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Dano moral e contemporaneidade

Muito vem se falando, sobretudo negativamente, da tendência crescente de reparações consideráveis de danos morais. Incomoda a muitos juristas e profissionais do Direito a desproporção entre o dano moral (que por definição é insubmisso aos parâmetros financeiros) e as respectivas indenizações

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Atualizado em 19 de setembro de 2007 08:34


Dano moral e contemporaneidade

Luiz Otavio Amaral*

Muito vem se falando, sobretudo negativamente, da tendência crescente de reparações consideráveis de danos morais. Incomoda a muitos juristas e profissionais do Direito a desproporção entre o dano moral (que por definição é insubmisso aos parâmetros financeiros) e as respectivas indenizações. O paralelo entre dano patrimonial e dano moral força o paralelismo, desavisado, entre as respectivas indenizações. Este ensaio visa provocar ações e reações que possam melhor aclarar o fenômeno jurídico da reparação do dano moral, sem preconceitos e mau uso das fórmulas jurídicas envolvidas. Aqui, uma vez mais, faz-se mister que fujamos daquela razão preguiçosa, a que se referia Kant. A contemporaneidade dos fatos sociais e do Direito, sobretudo a jurisprudência e a doutrina, são o foco e o propósito deste estudo.

Ihering, já no início do século XX, sentindo a insuficiência da Ciência do Direito da época, afastada dos elementos sociais e dos problemas dos tempos modernos, proclamava: "A vida não é o conceito os conceitos é que existem por causa da vida" e arrematava frisando "a função social do direito privado" (in Jurisprudência dos Conceitos). Também Gaston Morin, examinando a desagregação da teoria contratual do Código Napoleônico, advertia, isto em 1937, a eminente revolta do Direito e dos fatos contra os Códigos. Já em 1889 (há mais de 100 anos) o grande Saleiles já pregava o abrandamento do "princípio superior de respeito absoluto da liberdade das convenções", do mesmo teor são as lições de Gaston Morim ("La Révolte du Droit contre le code", com o sugestivo, in casu, subtítulo de: "La révision nécessaire dês concepts juridiques, isso em 1945"), de Ripert (em 1947), de Betti (em 1953), de Savatier (em 1967), de Battifol (em 1968). É que o Direito se não pode estar à frente dos fatos sociais também não deve estar tão atrasado aos dias coevos. Com efeitos, os contratos, a isonomia jurídica, a culpa (em todos os campos), a utilidade social da pena, a imputação penal, declaração de inconstitucionalidade sem mutilação do texto, enfim são muitas as marcas dessa busca de contemporaneidade possível do Direito em geral. Até porque o Direito é um continente lógico-formal constituído por conceitos e princípios, que nada mais são senão "fórmulas de procura" em busca do ajuste ideal entre as estruturas abstratas do Direito e a vida concreta.

O dano moral é das mais polêmicas dessas fórmulas de procura.

A questão do dano moral, de longa data, vem preocupando os juristas na busca de solução ideal em cada época, tanto que já constante das primitivas legislações codificadas, como o Código de Manu (o Rei podia impor multas aos juizes por erro de julgamento), o de Hamurabi (previa o "olho por olho, dente por dente") e os códigos da Grécia antiga (o marido cuja mulher fosse seduzida podia cobrar indenização do sedutor). Nas últimas três décadas a questão do dano moral alcançou notável incremento entre nós, servindo como verdadeiro leading case o da senhora que perdeu parte das nádegas quando projetada pelo pára-brisa do automóvel em que viajava, em acidente de trânsito. Infere-se da pesquisa sobre o tema que o Direito sempre tratou da reparabilidade dos danos morais, mais especialmente depois que tomou forma de Código, mesmo quando disposta de forma indireta, resultando no que não poderia ser diferente entre nós, ou seja, a positivação e previsão legal da reparação em estudo, ainda que de modo tardio. Já no conserto internacional, a Declaração Universal dos Direitos dos Homens de 10.12.48 (
clique aqui), proclamada pela Organização das Nações Unidas, estabeleceu que a honra seria tutelada, como se vê:

"Artigo n°. 12 - Ninguém será objeto de intromissões arbitrárias em sua vida particular, em sua família, em seu domicílio, ou em sua correspondência, nem padecerá, seja quem for, atentados à sua honra e à sua reputação".

