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Segurança e (in)segurança jurídica

Antes de ir ao mérito do presente trabalho, é de esclarecer-se o sentido exato do que no mundo do direito significa segurança jurídica.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Atualizado às 11:54


Segurança e (in)segurança jurídica

Oswaldo Duarte de Souza*

Segurança jurídica

Antes de ir ao mérito do presente trabalho, é de esclarecer-se o sentido exato do que no mundo do direito significa segurança jurídica.

Entendemos e com respaldo nos doutos, que tal preceito alude formação de sólida e concreta jurisprudência (decisões de tribunais) sem sujeitar-se a pressões políticas e interesses governamentais como será mostrado adiante. A segurança jurídica, dentre outros atributos, também serve para incentivar atividades econômicas e atrair investimentos estrangeiros por estarem certos os que se dispuserem a aplicar seus capitais aqui, poderem confiar nas regras pré-estabelecidas, sem perigo de mudanças radicais e a curto prazo.

Insegurança

Livro sagrado dos regimes democráticos as constituições, no Brasil, foram invariavelmente violadas, mesmo levando-se em conta seus textos pormenorizados abrangendo as necessidades da sociedade em suas elaborações através dos constituintes. Uma vez promulgada a constituição deveria representar momento pétreo da vontade do povo expressada através seus procuradores. Assim sendo, sua vida útil deveria ter período extenso e imutável, e acompanhar a evolução dos fatos sociais e somente a eles atender e não ser constantemente modificada ao sabor do governante de plantão. Por período extenso leia-se uma geração, pelo menos, e não como ocorreu na presente Carta Magna (clique aqui), que em vinte anos já foi totalmente mutilada.

Qual a razão de ser a Constituição Federal motivo de tantos ataques? Antes de respondermos, importante fundamentar.

O Código Civil (clique aqui), que rege a relação entre as pessoas (civis e jurídicas), vigeu por mais de 86 anos, eis que editado o penúltimo em 1916, somente em janeiro de 2003 foi modificado e isto porque durante o período de sua existência (uma geração) ocorreram sensíveis incidentes sociais demandando atualização e novo regramento civil.

Por outro lado o Código Penal de 1942 (clique aqui) vige até hoje, com poucas modificações.

Importante salientar que durante tais vigências foram editadas legislações complementares para regular novos fatos sociais, por exemplo, o divórcio na questão civil, e recentemente o seqüestro-relâmpago na questão penal. Como visto, as atualizações face às novas realidades não descaracterizaram as respectivas estruturas dos Códigos Civil e Penal.

Assim deve ser, ou deveria.

No caso da Constituição Federal de 1988, chamada por Ulysses Guimarães de "Constituição Cidadã", as constantes violências são via de regra impostas, com o beneplácito do Congresso Nacional, e têm por finalidade elidir os incômodos monetários do Governo Federal, notadamente na questão tributária, pois tal ente, incapaz de gerir a dívida pública, por ele mesmo aumentada, sem nenhum controle, e na ânsia de mais arrecadar, propõe emendas constitucionais e medidas provisórias, tudo em prejuízo do povo. Agora mesmo o presidente Lula editou medida provisória triplicando o limite de gastos com o funcionalismo federal que era de R$ 3,4 bilhões ampliado para R$ 10,9 bilhões, ou seja, gastança pura e desmedida.

Assim, o acima exposto responde a pergunta pela qual, por iniciativa governamental, altera-se a jovem Constituição Federal, de apenas vinte anos, para atender interesses imediatos do Príncipe, sendo essa uma das razões da insegurança jurídica.

