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Sexo, Poder, Dinheiro e Rolex: Renan, Mônica, Mendes Júnior e Luciano Huck

Sexo, poder e dinheiro, como objetos (inconscientes ou conscientes) do desejo, marcam o affaire Renan Calheiros-Mônica Veloso. Exibicionismo e violência estão presentes o protesto do Luciano Huck (Folha de S. Paulo de 1.10.07, p. A3), que foi vítima de roubo de um Rolex.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Atualizado em 23 de novembro de 2007 08:27


Sexo, Poder, Dinheiro e Rolex: Renan, Mônica, Mendes Júnior e Luciano Huck

Luiz Flávio Gomes*

Sexo, poder e dinheiro, como objetos (inconscientes ou conscientes) do desejo, marcam o affaire Renan Calheiros-Mônica Veloso. Exibicionismo e violência estão presentes o protesto do Luciano Huck (Folha de S. Paulo de 1.10.07, p. A3), que foi vítima de roubo de um Rolex.

O objeto do desejo, psicanaliticamente, é revelado pelo exibicionismo ou pelo voyeurismo. O par complementar do exibicionismo é o voyeurismo. As fotos da Mônica despida geraram enorme excitação. Renato Mezan explica: "ao nos entregarmos ao deleite de a olhar, colocamo-nos na mesma posição daqueles com quem ela teve relações [ou seja: olhar para Mônica é ver o Renan]. Ora, Mônica Veloso certamente teve outros namorados, mas é com o enlameado senador Calheiros que se identifica quem compra a "Playboy" ou acessa o site da revista" (Folha de S. Paulo de 14.10.07, Mais, p. 4).

E que benefício nos traz essa identificação com Sua Excelência [o senador Calheiros]? A resposta não é difícil (pondera Renato Mezan): "todos gostaríamos de poder exibir impunemente aquela postura arrogante, de poder pisotear impunemente as regras do convívio civilizado e de impor nossa vontade aos outros com a mesma truculência que o representante de Alagoas. Ao comer com os olhos a mulher que foi dele, usufruímos por um instante dos prazeres que ele desfrutou". O articulista conclui: "no nosso inconsciente não nos basta ser amigos do rei: somos o próprio rei, o herói, o caubói".

Mas o brasileiro concorda que alguém eleito para cargo público possa usá-lo como se fosse propriedade particular, em benefício próprio [inclusive da própria libido]? 10% estão de acordo com isso (Alberto Carlos Almeida, A cabeça do brasileiro, São Paulo: Record, 2007, p. 20 e 30).

Aliás, foi por meio da corrupção que a trilogia sexo, poder e dinheiro protagonizaram um dos mais bem engendrados triângulos amorosos do país: o senador satisfez seu objeto do desejo (sexo), a empreiteira Mendes Júnior também alcançou o seu (dinheiro) e a Mônica continua lutando para conquistar exatamente o que Renan, a Mendes Júnior e o inconsciente coletivo podiam lhe dar: sexo, dinheiro e poder (um lugar ao sol no mundo das celebridades, como escreveu Eliane Robert Morais, na Folha de S. Paulo de 14.10.07, Mais, p. 5).

E o que tem a ver Luciano Huck com tudo isso? O poderoso também usa determinados objetos (o Rolex é um exemplo) para sugerir que pertence ao conjunto seleto dos que "podem" e "andam". O objeto do desejo (roupas, canetas, carros, relógios etc.), "além de servir a fantasias de exibição fálica (...) se tornou ícone identificatório, indicando que seu portador faz parte de um grupo valorizado, do qual a maioria está excluída" (Renato Mezan, Folha de S. Paulo de 14.10.07, Mais, p. 4).

O Rolex cumpre hoje o mesmo papel que o terno de linho branco assumiu no princípio do século passado: ele era símbolo do ócio, ou seja, quem usava não se sujava trabalhando. É gente de colarinho branco (Shutherland). Esse era o recado que passava. O Rolex e o terno de linho, desse modo, simbolizam posição, status. Logo, "precisam" ser conquistados e exibidos (nisso reside o exibicionismo, que muitas vezes é o alvo da libido).

Os que podem conquistam alguns objetos do desejo fraudulentamente. Os que não podem o fazem (quando fazem) violentamente. Os consumidores sem meios para consumir são os excluídos que se obrigam a algum tipo de ilegalidade (quando querem se apoderar de algum objeto do desejo). Essa ilegalidade, entretanto, explica mas não justifica o fato de o "correria" (de acordo com o que escreveu o escritor Ferréz, na Folha de S. Paulo de 08.10.07, p. A3) ter levado o Rolex e preservado o bem mais valioso do seu dono (que é a vida).

Os que podem e mandam contam com a prerrogativa de abusar e transgredir (impunemente) as regras da civilização e da moralidade. As contas dos seus objetos de desejo, como sempre, são pagas pela população, sobretudo por meio de benesses conferidas, por exemplo, às empreiteiras. A ilegalidade dos ricos acontece normalmente por meio da fraude. Os pobres, que são os chamados "sujeitos monetários sem dinheiro" (sujeitos que vivem sem salário, emprego etc., consoante Roberto Schwarz), alcançam a mesma ilegalidade mais comumente por outro caminho: pela violência.

Vivemos, assim, uma "desigualdade social degradada" (Roberto Schwarz): os ricos e os pobres viraram lúmpen e se merecem mutuamente, porque nem existe a pureza popular, nem a elite nunca abandonou sua posição de total menosprezo à miséria. Não existe pureza na pobreza nem benevolência inculpável na opulência. "De um lado, trabalhadores desmoralizados pelo desemprego e rendidos ao imaginário burguês; de outro, uma burguesia ressentida e lamentável, invejosa de suas congêneres do Primeiro Mundo, queixosa de não morar lá, além de amargada com a insegurança local, que azedou os seus privilégios" (Roberto Schwarz, Folha de S. Paulo de 11.8.07, p. E9).

A que conclusão se chega? A luta de classes no Brasil foi substituída pela "desigualdade social degradada'. Ninguém mais está satisfeito. E o pior: não há "nenhuma perspectiva de progresso, que torne o país decente", sem corrupção e violência.

De qualquer modo, a impunidade está previamente garantida aos que podem (veja o triângulo amoroso formado pelo senador, jornalista e empreiteira). O oposto ocorre com o uso do Rolex. Já não se usa Rolex impunemente. O "correria" está aniquilando esse privilégio. O exibicionismo é direito de cada pessoa, menos nas ruas brasileiras. Aqui ele está ficando cada vez mais proibitivo. O rico já não pode desfrutar da sua riqueza como gostaria.

Os dois episódios que acabam de ser descritos têm tudo a ver com o seguinte: O Brasil é um país hierárquico (DaMatta). Com isso, a posição e a origem social são fundamentais para se definir o que se pode e o que não se pode fazer; para saber se a pessoa está acima da lei ou se teria que cumpri-la (Alberto Carlos Almeida, A cabeça do brasileiro, São Paulo: Record, 2007, p. 16). Como se vê, nossos dois Brasis possuem dois tipos distintos de cidadãos: há os que phodem... e os que não phodem. A Terra, de qualquer modo, como dizia Galileu, continua girando em torno do Sol.

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Fundador e Coordenador Geral da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes







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