No Brasil, principalmente antes da Constituição Federal de 1988 (clique aqui), muitos doutrinadores não admitiam a reparação por danos morais sob vários argumentos, como o de ser impossível a reparação com dinheiro de um bem moral atingido, a incompatibilidade da reparação de acordo com a natureza do dano, como afirma Silvio Rodrigues1: "Muitas objeções levantadas contra a reparação do dano moral, a partir daquela que reputa imoral, se não escandalosa, discute-se em juízo os sentimentos mais íntimos, bem como a dor experimentada por uma pessoa e derivada de ato ilícito praticado por outra". Assim, inúmeros obstáculos são interpostos à afirmação do instituto como sólido perante o mundo jurídico nacional. Assim, desde a sua expressa previsão no texto constitucional (art.5º, V e X), não mais se discute a possibilidade de composição do dano simplesmente moral, que abrange, na abalizada lição de Caio Mário da Silva Pereira2 "todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor-próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições etc".

Já o novo Código Civil (clique aqui) em termos de responsabilidade civil, trouxe uma modificação substancial no que diz respeito ao fundamento moral da responsabilidade. "No Código atual, o foco está centrado no autor da lesão, enquanto novo Código redireciona o foco para o lesado. Além disso, as indenizações passam a se submeter ao limite da dignidade da pessoa humana, aplicando-se esse princípio até mesmo ao autor da lesão".

Primeiramente, é bom esclarecermos o que é Dano. Partindo do próprio artigo n°. 159 do Código Civil, dano é a lesão, a perda causada a outrem. Essa mesma perda causada a outrem pode ser material, patrimonial ou moral extra patrimonial, ou seja, os objetos materiais, assim como os objetos imateriais, são merecedores da tutela jurídica. Essa distinção entre dano material e moral, de acordo com Caio Mário da Silva Pereira, não decorre da natureza do direito, mas do efeito da lesão, do caráter da sua repercussão sobre o lesado.

Dano material é a perda causada ao patrimônio (complexo de bens materiais), enquanto Dano moral é, segundo Savatier, "qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária". Em casos dessa natureza, feridos são os interesses puramente morais, de mera afeição subjetiva e não econômica, já que o Dano moral está inserto nos atentados sofridos pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito ao seu patrimônio ideal, que é o conjunto de tudo aquilo ao qual não é inerente, em sua natureza, a valoração econômica, em oposição ao patrimônio material. É o que acontece quando são atentados o bom nome, a vida privada, a honra, a intimidade de alguém, ou quaisquer outras situações individuais, pessoais da vida do homem. Segundo Minozzi, famoso doutrinador italiano, "a pessoa tanto pode ser lesada no que ela é, quanto no que ela tem".

Quanto à classificação o dano moral pode ser direto ou indireto, ou danos morais puros ou reflexos, os primeiros ocorrem quando a lesão é dirigida a um bem jurídico extrapatrimonial, como os direitos à integridade física, corporal, moral, dentre outros, enquanto que o dano moral indireto ou reflexo incide sobre um bem jurídico patrimonial, mas com repercussão na esfera extrapatrimonial, como no exemplo do pedido indevido de falência de comerciante solvente. O conteúdo ou a matéria da qual trata esse dano foi bem descrita por Minozzi, quando disse que ele "não é dinheiro, nem coisa comercialmente reduzida ao dinheiro, mas a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a injúria física ou moral, em geral uma dolorosa sensação experimentada pela pessoa, atribuído à palavra dor o mais largo significado".