Paralelamente, temos outro motivo de insegurança para o cidadão-contribuinte (pessoas e empresas, nacionais e internacionais) que é a instabilidade dos tribunais superiores (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça) que no vai-e-vem modificam seus próprios julgados. Veja-se, por exemplo, o caso recentíssimo da não inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS em julgamento na corte constitucional, processo que data no tribunal de 1999, ou seja, há nove anos a empresa recorrente aguarda o julgamento de sua tese, já vencedora por seis votos a um. Observe-se que o resultado final interessa a universo imensurável de contribuintes, todos que pagam COFINS e ICMS. Vendo-se perdedora, ingressou a União Federal (governo) com Ação Direta de Constitucionalidade, a fim de derrubar o então já decidido parcialmente. Após lobby do Ministro Guido Mantega, os Julgadores Maiorinos resolveram suspender o trâmite do recurso do contribuinte, veja-se Jornal do Commercio de 15/5, 2-A, até decisão da referida ADC. Será que Suas Excelências, já votantes a favor dos contribuintes irão, em outro e novo julgamento, rever seus votos? Se sim, mais evidente prova de insegurança jurídico-judiciária. Enquanto isso grandes interessadas, as empresas que geram economia e empregos, por seus administradores, dormem tranqüilos. Dormem?

Apesar de tantos percalços o Brasil obteve certificação de grau de investimento. Os investidores estrangeiros, com tanta insegurança, sem certeza de aplicação das regras jurídicas e da filosofia de forma interpretativa e imutável, principalmente das tributárias, continuarão a aplicar em nossa economia, de forma maciça?

Ora, não deveria ocorrer assim, face ao disposto na própria Constituição, parágrafo único do art. 1º.: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição" e consoante o Ministro Gomes de Barros, em voto-vista julgando Recurso Especial no Superior Tribunal de Justiça, do qual é o presidente:

"Outra razão, que adoto como fundamento de voto, finca-se na natureza do Superior Tribunal de Justiça. Quando digo que não podemos tomar lição, não podemos confessar que a tomamos. Quando chegamos ao Tribunal e assinamos o termo de posse, assumimos, sem nenhuma vaidade, o compromisso de que somos notáveis conhecedores do Direito, que temos notável saber jurídico. Saber jurídico não é conhecer livros escritos por outros. Saber jurídico a que se refere à CF é a sabedoria que a vida nos dá. A sabedoria gerada no estudo e na experiência nos tornou condutores da jurisprudência nacional.
Dissemos que sociedade de prestação de serviço não paga a contribuição. Essas sociedades, confiando na Súmula nº. 276 do Superior Tribunal de Justiça, programaram-se para não pagar esse tributo. Crentes na súmula elas fizeram gastos maiores, e planejaram suas vidas de determinada forma. Fizeram seu projeto de viabilidade econômica com base nessa decisão. De repente, vem o STJ e diz o contrário: esqueçam o que eu disse; agora vão pagar com multa, correção monetária etc., porque nós, o Superior Tribunal de Justiça, tomamos a lição de um mestre e esse mestre nos disse que estávamos errados. Por isso, voltamos atrás.
Nós somos os condutores, e eu - Ministro de um Tribunal cujas decisões os próprios Ministros não respeitam - sinto-me, triste. Como contribuinte, que também sou, mergulho em insegurança".

Outros exemplos de insegurança temos com as reversões de entendimento jurisprudencial, nas teses de Seguro de Acidente no Trabalho - SAT, sistema SESC/SENAC/SEBRAE, INCRA/FUNRURAL, Salário Educação, COFINS das sociedades civis prestadoras de serviço e tantas outras, que tiveram acolhimento nos tribunais superiores e num segundo momento foram rejeitadas. Exemplo gritante aconteceu com a tese de ilegalidade da contribuição social chamada de INCRA/FUNRURAL, pelas empresas vinculadas à previdência urbana. Tal argüição foi levada ao STJ e lá, a Primeira Seção, órgão responsável pela uniformização dos julgados da Primeira e Segunda Turmas especializadas em direito tributário, no julgamento do Recurso Especial 173380/DF, decidiu que "não é de se cogitar mais o pagamento das contribuições relativas ao INCRA/FUNRURAL das empresas vinculadas exclusivamente à Previdência Urbana", isto em 17/11/2003. Milhares de empresas, por seus advogados, argüiram a tese, após derrubada por julgamento da Primeira Seção em 27/9/2006 no Recurso Especial nº. 770.451/SC confirmado pelo Supremo Tribunal Federal em 1/2/2008, ou seja, tribunais superiores, por seus ministros, voltaram ao passado e modificaram o entendimento que deveria constar como pacificado. Veja-se tocante ao crédito do IPI e crédito prêmio do mesmo tributo, como bem exposto pelo advogado Dr. Nestor Freschi Ferreira, em coluna publicada no sítio Londrix, em 10/7/2007:

"Nos últimos anos, duas grandes questões têm sido debatidas nos Tribunais Superiores: o direito ao crédito de IPI relativo às aquisições isentas não tributadas e reduzidas à alíquota zero, e o direito ao crédito prêmio de IPI. Nestas duas situações, havia decisões tanto do STF quanto do STJ, garantindo o direito do contribuinte ao crédito respectivo. Sendo que muitas empresas planejaram as suas ações e seus investimentos, tendo como base o direito ao crédito tributário, que estava garantido por inúmeras decisões do Judiciário.

Por ocasião da presente, analisaremos o primeiro assunto, sendo que o passo inicial em direção à garantia do crédito se deu nos idos de 1998, quando o STF decidiu que a aquisição de produtos isentos gera direito ao crédito de IPI.

Posteriormente, em 2002, o STF estendeu esse entendimento para os casos de aquisição de produtos no regime de alíquota-zero, por nove votos a um, concedendo o direito ao creditamento de IPI nessa situação.

É importante ressaltar que esses dois julgamentos seguiram a tendência mundial, pelo menos em relação aos países desenvolvidos, de tributação pelo valor agregado, isto é, aquela tributação em que o contribuinte adquirente de produto isento, reduzido à alíquota-zero ou não-tributado, possa se apropriar do respectivo crédito, crédito este que será abatido do valor do IPI a ser pago quando da venda do produto final, garantindo-se assim que o IPI incida somente sobre o valor por ele agregado em seu processo industrial.

Entretanto, a partir de 2003, iniciou-se um movimento no Supremo Tribunal Federal para reverter este julgamento, sob a alegação da Fazenda Nacional de que os valores envolvidos na questão eram milionários e que os salários dos funcionários públicos, inclusive dos ministros do STF, estavam em risco, caso não fosse alterado o entendimento firmado no ano de 1998 e 2002, já que o Brasil poderia "quebrar" frente ao direito garantido às empresas.

Inclusive, alguns ministros, tamanha a pressão, mudaram a sua posição anterior. Ora, os ministros do Supremo Tribunal Federal, por determinação constitucional, necessitam, para exercer tal mister, notório saber jurídico, porém decidiram de uma forma em 2002 e, agora em 2007, decidiram em sentido totalmente contrário à posição anterior.

Ao assim se posicionarem, os ministros sepultaram o princípio da segurança jurídica. A mudança de entendimento se deu muito rápida, de forma que duas situações podem ter ocorrido: não houve a apreciação devida do assunto à época, o que levou à mudança de entendimento, o que seria um absurdo, frente à alta função reservada ao Supremo Tribunal Federal; a pressão da Fazenda Nacional quanto aos valores envolvidos, o que também seria um absurdo sem precedentes, visto que, seja na Constituição Federal ou em quaisquer leis, não se deve negar o direito a alguém, tendo como parâmetro o valor da causa.

Existe um esforço, na atualidade, muito grande por parte do meio jurídico para que a segurança jurídica seja respeitada, de forma que ainda se espera que os Tribunais Superiores revejam suas posições atuais, com o fim de garantir a estabilidade das relações entre o particular e o Estado"

Empresas que se beneficiaram dos créditos decorrentes das exações consideradas ilegais ou inconstitucionais, através compensações estão aparvalhadas e cobrando soluções dos advogados experts na matéria tributária para dar fim ao imbróglio. Aliás, por falar em advogados, sua posição perante os clientes é bastante delicada, pois apresentaram as teses, com arrimo nas decisões dos tribunais e agora têm de explicar qual a razão das seguidas derrotas.

Finalizando a exposição, mais uma vez socorremo-nos do Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Gomes de Barros, ao assumir o cargo, em entrevista a sítio jurídico em 6/4/2008, ao mirar a contínua mudança de jurisprudência no judiciário: "É muito melhor que haja alguma injustiça com segurança, do que uma pretensa justiça com insegurança jurídica".

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*Advogado do escritório Oswaldo Duarte Advogados Associados





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