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Especulação no mercado imobiliário de Dubai - o começo do fim

Nos Emirados Árabes Unidos, pequeno país do Oriente Médio que tem maravilhado o mundo todo com um inigualável crescimento econômico e obras faraônicas, existe um sintoma generalizado e contagioso chamado otimismo. A crise financeira assola o mundo e nos Emirados o clima era, há até bem pouco tempo, o de que "eu não tenho nada a ver com isso". Não que o otimismo seja algo para se envergonhar ou desprezar; ao contrário, pois é evidente que as pessoas de visão, os líderes e empreendedores estão mais para integrarem a turma dos otimistas do que dos pessimistas.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Atualizado em 2 de dezembro de 2008 09:23


Especulação no mercado imobiliário de Dubai - o começo do fim

Cecília Bicca Paetzelt*

Nos Emirados Árabes Unidos, pequeno país do Oriente Médio que tem maravilhado o mundo todo com um inigualável crescimento econômico e obras faraônicas, existe um sintoma generalizado e contagioso chamado otimismo. A crise financeira assola o mundo e nos Emirados o clima era, há até bem pouco tempo, o de que "eu não tenho nada a ver com isso". Não que o otimismo seja algo para se envergonhar ou desprezar; ao contrário, pois é evidente que as pessoas de visão, os líderes e empreendedores estão mais para integrarem a turma dos otimistas do que dos pessimistas.

Entretanto, recentemente, os líderes políticos e empresários de Dubai, um dos emirados do país que mais cresce no mundo, começaram a dar o braço a torcer, admitindo publicamente que o momento econômico é de desaceleração, adiando projetos e cancelando outros. Ilustrando esse cenário, centenas de pessoas perdem empregos diariamente, em geral estrangeiros, principalmente nas áreas bancária e imobiliária.

O mercado imobiliário em Dubai estava tão aquecido nos últimos anos, que a profissão de corretor de imóveis era mais atrativa do que a de advogado ou médico. Muitos fizeram fortuna com comissões fáceis e polpudas, aproveitando-se do momento intenso de especulação em imóveis, gentilmente chamada de "investimento imobiliário" no mercado local.

O mecanismo em que consiste a especulação em Dubai é muito simples. O investidor adquire um imóvel na planta e efetua um pagamento inicial de 10% a 15%, dependendo das condições oferecidas pelo empreendedor. Em seguida, coloca o imóvel à venda no mercado de revenda ou mercado secundário. O imóvel é revendido pelo preço original acrescido de um prêmio ("premium"), ou seja, o segundo comprador paga o valor original, o prêmio, taxa de transferência e comissão de venda. O prêmio é o lucro dos especuladores. As situações podem variar, podendo o primeiro comprador pagar mais parcelas antes de colocar o imóvel à venda. O prêmio não é um valor fixo, variando de acordo com as condições do mercado e valorização do móvel. Estima-se entre 10 ou 25%, ou até mais. Uma situação hipotética seria a de um investidor que adquire um imóvel no valor de US$ 1,000,000 e paga US$ 100,000 de entrada. Após um curto período, revende o imóvel, recebendo do comprador o valor já pago mais um prêmio de 20%, equivalente a US$ 200,000. Negócio da China ? Não, negócio de Dubai.

Esse tipo de especulação inflacionou o mercado imobiliário de Dubai nos últimos anos e beneficiou investidores, empreendedores e corretores de imóveis. As autoridades governamentais, a par de todo o processo, posicionou-se inerte e despreocupada. Vale lembrar que muitos grandes empreendedores imobiliários do país pertencem ao governo, parcial ou totalmente. Porém, obviamente o sistema acima já não funciona como antes.

O mercado imobiliário, atualmente paralisado, sofre as conseqüências da crise econômica mundial. Preços caíram e especuladores tentam vender seus imóveis na planta a qualquer preço. Muitos não têm fundos para continuar os pagamentos dos imóveis ou das hipotecas contraídas, infringindo contratos com empreendedores.

