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O judiciário da reforma sob o jugo da LOMAN

O Professor Carlos Alberto Penna incumbiu-me de apresentar, nesta prestigiada revista, um trabalho sobre matéria atual. Conheci esse respeitado Mestre da Universidade Federal de Minas Gerais, assessor da ONU, responsável pela Direção Cultural Científica da Del Rey Jurídica, na querida Barbacena, terra de significativas tradições culturais e políticas. Lisonjeia-me a enriquecedora convivência por longos anos estabelecida entre nós, e encorajado a quebrar minha natural reserva diante de produções desta natureza, trago minhas idéias e experiência à consideração dos leitores desta prestigiada revista.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Atualizado em 9 de setembro de 2008 11:03


O judiciário da reforma sob o jugo da LOMAN

Reynaldo Ximenes Carneiro*

O Professor Carlos Alberto Penna incumbiu-me de apresentar, neste prestigiado rotativo, um trabalho sobre matéria atual. Conheci esse respeitado Mestre da Universidade Federal de Minas Gerais, assessor da ONU, responsável pela Direção Cultural Científica da Del Rey Jurídica, na querida Barbacena, terra de significativas tradições culturais e políticas. Lisonjeia-me a enriquecedora convivência por longos anos estabelecida entre nós, e encorajado a quebrar minha natural reserva diante de produções desta natureza, trago minhas idéias e experiência à consideração dos leitores deste prestigiado rotativo.

Há quase trinta anos participo ativamente dos fatos relevantes que afetam o Poder e a presente convocação chega-me em momento de dificuldades e de crise interna no Judiciário.

Ingressei na Magistratura quando, incipiente, a Escola Judicial Edésio Fernandes, de mãos dadas com a AMAGIS, iniciava encontros e simpósios de juízes e profissionais do direito, para estudos de questões jurídicas e matérias de interesse institucional. Colaborei na organização e na realização de um dos primeiros desses encontros na Comarca de Varginha, uma das mais importantes do Estado de Minas Gerais. Liderava-nos o querido colega dr. Mário Vani Bemfica, Juiz da Comarca e apoiava-nos o destemido magistrado Francisco Vani Bemfica, então diretor da Faculdade de Direito de Varginha, onde pontificavam mestres de alto quilate. Foram eles os formadores de gerações de profissionais que hoje prestam relevantes serviços no Judiciário: Juízes, Desembargadores e Ministros, dentre os quais o Ministro Antônio José de Barros Levenhagen, do Tribunal Superior do Trabalho.

A feliz iniciativa da EJEF e da AMAGIS de agir em consórcio com as Universidades e de proporcionar atualização aos Juízes nas regiões onde esses atuavam contribuiu para sedimentar na Magistratura Mineira uma formação arejada. Considerando ser um dos pontos destacados da pregação institucional dos Encontros da Magistratura da EJEF/AMAGIS o da autonomia financeira e administrativa do Judiciário, nossos magistrados participaram ativamente, com sua rica experiência, dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte.

É por isso que a AMAGIS permaneceu em vigília cívica em Brasília, ao lado de outras Associações de Magistrados - desde a instalação da Assembléia Nacional Constituinte até a promulgação da "Constituição Cidadã" - e hoje pode afirmar que contribuiu para a inserção de dispositivos que permitem o exercício do sistema de freios e contrapesos no diploma constitucional, numa vivência democrática como nunca ocorrida em nosso país.

Os magistrados presentes à última sessão de votação do Capítulo do Poder Judiciário pela Assembléia Constituinte assistiram à derrota, por poucos votos, da emenda que previa a eleição direta entre os magistrados vitalícios para os cargos diretivos dos tribunais. Eles não podiam imaginar que as mudanças nos tribunais demandariam tantos sacrifícios e que para a sua organização interna ainda persistiriam por muitos anos as regras da ditadura. Em regime de exceção, no Governo forte de Geisel, em plena vigência do AI 5, votou-se a famigerada LOMAN (clique aqui) e não se cuidou da Reforma do Judiciário, como o autocrata afirmou que haveria de promover!

A Constituição Federal de 1988 (clique aqui) estabeleceu ser o Estatuto da Magistratura Nacional de iniciativa do excelso Supremo Tribunal Federal e desde a promulgação em 05 de outubro de 1988 até os dias de hoje, quase vinte anos, a norma complementar não foi encaminhada ao Congresso Nacional, embora o tenha sido certa feita, mas retirada, para se amoldar às mudanças havidas depois de seu encaminhamento, segundo justificativa apresentada ao Parlamento.

