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Direito Autoral e Direito de acesso: em busca de um melhor balanceamento

O direito autoral passa por significativas transformações, desencadeadas, principalmente, pelo advento da tecnologia digital e das redes de informação, que afetam o seu ponto crítico: o conflito entre o interesse individual do autor pela proteção da sua obra e o interesse público de livre acesso.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Atualizado em 9 de janeiro de 2008 13:41


Direito Autoral e Direito de acesso: em busca de um melhor balanceamento

Guilherme Carboni*

O direito autoral passa por significativas transformações, desencadeadas, principalmente, pelo advento da tecnologia digital e das redes de informação, que afetam o seu ponto crítico: o conflito entre o interesse individual do autor pela proteção da sua obra e o interesse público de livre acesso.

O desenvolvimento da Internet e da tecnologia digital possibilitou um importante avanço no processo de criação de obras intelectuais. Com base em um modelo no qual o usuário se comunica diretamente com outro usuário, sem um controle central, a Internet permite maior aproveitamento de obras previamente criadas, que podem ou não estar em domínio público.

Considerando as particularidades da tecnologia digital, não podemos pensar na aplicação dos tradicionais conceitos do direito de autor sem uma adaptação à nova realidade. Seria inadmissível ao jurista, também, discutir qualquer forma de proteção autoral na tecnologia digital sem levar em conta as questões filosóficas, sociológicas e econômicas a respeito do tema e os novos conceitos de criação em arte digital.

O direito autoral surgiu como um privilégio inicialmente concedido aos editores para garantir um monopólio na comercialização de obras literárias. O aparecimento da imprensa foi fundamental para a construção do conceito de direito às criações literárias e artísticas. Com a Revolução Francesa, o privilégio, anteriormente concedido ao editor, passa a ser de titularidade do criador da obra. Em outras palavras, o autor é erigido à condição de cidadão e, em virtude disso, tem os seus direitos reconhecidos por lei. Esses direitos têm como pressuposto a necessidade de identificação do autor em sua obra intelectual, que passa a ser considerada uma extensão de sua personalidade. A preocupação com a proteção internacional desses direitos resultou na assinatura da Convenção de Berna de 1886 e em diversos tratados internacionais sobre a matéria no transcorrer do século XX.

A questão que se coloca hoje ao direito autoral diz respeito aos novos valores inerentes ao processo criativo de obras intelectuais em tecnologias digitais e a necessidade, cada vez maior, de se garantir o direito de livre acesso como forma de estimular a criação de novas obras.

O direito autoral ainda não encontrou o justo balanceamento entre o interesse do indivíduo criador da obra e o do público que deseja fruí-la ou utilizá-la na composição de outras obras. É preciso, pois, trazer a questão da função social do direito de autor ao debate. A abordagem do direito de autor pelo exame de sua função social deve ser entendida como uma contribuição para que o seu exercício abusivo seja coibido e para que seja reafirmada a sua função de mecanismo voltado para o desenvolvimento cultural e tecnológico dos povos e não como um fim em si mesmo.

Alguns exageros na proteção do autor em detrimento do interesse público podem ser observados na Lei de Direitos Autorais brasileira. Um bom exemplo está na proibição da cópia integral de uma obra, ainda que para uso privado, sem finalidade lucrativa, o que, em outros países, é permitido. No Brasil, tal situação, aliada aos problemas educacionais e ao alto preço dos livros, dificulta ainda mais o acesso ao conhecimento, principalmente por parte das classes menos favorecidas da população.

É importante lembrar que nem sempre o aumento da proteção autoral à obra intelectual e da restrição ao seu uso livre representa um benefício ao indivíduo criador da obra. Muitas vezes, a defesa de maior proteção e restrição de acesso é uma bandeira da própria indústria de bens culturais em defesa de seus interesses. É certo que o Brasil é um dos países com maiores índices de pirataria, e que esta deve ser coibida. É certo, também, no entanto, que as políticas públicas deveriam repensar as formas de se regulamentar as limitações ao direito autoral, visando ao interesse social pela livre utilização de obras, em determinadas circunstâncias, e à inclusão digital como uma das formas de defesa da cidadania.

A sociedade tem interesse na manutenção de um mecanismo de estímulo ao autor para que ele continue criando e para que lhe seja reconhecido o direito a uma remuneração pelas suas criações. Não se pode admitir, porém, que o direito autoral passe a funcionar não mais como um mecanismo de estímulo, mas como um entrave às novas formas de criação e de utilização de obras possibilitadas pela tecnologia digital, e também como uma barreira ao livre acesso, quando justificado socialmente.

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*Professor na CJDJ - Complexo Jurídico Damásio de Jesus e Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Direito da Propriedade Intelectual e das Novas Tecnologias da Fundação Armando Alvares Penteado - FAAP













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