Essa inesperada e indesejada situação no mercado imobiliário de Dubai, inédita desde que os imóveis foram liberados para venda a estrangeiros, fez com que as autoridades adotassem medidas de emergência, visto que a legislação federal ou particular dos emirados não é muito completa. Há lacunas, obscuridade e falta de consistência em quase todos os regulamentos, normas e leis sancionadas. Sem mencionar que todas as leis são originalmente publicadas em árabe, e, ao serem traduzidas para o inglês pelos escritórios de advocacia de forma independente, sofrem com eventuais erros de interpretação pelos inúmeros tradutores, causando confusões entre os advogados e o público em geral.

Assim, em agosto deste ano, foi publicada a Law 13, que visa regular os contratos de compra e venda de imóveis, amenizando problemas enfrentados pelos empreendedores e as autoridades, quais sejam, o Departamento da Terra ("Land Department") e o RERA (Real Estate Regulatory Authority) de Dubai. O artigo 11 da supra mencionada Lei estabelece que: "In the event that the purchaser defaults on any term of the contract he made with the developer for the sale of the real estate unit, the developer should notify the (Land) Department accordingly and the Department will then give the purchaser 30 days notice to fulfill his contractual obligations, by hand, registered post or e-mail. If at the end of the period referred to in item 1 of this Article the purchaser has not fulfilled his contractual obligations, the developer may cancel the contract and repay the purchaser his money less a deduction that does not exceed 30 per cent of the monies paid by the purchaser."

Tudo estava indo bem no entendimento de que a multa era de 30% dos valores pagos pelo comprador em caso de quebra de contrato (para contratos firmados após a publicação da lei em 14/8/08). Até que a autoridade competente resolveu "esclarecer" o artigo 11. Através de uma Circular Administrativa publicada em 10/11/08, o Departamento da Terra informou que em caso de quebra contratual, o empreendedor pode terminar o contrato e reter 30% do valor do contrato, mais 30% de qualquer quantia paga adicionalmente. Além disso, o empreendedor não precisa devolver quaisquer quantias no ato da rescisão, mas sim quando conseguir revender a unidade.

Diante desse esclarecimento, modificação ou emenda (difícil de caracterizar), estampado em todos os jornais sem maiores informações de como ou se será aplicado, visto que os empreendedores têm a liberalidade de ajudar ou não o comprador, levou muitos a tomarem a decisão de perder os pagamentos efetuados, o que seria menos oneroso do que pagar 30% do valor do imóvel a título de multa, e outras despesas. O pânico estabeleceu-se não só entre especuladores que não têm fundos para continuar efetuando pagamentos e apenas desejavam um bom lucro com o prêmio, mas também a usuários finais em dificuldades financeiras devido à crise, tais como pessoas que perderam seus empregos e não podem honrar seus contratos.

A Circular Administrativa de 10/11/08 também gerou discussões no meio jurídico. Alega-se que a Law 13, sancionada pela mais alta autoridade de Dubai (HH Sheikh Mohammed Bin Rachid Al Maktoum, Vice- Presidente e Primeiro-Ministro dos Emirados Árabes Unidos e Governador de Dubai), não pode ser modificada ou complementada por uma Circular Administrativa do Departamento da Terra, que poderia apenas esclarecê-la. As discussões prosseguem em outros âmbitos, tais como a data da entrada em vigor da supra referida lei e das modificações introduzidas pela circular, bem como o conflito com a lei federal conhecida como UAE Civil Transactions Law.

Sem dúvida nenhuma, o que as autoridades de Dubai e empreendedores (muitos em fusão para enfrentar o novo cenário econômico) estão buscando é um mercado maduro e regulado. Entretanto, diante de toda essa instabilidade, tanto econômica quanto jurídica, a situação para investidores e compradores não está muito encorajadora, muito embora, dizem os otimistas, Dubai seja o melhor lugar do mundo atualmente para investimentos imobiliários.

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*Advogada brasileira residindo em Dubai





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