No dia 15 de fevereiro deste ano, enquanto a Associação dos Magistrados Brasileiros realizava, em Belo Horizonte, reunião de seus Conselhos Executivo e de Representantes para adotar medidas que motivassem o STF a remeter ao Congresso Nacional o projeto de Lei Complementar sobre o Estatuto da Magistratura, antes que comemorassem os vinte anos de vigência da Constituição, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, em ato prestigiado com as presenças do Presidente Itamar Franco, do Dr. Aristides Junqueira, então Procurador-Geral da República e de outras autoridades estaduais e federais, festejava os quinze anos de vigência da Lei Orgânica do Ministério Público.

A frustração da magistratura presente na revisão foi notada e se afirmou que o Ministério Público não se submetia a nenhum diploma repressor e realizava suas tarefas sem embaraços, tornando-se instituição de grande credibilidade na república, pode ter sua lei orgânica moderna, enquanto o Judiciário submetido à norma que denigre o próprio regime autoritário, que foi banido, não conseguiu que o seu diploma fundamental saísse das cogitações e da aspiração maior da magistratura.

Pode-se dizer, sem exagero, que o entulho autoritário só permanece intocado para a magistratura e para os tribunais de segundo grau, apesar de a Reforma do Judiciário haver provocado profunda mudança no Poder: criou o Conselho Nacional de Justiça; tornou facultativa a constituição do Órgão Especial; explicitou que o Órgão Especial exerce atribuições delegadas de competência do tribunal pleno; estabeleceu que metade da composição do órgão delegado é provida pelos mais antigos e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno; facultou aos tribunais a eleição dos órgãos diretivos e a elaboração do regimento interno, enfim, ao mesmo tempo em que introduziu a novidade do controle externo, quis implantar um sistema mais aberto e antinômico ao previsto na LOMAN.

Penso que todo o Capítulo do Poder Judiciário antes da Reforma introduzida através da Emenda nº. 45/2004 (clique aqui) e depois dela, de modo algum abona a permanência do diploma autoritário, votado em época abominável, inclusive porque, em relação aos Tribunais e Juízes Estaduais, há expressa disposição prevendo que os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos na Constituição.

Ora, os princípios estatuídos na Constituição impõem o sistema participativo nas gestões dos órgãos coletivos e o respeito à vontade do titular da soberania, que é o povo, interessado em ver a administração pública gerida de forma transparente e desconcentrada, afasto o risco de corrupção, presente em condições como as atuais.

A Reforma do Judiciário consubstanciada na Emenda Constitucional nº. 45/2004 não foi implantada em sua inteireza. Na verdade, só a parte que interessava a um de seus maiores pregoeiros foi aproveitada: a instalação do Conselho Nacional de Justiça. Tudo o mais que foi aprovado é auto aplicável e não se materializa, porque não se liberta o Judiciário da vocação autoritária, como por exemplo: eleição dos órgãos diretivos pelos tribunais (não se pode considerar eleição o sistema que vem do regime militar em que se não exerce opção, não se faz escolha dentre alternativas e nem mesmo se estabelece prévia como se fazia nos quartéis dentre os estrelados); definição das atribuições delegadas pelo tribunal pleno ao Órgão Especial (o Tribunal de São Paulo principiou a votação do regimento interno pelo pleno, quando se saberia quais as atribuições que seriam delegadas ou se seria suprimido o órgão especial, mas os mais antigos reagiram e levaram a questão ao STF, que iniciou o julgamento, com votos na linha da modernização e da abertura, mas houve pedido de vista, sem que até hoje se saiba qual a solução a ser tomada para se aferir como se colherá a vontade do plenário em relação ao que irá delegar ao órgão delegado): sistema de provimento da metade elegível do órgão especial (os tribunais estão tratando a matéria de forma diferenciada), etc.

O Estatuto da Magistratura vem tarde e Deus permita que chegue a tempo de resolver as crises registradas no âmbito da Justiça, em todas as latitudes e altitudes. Com efeito, a falta de uma diretriz segura para o recrutamento dos integrantes do quinto constitucional tem provocado atritos entre os órgãos fornecedores de listas e os tribunais, que, algumas vezes, são levados para solução judicial, que, como sabido, retarda a investidura e prolonga a fricção com descrédito ao Judiciário. O último embate ocorreu entre o STJ e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, órgãos superiores que, ao protagonizarem a disputa, deixaram à mostra a necessidade de uma legislação orgânica para disciplinar todas as matérias relevantes do Judiciário.

