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Lei de PPP versus a Lei de licitação

O marco regulatório moderno das contratações públicas brasileiras é a Lei nº 8.666/1993 (Lei de licitação e contratos públicos), posteriormente complementada pela Lei de concessões (Lei nº 8.987/1995).

quarta-feira, 24 de novembro de 2004

Atualizado em 23 de novembro de 2004 09:49

Lei de PPP versus a Lei de licitação


Renato Poltronieri*

O marco regulatório moderno das contratações públicas brasileiras é a Lei nº 8.666/1993 (Lei de licitação e contratos públicos), posteriormente complementada pela Lei de concessões (Lei nº 8.987/1995). Ambas unificaram as regras sobre contratação pública no desempenho de suas funções e na prestação de serviços públicos. Contudo, a demanda nacional por construção e manutenção da infra-estrutura estratégica alcançou níveis maiores do que poderiam ser previstos na realidade sócio-econômica da época em que as leis foram elaboradas.

O Projeto de lei no 2.546/2003 (Parceria público-privada) traz em seu texto a idéia de complemento daquele marco regulatório sobre contratação pública, melhorando as condições contratuais da Administração em relação à infra-estrutura nacional e de prestação de serviços de interesse público, sempre com o objetivo de beneficiar a população em geral, com o menor custo pelo que receber.

Nesse contexto compara-se o atual marco regulatório da contratação pública com o que foi inicialmente proposto no Projeto de lei das PPPs. Como se trata de proposta legislativa, algumas alterações são possíveis. Ainda que ocorram, provavelmente, não diminuirão a utilidade dessas modestas comparações:

1. As PPPs terão como objeto, em resumo (i) a prestação ou exploração de serviço público; (ii) atividade de competência da Administração pública; e (iii) a execução de obra para a administração pública, independentemente da sua destinação: prestação de serviços/atividade, alienação, locação ou arrendamento à administração pública. Já a Lei de licitação e contratos públicos tem como objeto obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações para a administração. O objeto da Lei de concessão, em geral, é justamente a concessão de serviços públicos e obras públicas e permissões de serviços públicos.

2. O prazo de vigência dos contratos de PPP é limitado a 35 (trinta e cinco) anos. Na Lei de licitação o prazo é de, no máximo, 5 (cinco) anos. Já a Lei de concessão é mais flexível e permite que o prazo contratual seja determinado no edital de licitação, excluindo-se áreas específicas, como por exemplo no setor de energia elétrica que possui regramento próprio.

3. Sobre a responsabilidade no contrato de parceria, o Projeto de lei inova repartindo-a entre o parceiro privado e o parceiro público. Diferentemente, no contratos regidos pela Lei de licitação, o contratado (em geral, pessoa jurídica de direito privado-PJDP) é responsável pelos danos causados diretamente à Administração ou a terceiros, decorrentes de sua culpa ou dolo na execução do contrato, além de ser responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato. No contrato de concessão, a concessionária (idem, PJDP) responde por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade.

4. A distribuição equânime (em tese) entre os parceiros (público e privado) também se estende aos riscos do negócio (parceiro privado) e qualidade e eficiência da obra/serviço (parceiro público). Hipoteticamente vislumbra-se a possibilidade de repartir-se os riscos de acordo com a capacidade dos parceiros em suportá-los. Nos contratos originários da Lei de licitação e da Lei de concessão os riscos do negócio e obra/serviço são assumidos inteiramente pelo contratado (em regra, PJDP). Nessas condições, o texto do Projeto de lei pretende garantir maior atrativo para os potenciais parceiros privados.

5. A remuneração do parceiro privado é outro ponto de complemento do atual marco regulatório. Ela poderá variar conforme o objeto da parceria, se ajustando conforme as necessidades do contrato e do que está sendo contratado, como ordem bancária; cessão de créditos não tributários; outorga de direitos em face da administração pública; outorga de direitos sobre bens públicos; ou outros meios admitidos em lei.

