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Diferença entre ditadura e democracia

Clarissa de F.T. Hofling e Luiz Fernando Hofling

Pouca gente se dá conta de que, de um pormenor aparentemente insignificante, depende vivermos afligidos por uma ríspida ditadura ou sob os brandos temperamentos de uma democracia.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Atualizado às 08:01


Diferença entre ditadura e democracia

Clarissa de F.T. Hofling*

Luiz Fernando Hofling**

Pouca gente se dá conta de que, de um pormenor aparentemente insignificante, depende vivermos afligidos por uma ríspida ditadura ou sob os brandos temperamentos de uma democracia.

Ninguém duvida, com efeito, de que o juiz, seja qual for o regime político ou jurídico, sob o qual se viva, tem o direito de investigar a verdade, para apuração da prática de crimes, atos hostis à vida em sociedade.

Se, com efeito, a autoridade judicial tiver notícia de um crime, deverá e poderá, no exercício dos direitos e poderes que lhe são inerentes, quebrar as barreiras que se apresentem, à investigação policial, autorizando, por exemplo, a invasão da privacidade, com as escutas telefônicas, a quebra do sigilo fiscal e bancário, com o exame das movimentações financeiras privadas dos acusados.

Ninguém contestaria esse poder judicial, que se exerce em nome da sociedade e em seu benefício, porquanto destinado ao combate às condutas anti-sociais.

Se, porém:

- é lícito ao Juiz tomar essas iniciativas, quando haja uma acusação concreta, contra o indiciado;

- não lhe é, do mesmo modo, lícito tomar essas iniciativas, quando tal acusação concreta não exista, fazendo-se isso, tão somente, para obter dados confidenciais com os quais instaurar, contra o investigado, os procedimentos penais que o exame de sua conduta vier a indicar.

E aí reside, precisamente, o pormenor - aparentemente minúsculo mas com grandes repercussões nas garantias e liberdades dos indivíduos - que serve de divisor de águas, entre o regime democrático e o regime ditatorial:

- na democracia, permite-se a violação dos segredos da intimidade, telefônicos, bancários, fiscais, para investigação de um crime imputado a alguém;

- mas essa prática se torna ditatorial, quando, deflagrada contra quem não tem acusação concreta contra si, acaba por identificar, na conduta do investigado, motivo para que sofra persecução penal.

As presentes observações, que remetem ao conteúdo do artigo 2º da Lei de Interceptação Telefônica - Lei 9.296/96 (clique aqui), que dispõe, como requisito para a admissão das interceptações, a existência de indícios da infração penal e de sua autoria - cabem, muito bem, em face dos episódios recentes, relativos à prisão de conhecidos homens de negócio ou a buscas em seus arquivos privados e escritórios comerciais.

Se era lícito, ao Juiz, quebrar o sigilo telefônico dos indiciados, para confirmar que teriam praticado determinados delitos, não lhe era permitido fazê-lo, para ver se, escutando as suas conversas íntimas e secretas, disso resultaria a identificação de algum delito que houvessem praticado.

É o mesmo que dizer:

- aquele homem é rico, e, como ganhar muito dinheiro é difícil deve ter praticado algum crime;

- vamos, então, segui-lo, continuamente, escutar as suas conversas telefônicas, quebrar o seu sigilo bancário e fiscal, até identificarmos uma situação que mereça reprimenda penal.

Alguém diria que essa última conduta seria tolerável, num regime que se pretende democrático?

Resposta negativa se impõe!

Somente a ignorância ou a má fé justificariam ordem judicial que autorizasse uma gravação telefônica, durante anos, para, ao cabo de semelhante empreendimento, instaurar, contra o investigado, procedimento penal, visando a puni-lo por prática cuja descoberta tivesse resultado desse sinistro modo de agir.

Essa conduta é lesiva à democracia, pois traz em si os pressupostos de uma sociedade totalitária, em que nenhuma intimidade seja admitida, para os cidadãos, postos, permanentemente, sob a espreita interessada - quando não extorsionária - do olho investigatório dos piores representantes do Estado - aqueles que não respeitam os direitos individuais dos cidadãos.

Homenagem seja feita, assim, ao varão ilustre e probo, estandarte da magistratura nacional, revelado no Ministro Gilmar Mendes, que conferiu honra e glória ao Supremo Tribunal Federal, resgatando-nos das mãos desses conspiradores contra o regime democrático.

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* Membro do escritório do criminalista Adriano Salles Vanni

**Advogado do escritório Höfling, Kawasaki, Thomazinho Advocacia

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