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O pagamento de indenização por suicídio do segurado

André Osório Gondinho

O antigo Código Civil de 1916, no parágrafo único de seu artigo 1440, excluía expressamente do seguro de vida o risco decorrente da morte voluntária do segurado, aí incluídos, como hipóteses típicas, o duelo e o suicídio premeditado. Todavia, mesmo àquela época, a doutrina jurídica pátria, no esteio dos mais abalizados pronunciamentos estrangeiros, admitia o denominado "suicídio involuntário", assim entendido aquele em que o pagamento de indenização securitária ao beneficiário do seguro de vida não é o motivo determinante da mortífera atitude final do segurado.

quinta-feira, 8 de abril de 2004

Atualizado às 07:13

O pagamento de indenização por suicídio do segurado

 

André Osório Gondinho*

 

O antigo Código Civil de 1916, no parágrafo único de seu artigo 1440, excluía expressamente do seguro de vida o risco decorrente da morte voluntária do segurado, aí incluídos, como hipóteses típicas, o duelo e o suicídio premeditado. Todavia, mesmo àquela época, a doutrina jurídica pátria, no esteio dos mais abalizados pronunciamentos estrangeiros, admitia o denominado "suicídio involuntário", assim entendido aquele em que o pagamento de indenização securitária ao beneficiário do seguro de vida não é o motivo determinante da mortífera atitude final do segurado.

 

Nesse passo, admitia-se a indenização toda vez que não houvesse suicídio voluntário, mas sim ato inconsciente gerado por algum tipo de depressão ou desgosto extremo pela vida, situação na qual a existência de uma apólice de seguro de vida e o conseqüente pagamento de indenização ao beneficiário não exerciam influência determinante sobre a vontade do segurado.

 

O Supremo Tribunal Federal, já há muito tempo, acolheu esse entendimento através da edição da Súmula de número 105, assim redigida: "Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro." Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, tribunal nacional competente para a unificação da interpretação e aplicação do Direito infraconstitucional após a Constituição de 1988, entendeu por editar a Súmula n.º 61, que dispõe de igual modo: "O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado."

 

A dificuldade decorrente desse entendimento, pelo menos prática, era precisar, com razoável grau de certeza, a razão determinante do suicídio para, então, se concluir pela existência ou não de cobertura.

 

Não foi por outro motivo que se imaginou, no passado, a instituição de cláusula de carência nas apólices de seguro de vida, sendo que, após o seu decurso, a morte oriunda de qualquer forma de suicídio teria cobertura no seguro de vida. Essa cláusula, apelidada de "cláusula de incontestabilidade diferida" - pois após o prazo carencial de diferimento não havia possibilidade de a seguradora opor defesa quanto à natureza do suicídio -, exibia uma dupla ordem de ilegalidades, consistentes no não pagamento do suicídio involuntário durante o prazo de carência e no pagamento do suicídio voluntário após o período de carência, em flagrante afronta ao que determinava o já citado artigo 1440 do Código Civil de 1916.

 

Todavia, em que pese as críticas doutrinárias conhecidas à cláusula de incontestabilidade diferida, o Código Civil de 2002, para muitos especialistas, teria acabado por acolher-lhe o espírito através da novel disposição normativa constante de seu artigo 798, que estabelece um período de carência de dois anos, após o qual o suicídio seria coberto, qualquer que fosse sua forma. O parágrafo único do indigitado artigo determinou também a nulidade das cláusulas que excluíssem o pagamento do capital por suicídio do segurado, após esse prazo.

 

Comentando a evolução trazida pelo indigitado artigo, a maioria dos doutrinadores tem sustentado que a nova norma civil impõe a exclusão da indenização tão somente no período carencial de dois anos, sem distinguir acerca da causa do suicídio, motivo pelo qual ambas as hipóteses de suicídio (voluntário e involuntário) passariam a ser cobertas pelo seguro de vida. Em outras palavras, embora seja certo afirmar que a pretensão do legislador foi a de desestimular o suicídio para o recebimento do seguro, o que fez através da fixação do prazo de carência antes mencionado, a sustentação hoje generalizada nos meios securitários é no sentido de que "o artigo 798, da nova lei, elidiu qualquer problema em relação ao suicídio ao positivar a carência bienal, após a qual, qualquer que seja a forma do suicídio, o beneficiário terá direito ao capital segurado" (cfr. nesse sentido o Parecer Normativo SUSEP n.º 05, de 11 de março de 2003).

 

Não nos parece essa a melhor solução para a matéria. Admitir o pagamento de cobertura pelo suicídio voluntário configura, em nosso entendimento, afronta não somente ao artigo 762 do Código Civil de 2002, que determina a nulidade do seguro que vise garantir atos dolosos do segurado, como também ao princípio da boa-fé objetiva tão prestigiado pelo Código Civil de 2002 e que encontra previsão normativa específica para o contrato de seguro na normativa do artigo 765 desse mesmo Código.

 

Por essa razão, nos parece justo sustentar que o artigo 798 do Código Civil de 2002 estabelece, na verdade, duas presunções jurídicas, a saber: a) uma presunção de caráter absoluto, consistente no prazo carencial de dois anos, onde não haveria cobertura em vista da suposição (com eficácia jurídica plena) de que o suicídio nesse prazo seria voluntário; e b) uma presunção de caráter relativo, no que diz respeito ao suicídio após o prazo carencial, consistente na suposição de que o suicídio depois de dois anos seria involuntário. Como conseqüência jurídica própria de uma presunção relativa, haveria a inversão do ônus da prova em favor do beneficiário do segurado, cabendo a esse apenas provar o óbito por suicídio e a seguradora, se for o caso, demonstrar cabalmente o dolo do segurado e a corresponde voluntariedade.

 

Assim sendo, a nova disposição normativa constante do artigo 798 do Código Civil de 2002 teria por mérito encerrar com a primeira das ilegalidades supra apontadas no que tange à cláusula de incontestabilidade diferida, pois não há, em nosso entendimento, nenhuma razão de ordem maior que impeça o legislador de estabelecer tal prazo de carência e, ainda, definir com precisão a quem cabe a prova da eventual voluntariedade no ato de suicídio do segurado.

 

Essa nos parece a melhor solução para a questão do pagamento do seguro por suicídio do segurado, pois atende às exigências supralegais da ética e da boa-fé, além de permitir uma interpretação sistemática do artigo 798 com as demais normas civis do Capítulo XV do Código Civil de 2002, notadamente os artigos 762 e 765 do mesmo diploma legal.

 

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*Advogado do escritório Siqueira Castro Advogados

 

 

 

 

 

 

 

 

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