Muitas têm sido as objeções contra a reparação do dano moral quanto à possibilidade de se ressarcir o menoscabo de interesses extrapatrimoniais. Dentre os quais se vale ressaltar a dificuldade de descobrir-se a existência do dano; a incerteza nos danos morais de um verdadeiro direito violado e de um dano real; a impossibilidade de uma avaliação pecuniária rigorosamente precisa do dano moral (RT, 564: 265); a indeterminação do número de pessoas lesadas, pois a vítima direta não seria a única atingida, mas também parentes, amigos, etc; a imoralidade da compensação da dor lato sensu com dinheiro; o perigo de inevitabilidade da interferência do arbítrio judicial conferido ao magistrado poder ilimitado na apreciação dos danos morais, ao avaliar o montante compensador do prejuízo; o enriquecimento sem causa já que o credor teria, com a reparação do dano, um considerável aumento patrimonial, sem ter tido antes nenhum desembolso; e até mesmo a impossibilidade jurídica de se admitir a reparação pecuniária do dano moral (CC art.1553; RTJ, 69:276, 67:277): "arbitramento é o exame pericial tendo em vista determinar o valor do bem, ou da obrigação a ele ligada (...). Na avaliação do dano moral, o órgão judicante deverá estabelecer uma reparação eqüitativa baseada na culpa do agente, na extensão do prejuízo causado e na capacidade econômica do responsável".

Qual, enfim, a natureza e o fundamento filosófico-jurídico do dever de reparar, de ressarcir, de indenizar? Esse objeto o sujeito cognoscente só há de encontrá-lo no plano dos valores, ou seja, na Axiologia Jurídica. É que, sendo o valor supremo a Justiça - porque ela é a forma mais perfeita e elevada de excelência moral, segundo Aristóteles3 - fundada, desde os romanos, no tríplice princípio do 'honeste vivere, neminem laedere e suum cuique tribuere'4, valores esses válidos tanto no mundo subjetivo, quanto no objetivo do Direito, enquanto ordem social. Assim, qualquer lesão ou perda (neminem laedere = ninguém deve lesar), oriunda de fato ilícito, gera o dever de reparar, porque isso é ético e justo, logo jurídico. Ora, esse dever funda-se na sanção do ato ilícito, ou seja, na repressão da ilicitude que é violação da ordem jurídica. Essa repressão/sanção traz incito a marca da penalidade, quer na vertente da reparação (= re + estabelecer a situação anterior à violação) em que a pena além de punir também devolve o lesado ao status quo ante; quer na direção da punição/pena (civil) em que o causador do dano é punido, também, por violar preceito ético-jurídico. Com efeito, não se trata de duas sanções, senão uma só, mas com duas forças ético-jurídicas que compõem esse eixo sancionatório. Eis a estrutura, já clássica (e hoje sendo estilizada), do dever de responder (responsabilidade jurídico-social) pelo ato ilícito perante o indivíduo lesado (caráter satisfativo) e diante da sociedade circundante (caráter aflitivo).

O Quantum indenizatório

Mas o debate acerca dos danos morais indenizáveis é acirrado em torno da problemática da mensuração ou quantificação das indenizações. Trata-se de um ponto bastante polêmico e controverso, pois não há nenhum critério uniforme determinado e estabelecido do qual o magistrado possa se valer na hora de materializar a sentença indenizatória. O que se pode afirmar, nesse passo, é que a partir da observância de recentes julgados a tendência tem sido o arbitramento de indenizações cada vez maiores, a exemplo da jurisprudência norte-americana. Vimos noticiada, no começo do mês de junho de 2001, uma indenização estabelecida por um juiz estadunidense de cerca de três bilhões de dólares a favor de um ex-fumante, agora muito debilitado fisicamente por conta de um câncer em estágio avançado, contra uma empresa multinacional líder do mercado de tabaco. Ou seja, cada vez dá-se maior importância ao dano moral e ao prejuízo (material e imaterial) que causa nas vítimas. A fixação do quantum indenizatório em sede de dano moral, encontra obstáculo na dificuldade de arbitramento de sua valoração pecuniária, eis que naturalmente difícil. Todavia, a doutrina orienta-se por alguns princípios que regem a matéria, observando de início que a reparação por dano moral deve abranger uma compensação para o ofendido ou lesionado e constituir em pena ao ofensor ou lesionante para coibir a prática reiterada do ato lesivo.