Por outro lado, o sistema de administração do Judiciário ainda se encontra defasado, em autêntico regime presidencialista, antítese do colegiado, sem uma norma que imponha o aproveitamento eclético dos membros dos tribunais nas diversas comissões que atuam no assessoramento dos órgãos diretivos e de sua relação com o pleno ou com o órgão delegado. O Legislativo que se adequou à Constituição Cidadã respeita a participação de cada segmento que o constitui nas comissões técnicas permanentes e transitórias, mas o Judiciário que se compõe de membros com atividades especializadas e diversificadas não observa o mesmo critério nas comissões que são criadas, impedindo uma participação efetiva dos membros do tribunal nos atos da administração e no controle interno da eficiência do administrador. Controle interno que é indispensável para servir de alerta e para acompanhar a evolução administrativa. Atualmente, as comissões criadas são providas por ato do administrador e, com isso, nem sempre estão os componentes dessas comissões à vontade para realizar sua função de auxiliar e de censurar o que se projeta e se realiza no órgão. A propósito, através da Emenda Regimental n. 08/01 o próprio STF, com onze membros, todos cidadãos e cidadãs de idoneidade comprovada, de reputação ilibada, limitou a competência do Presidente para a movimentação dos quadros funcionais e os atos administrativos são aperfeiçoados após a discussão nas reuniões administrativas com quorum previsto no Regimento Interno.

Não se desconsidere que se tentou criar uma regra de aposentadoria diferenciada destinada aos Membros dos Tribunais Superiores sob o falacioso fundamento de que não haveria prejuízo à carreira da magistratura, embora a limitação de permanência se dá para possibilitar a rotatividade no Poder e, para o país, mais se justifica a limitação da permanência para os componentes dos órgãos de cúpula, aqueles que verdadeiramente interpretam em definitivo as leis e estabelecem as súmulas vinculantes ou as vindouras súmulas impeditivas de recurso.

A propósito, os tribunais superiores têm regimento interno que não seguem a LOMAN, como é o caso do STJ. Na composição do órgão especial não seguia e não segue o critério da antiguidade pura, mas recrutava e recruta parte dos ministros dentre os mais antigos das Sessões e na convocação para substituição obedece regras que o próprio tribunal estatuiu, sem mencionar que as listas para escolha de seus Membros são feitas em escrutínio fechado, sem motivação, contrariando até mesmo Resolução baixada pelo CNJ, que tem como seu Corregedor o Ministro oriundo do STJ.

As dificuldades para a modernização do Judiciário residem na carência de democracia interna para mudar o atual sistema. Esse privilegia a manutenção do status quo em detrimento do anseio pela renovação dos métodos administrativos. A dificuldade para aperfeiçoar a máquina judiciária se origina da contradição verificada de o diploma constitucional trazer inovações modernizantes enquanto a LOMAN mantém o arcaísmo de se privilegiar pessoas, caso da regra de antiguidade, resíduo do autoritarismo mantido só para a magistratura. Em uma das sessões do órgão especial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais indagou-se: a integração dos membros dos Tribunais de Alçada e de Justiça trouxe economia para os cofres públicos? O silêncio sepulcral deixou à mostra a resposta: a integração não se efetiva enquanto não houver vontade política dos que controlam o Poder em admitir e assimilar a participação de todos na administração da Justiça. É que a eficiência surge quando todos participam e se conscientizam da importância de seu papel na realização da tarefa comum.

Os inconformados com a letargia e com o autoritarismo que persistem nos tribunais indagam: por que se instalou o CNJ com a participação de membros recrutados de vários órgãos, através de um sistema seletivo de uso de poderosos lobbies, grande parte sem experiência na carreira e por que se permite a intromissão cada vez mais ampla desse órgão, em assuntos internos e peculiares a cada unidade da federação, e se negam aos tribunais a sua organização interna e a efetivação de uma administração verdadeiramente colegiada? A quem aproveita a manutenção do pernicioso sistema: quid prodest?

É com o devido respeito que se faz a crítica: o retardamento da reforma política levou o STF a implementar os princípios que emergem da Constituição, como é o caso da fidelidade partidária, mas a mesma medida não se toma para expurgar do nosso meio a pérfida legislação - a LOMAN - ainda observada, apesar do banimento da ditadura!

É auspicioso ver e sentir que o atual Presidente do excelso STF, Ministro Gilmar Mendes, está convencido de que é tempo do Judiciário brasileiro amoldar-se às regras constitucionais democráticas, como outras instituições que ganharam em eficiência ao se tornarem mais transparentes e mais atentas às necessidades e aos clamores da população.

A verdadeira Reforma do Judiciário depende, em última análise, de um Estatuto da Magistratura moderno, compatível com os princípios constitucionais, e, por conseqüência, da iniciativa do augusto Supremo Tribunal Federal.


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*Desembargador do TJ/MG






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