de se esperar, nem tudo foi assim. Os acordos foram celebrados em ações envolvendo pagamento de pensões alimentícias. E, como é possível imaginar, quase todas as partes envolvidas eram pobres, algumas muito pobres. Mas eu tinha que prosseguir. As mães presentes exigiam uma solução e a lei impõe aos pais o dever de contribuir com o sustento dos filhos. Por sorte, todos reconheceram esse dever e se dispuseram a pagar os chamados alimentos. Essa é outra parte boa. Pena que veio acompanhada de uma não apenas ruim, mas muito ruim: como quase todos os pais não têm emprego ou renda fixa, foram feitos acordos de trinta e cinco, quarenta, cinqüenta reais. Poucos superaram esse patamar.

Quem não conhece a realidade do interior do Brasil e do Maranhão pode até dizer que sou um irresponsável, um louco. Antes fosse, principalmente porque, ao que tudo indica, continuarei a homologar acordos dessa monta. Ao que tudo indica, nada mudará, não enquanto quem pode, ou melhor, quem deve, deixar de agir; não enquanto forem dadas bolsas disso, bolsas daquilo; não enquanto o apoio emergencial for tratado como esmola permanente.

Estou cansado e vou dormir. Quer dizer, vou tentar. Os pensamentos de pai, marido, amigo, magistrado e cidadão fervilham em minha cabeça. Amanhã é outro dia. A dicotomia certamente se repetirá. Deus permita, então, que eu seja a parte boa do dia de alguém.

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*Juiz de Direito e Juiz Eleitoral no Maranhão, membro do Instituto dos Advogados do Maranhão - IAM, Sócio-fundador e membro da primeira Diretoria do Instituto Maranhense de Direito Eleitoral - IMADE. Pós-graduado em Direito Constitucional


 

 

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