O caráter eminentemente de ressarcimento da responsabilidade civil, visando ao restabelecimento do status quo ante pela recomposição do patrimônio lesado, o que não se afigura difícil nos danos materiais, pelo simples fato da fácil constatação do prejuízo sofrido. Porém, a matéria ganha conteúdo controvertido quando se trata de danos morais, nos quais, não se pode deixar de reconhecer, que não se visa à indenização a recompor sentimentos, insuscetíveis, por sua natureza, deste resultado por seu próprio efeito. A reparação, aqui, tem como objetivo proporcionar ao lesado alguns meios para aliviar sua angústia e sentimentos feridos, servindo também de pena ao infrator, ou seja, levam-se em conta, em seu arbitramento, as condições sociais e econômicas do ofendido e do causador do dano, o grau de sua culpa ou a intensidade do elemento volitivo, assim como a reincidência. A tese da equivalência entre a indenização e dano jamais foi plenamente adequada na reparação do dano material, contudo no que se refere ao dano moral essa tese é absurda, já porque a dor, a perda imaterial (sentimental) jamais pode ter justa equivalência (daí a primitiva negação dessa reparação). Com efeito, no campo da reparação do dano moral aquela equiparação (dinheiro x dano moral) é hoje tese já recolhida ao museu das idéias (nem sempre boas ou justas) jurídicas.

Na reparação do dano moral o dinheiro não assume função de equivalência, de correspectivo valor, como sói ocorrer no dano material/patrimonial, antes ao contrário, o dinheiro, aqui, desempenha papel de satisfação tanto quanto possível, mas principalmente de pena (contra-incentivo ao ilícito). A rigor, indenizar, ou seja, tornar indene, isento da lesão e conseqüências do dano moral (extrapatrimonial) é impossível, assim só resta mesmo a compensação material (satisfação/restituição possível) e pena pecuniária (caracter aflitivo).

Com efeito, há uma tão grande quanto duvidosa preocupação no sentido do magistrado buscar evitar o enriquecimento ilícito (?!) e a banalização do instituto jurídico como tem acontecido na prática em nosso país. O juiz ao analisar e quantificar o arbitramento da indenização deverá observar: a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e a posição social e política deste, e também a intensidade do dolo ou grau da culpa do responsável e sua situação econômica, nunca proporcionando um enriquecimento sem causa da vítima.

Que ilicitude pode haver num enriquecimento causado a partir de indenização por ato ilícito (logo não é sem causa) de agente que possa suficientemente arcar com essa considerável indenização (jamais proporcional/equivalência ao dano moral enquanto indenização satisfatória e menos mais enquanto indenização-sanção)? Que ilícito, que mal pode haver quando um infrator-lesante (agente do ato ilícito a ser reparado), um hiper-suficiente-lesador cuja disparidade econômico-social o extrema do hipossuficiente-lesado, termina por melhorar a vida do pobre do lesado? Único pecado - social, ético e jurídico - que aí se pode vislumbrar é o do odioso preconceito social dos que sustentam a injuridicidade desse enriquecimento, até porque a base da pirâmide jamais deve ascender. Pecado esse traduzido na forte crença exegética (embora convenientemente disfarçada de "boa doutrina") de que há ilicitude, de que há falta de causa (menos ainda justa) nesse enriquecimento, de que a condição econômica do lesado é decisiva para impedir a rica indenização para o pobre indenizando.

