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Os contratos de utilização do patrimônio genéticos e a repartição de benefícios

Tiago Cardoso Zapater

Qual o potencial econômico contido em cada semente, folha, casca de árvore, pétala, pólen, de cada diferente espécie de planta encontrada na Floresta Amazônica? Quantos princípios ativos de medicamentos e cosméticos ainda não descobertos estão escondidos nessa imensidão? Quantos segredos curativos já não estão presentes nos conhecimentos tradicionais e culturais de comunidades indígenas sobre essas substâncias?

sexta-feira, 2 de abril de 2004

Atualizado em 30 de março de 2004 11:10

 

Os contratos de utilização do patrimônio genéticos e a repartição de benefícios

 

 

Tiago Zapater*

 

Qual o potencial econômico contido em cada semente, folha, casca de árvore, pétala, pólen, de cada diferente espécie de planta encontrada na Floresta Amazônica? Quantos princípios ativos de medicamentos e cosméticos ainda não descobertos estão escondidos nessa imensidão? Quantos segredos curativos já não estão presentes nos conhecimentos tradicionais e culturais de comunidades indígenas sobre essas substâncias?

 

Não é exagero dizer que quase todos os princípios ativos dos medicamentos e cosméticos hoje conhecidos advêm de substâncias naturais, encontradas nos vegetais em geral, ou extraídas de acordo com processo conhecido por comunidades nativas locais.

 

Assim, quanto maior a diversidade de espécies biológicas, maior o potencial para descoberta de substâncias e procedimentos com alto valor tanto econômico, quanto para o desenvolvimento tecnológico. A esse potencial denominamos patrimônio, ou recursos, genéticos.

 

O Brasil, muito embora tenha um dos maiores tesouros em biodiversidade, apenas em 1992, com a Convenção de Diversidade Biológica, veio a proclamar sua soberania sobre a titularidade desse patrimônio e, apenas a partir de 2001, via Medida Provisória, regulamentou a matéria e criou órgão competente para deliberar e regulamentar o assunto, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético - CGEN.

 

A regulamentação hoje existente prevê a possibilidade da formação de uma parceria entre os setores público e privado na exploração desses recursos genéticos, possibilitando ao investidor privado, através de um contrato intitulado Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e Repartição de Benefícios, prospectar o uso comercial de uma determinada substância, desde que garanta à União participação justa e eqüitativa nos benefícios, bem como acesso aos resultados científicos.

 

Apenas para delimitarmos a questão, é necessário apontar que o conceito legal de patrimônio genético não engloba a manipulações de material genético humano ou animal, nem mesmo a engenharia e modificação genética de alimentos, cujo tratamento legal é diverso, focado muito mais na biossegurança do que na bioprospecção.

 

Vale dizer, quando o assunto é genoma humano ou alimentos transgênicos, a preocupação legal tem como foco a proteção do ser humano e do meio ambiente, enquanto que, quando o assunto é biodiversidade, o foco é o manejo sustentável, ou seja, proteção e aproveitamento econômico, o que é plenamente razoável, dados os riscos de um e de outro.

 

Nesse contexto, interessante ressaltar que, muito embora essa parceria entre setor público e privado, através do que a lei denomina de Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e Repartição de Benefícios, que deve obrigatoriamente ser registrado no CGEN, esteja prevista desde 2001, ainda não se tem notícia do registro de nenhum desses contratos.

 

De se ressaltar que a lei estabelece que a prospecção comercial desse patrimônio de forma irregular, além de sujeitar o infrator a multa de até 50 milhões de reais, implica o não reconhecimento da titularidade de direitos intelectuais, como patentes, e pode também sujeitá-lo ao pagamento de indenização correspondente a um mínimo de 20% do lucro bruto obtido com a comercialização do produto desenvolvido.

 

Isso não significa que as empresas do setor estejam atuando na irregularidade, pelo contrário, costumam ser conhecidas pela sua seriedade e imagem de cumprimento da lei, mas sim que a indefinição legal de alguns aspectos desses contratos têm sido obstáculo para que se efetive essa parceria.

 

A lei prevê que os Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e Repartição de Benefícios deve atender a inúmeras exigências, detalhes, formalidades, todas necessárias a garantir a prospecção segura e legal desse patrimônio, bem como a repartição justa e eqüitativa dos benefícios por ele proporcionados.

 

Essa repartição eqüitativa e justa é que tem, muitas vezes, sido o "Nó Górdio" da questão. A dicção legal é exatamente a ora utilizada, dispondo a lei que é cláusula essencial do Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios, a que disponha sobre: "forma de repartição justa e eqüitativa de benefícios e, quando for o caso, acesso à tecnologia e transferência de tecnologia;"

 

As resoluções e regulamentações do CGEN não esclarecem também o que é uma forma de repartição justa e eqüitativa de benefícios. Segundo a lei, essa repartição dos benefícios pode se dar de diversas formas: divisão de lucros; pagamento de royalties; acesso e transferência de tecnologias; licenciamento, livre de ônus, de produtos e processos; e capacitação de recursos humanos.

 

Quais serão suficientes ou necessários, bem como as porcentagens para divisão de lucros ou royalties, dependerão da análise do CGEN de cada caso concreto. A anuência a esse contrato tem a natureza de autorização, e não de licença, de modo que é decisão discricionária do CGEN quais propostas de repartição dos benefícios serão justas e eqüitativas.

 

Desse modo, para obtenção do registro e anuência a esses contratos a negociação com o CGEN deverá primar pela total transparência e clareza dos objetivos da parceria pretendida, demonstrando-se de modo incontestável a justiça e eqüidade da repartição de benefícios proposta. Deve-se buscar oferecer a repartição que esteja mais de acordo com os benefícios almejados, e a forma do uso comercial prevista.

 

Por outro lado, de se observar que, quando se fala em eqüidade, deve-se ter em vista um equilíbrio entre todos os contratantes, não havendo de se exigir do investidor privado que propicie à União uma repartição de lucros que venha a tornar inviável seu negócio.

 

Para o setor público, parece-nos atender muito mais ao interesse coletivo, do que mera arrecadação pecuniária, a repartição do desenvolvimento tecnológico propiciado pela bioprospecção comercial. Nesse sentido, a previsão de transferência de tecnologia, capacitação de recursos humanos, licenciamento de patentes, deve ser prestigiada pelo Poder Público enquanto forma justa e eqüitativa de repartição de benefícios, no lugar, por exemplo, do pagamento de royalties que torne a bioprospecção desinteressante do ponto de vista financeiro do investidor.

 

A verdade é que todas as partes, setor privado e setor público, têm grande interesse no estabelecimento de parcerias através dos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e Repartição de Benefícios.

 

Parece-nos ser o momento de intensificar as conversas e negociações entre os setores, para se privilegiar os pontos de convergência desse interesse, a fim de que as indefinições legais sirvam para criar espaços a serem proveitosamente preenchidos, e não entraves intransponíveis para os investidores.

 

 

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*Advogado do escritório Azevedo Sette Advogados

 

 

 

 

 

 

 

 

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