A propósito, é muito sintomático dessa cegueira exegética o Acórdão do Eg. TAlç-MG (3ª Câmara, 6.8.91, RT 690/1495) que, em apertada síntese, decidiu à guisa da plena compensação: "tanto mais posse tenha o ofendido, maior deve ser a indenização que lhe cabe pelo dano moral..." Quanto mais rico maior a indenização, consequentemente quanto mais pobre menor a reparação do dano moral. É a dor submetida ao crivo da ideologia econômico-social mais abjeta. Mais consentânea com a realidade social e com a "justiça justa" é o Acórdão do TJ/RS, sempre muito socialmente justo: "O critério de fixação do valor indenizatório do dano moral levará em conta tanto a qualidade do atingido como a capacidade financeira do ofensor, de molde a inibi-lo a futuras reincidências, ensejando-lhe expressivo, mas suportável gravame patrimonial" (3º Grupo de Câmara, 10.9.95, RJTJRS 176/250, cf in Cahali, "Dano Moral", 34p).

Vale dizer, em síntese, que a fixação do quantum indenizatório na reparação por danos morais é efetuada por arbitramento, embora não haja um consenso quanto a essa questão na doutrina brasileira. Contudo, afirma Cahali que a fixação se faz mediante a observância do artigo n°. 1.553 do Código Civil, mas levando-se em consideração os princípios de razoabilidade e da severidade, objetivando o atendimento da compensação e do desestímulo à reincidência, provavelmente esse arbitramento não fugirá da chamada justa indenização. A boa doutrina vem de sustentar que a ressarcibilidade do dano moral deve propiciar meios sucedâneos ou derivativos que visem amenizar o sofrimento da vítima, como passeios, divertimentos, ocupações e outros do mesmo gênero, ou seja, a melhoria na qualidade de vida da vítima proporcionada pela indenização do dano moral não representa qualquer ilicitude, ou qualquer falta de justa causa, senão contraprestação compensatória e punitiva em face do ato ilícito do dano moral. O contrário disso seria converter a vitima do dano em vitima, também, da miopia judicial.

Esse posicionamento, com efeito, permite que os tradicionais infratores do direito à honra, à boa reputação, à tranqüilidade, ao sossego, à dignidade enfim, continuem na sua sanha de desrespeito a princípio que hoje está esculpido no capítulo da Constituição Federal, atinente aos direitos e garantias individuais:

"V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem".

Assim, se antes a questão do dano moral ficava circunscrita à legislação esparsa (além do Código Civil), hoje foi erigida à condição de verdadeira garantia constitucional.

Em suma, pode-se dividir os critérios para fixação da indenização por danos morais em positivos e negativos. Nos primeiros, doutrina-se que deve ser observado: a condição econômica, pessoal e social do ofendido, a condição econômica do ofensor; grau de culpa, gravidade e intensidade do dano, hipótese de reincidência, compensação pela dor sofrida pelo ofendido e desestímulo da prática delituosa. Já nos critérios ditos negativos, os pontos a serem considerados (negados/evitados) são: o enriquecimento do ofendido e viabilidade econômica do ofensor. Entre nós, em boa parte das decisões judiciais, a parcimônia na fixação das indenizações têm mais garantido êxito econômico ao lesante que compensação a vitima do dano moral, daí o incentivo à prática do ilícito economicamente vantajoso. O certo é que os tribunais, hoje, vêm fazendo tábula rasa dessas ponderações mais contemporâneas em torno da reparação do dano moral e arbitrando por baixo as indenizações que raras vezes alcançam o patamar de 100 (cem) salários mínimos, como se as dores e as perdas morais fossem necessariamente mínimas como o mínimo salário dos brasileiros. O patrimônio particular e individual do lesante, assim, tem sido mais protegido que o patrimônio público nos casos de desfalque e desvios (quantos devolvem aos cofres públicos o que deles tiraram??).

O nosso sistema atual (aliás, a cultura judicial atual) de responsabilidade civil (reparação de danos em geral) ainda toleras a economicidade do dano, impera ainda o despistado binômio do custo-vantagem. Indenização de baixo custo para as posses do agente causador do ilícito (do dano), logo vantajosa reparação muito mais para o violador da norma da integridade moral. É que a reparação tarifada, pré-limitada (ié, 100, 400 salários mínimos) pode não refletir a boa lição de justiça tendente a prevenir (e não estimular), pelo valor da indenização, o dano. O critério de ouro neste tema não deve ser a situação econômica do indenizado (ié, da vítima do dano), mas sem dúvida, a situação econômica do indenizador (ié, causador do dano). Em suma, se aquele fica rico com a indenização, isso não é necessariamente mal se esse (o indenizador) pode razoavelmente assumir o valor da indenização. Quanto maior a indenização maior o cuidado para prevenir a reincidência/reiteração do dano, isso tanto mais é verdadeiro, quanto maior o fosso entre hiper e hipossuficiente. Temos ainda que desenvolver essa cultura de justiça econômica e prevenção geral de abusos/danos (inclusive morais) e injustiças (sociais, difusos e individuais). Há casos de danos reiterados, hábitos danosos, sobretudo, de certas empresas (às vezes até megaempresa) que só perduram em função da reparação proporcional e economicamente estimulante.

A quantia, enfim, a ser arbitrada na condenação, a seu turno, deverá ser de tal monta a promover não apenas uma justa compensação, mas alcançando igualmente o outro escopo da indenização do dano moral, correspondente ao desestímulo à prática de novos ilícitos, conforme reconhece a jurisprudência, espelhada no seguinte trecho de ementa de Acórdão proferido pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça:

"indenização por dano moral objetiva compensar a dor moral sofrida pela vítima, punir o ofensor e desestimular este e outros membros da sociedade a cometerem atos dessa natureza". (REsp168. 945-SP, rel. Min. Pádua Ribeiro, DJU 6.09.2001, grifamos).

Desde a velha Roma existe o princípio jurídico de que "ubi emolumento, ibi onus" (onde existe a vantagem, existe o ônus correspondente). Assim, por exemplo, e em princípio, nada de tão absurdo as condenações judiciais (ainda raras entre nós) de grandes empresas e ricos fornecedores a pagarem consideráveis indenizações por danos que sua atividade empresarial gera aos consumidores. Quem lucra com o risco deve arcar com os encargos da reparação plena dos danos que isso engendra.

Há, por fim, as questões paralelas quanto à reparação do dano estético cumulativamente com o dano moral e o material, o que também vem obtendo posicionamento favorável da jurisprudência pátria a exemplo deste Acórdão da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo na Apelação nº. 112.954-6, citado na obra de José Raffaelli Santini:

"O dano moral é indenizável e não foi compreendido no dano material, tendo em vista que não se trata só de dano estético que poderia ser recomposto com a plástica reparadora, mas de dano a comprometer definitivamente a função sexual do apelado, em idade de aptidão aos 46 anos. Num país como o nosso, em que a sociedade mantém um preconceito em relação ao sexo, essa perda da função sexual traz seqüelas realmente graves, comportando a indenização por dano moral, que foi pedida, para compensar a deformidade".

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1RODRIGUES, Sílvio. "Responsabilidade Civil", São Paulo, Ed. Saraiva, 1993, p.208.

2"Responsabilidade Civil", 5ª ed. RJ, Forense, 1994, p.54

3Cf. Ética a Nicômacos, 4ª ed, 2001, Ed.UnB, (trad. Mário da Gama Cury), 93p

4Viver honestamente, não lesar ninguém e dar a cada um o que é devido.

5Cf. CAHALI, Yussef Said. "Dano Moral", 2ª ed., (3ªtir.), Rev. dos Tribunais, SP, 1999, 263p.

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*Advogado e professor





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