Evidente que a parceria deverá ser vantajosa, essencialmente, ao parceiro privado que deverá receber satisfatoriamente a retribuição pelo que investir, pela natureza econômica de sua existência. O projeto de lei estipula que o prazo de vigência do contrato administrativo deverá ser compatível com a amortização dos investimentos realizados pelo parceiro privado. Ponto positivo para as parcerias.

6. Ponto polêmico do Projeto de lei de PPPs é sobre a estipulação das garantias do parceiro privado. Diante da repartição das responsabilidades dos riscos da parceria, bem como da variação da forma de remuneração, questionou-se a previsão de garantias como a vinculação de receitas e instituição ou utilização de fundos especiais para aquela finalidade. Inclusive, prevendo a extensão das garantias em favor da entidade financiadora do projeto de parceria. Tais garantias são distintas (maiores) das previstas para os contratos constituídos pela Lei de licitação e de concessão (caução, seguro-garantia, ou fiança bancária). Contudo, deve-se ter em conta, como pressuposto crítico, que o contrato de parceira, conforme previsto, possui constituição distinta daqueles, podendo ser todo ele financiado pelo parceiro privado.

7. A contratação do parceiro privado, em rigor seguirá os mesmos trâmites de contratação pela Lei de licitação, que terá parte se seus artigos aplicados, como acontece para a contratação de concessionário público. Contudo, diferentemente da legislação atual, qualquer interessado poderá propor projeto de PPP e participar da respectiva licitação, que sempre será precedida de audiência pública para oferecimento de sugestões e críticas ao projeto. Vale ressaltar inda duas inovações em relação ao atual marco legal: (i) a necessidade, como condição para celebração do contrato de PPP, de constituição de sociedade de propósito específico para implantar ou gerir o objeto do contrato, com adoção de contabilidade e demonstração financeira padronizadas; e (ii) a possibilidade da adoção da arbitragem para solução dos conflitos decorrentes da execução do contrato. Essa segunda novidade é seguramente o ponto mais importante de distinção com a atual legislação brasileira, que, conservadoramente, rejeita a arbitragem para cuidar dos Contratos administrativos em geral.

8. No tocante às hipóteses de vencimento antecipado da parceria público-privada, elas poderão ser definidas (com certa liberdade) no contrato de parceria, diferentemente dos contratos regidos pela Lei de licitação e de concessão, cujas hipóteses de rescisão (vencimento antecipado) estão previamente estipuladas, como o não cumprimento ou cumprimento irregular das cláusulas contratuais, atraso injustificado do início do cumprimento do objeto contratado, decretação de falência, insolvência civil ou dissolução da PJDP, razões de interesse público, dentre outras.

9. As penalidades nas parcerias público-privadas serão determinadas contratualmente, aplicáveis tanto à Administração pública quanto ao parceiro privado, de forma equilibrada, na hipótese de inadimplemento das obrigações contratuais, como parcialmente se permite fazer, com menos liberdade, nos contratos de concessão. Essa tendência vem complementar o marco regulatório atual (como no caso do vencimento antecipado do contrato de parceria) cujas penalidades para os contratos regidos pela Lei de licitação estão previamente definidas na legislação, como aplicação de multa de mora, suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração.

10. Por fim, no que diz respeito à fiscalização do cumprimento das parcerias contratadas, o projeto prevê como competentes para tal função os Ministérios e as agências reguladoras, nas suas respectivas áreas de competência. No contrato regido exclusivamente pela Lei de licitação, sua execução é acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição. E na concessão, a fiscalização do serviço será feita por intermédio de órgão técnico do poder concedente ou por entidade com ele conveniada, e, periodicamente, conforme previsto em norma regulamentar, por comissão composta de representantes do poder concedente, da concessionária e dos usuários.

Como é possível concluir, o objetivo das PPPs é incentivar o investimento privado em setores e serviços tidos como de interesse público, assegurando condições ao parceiro privado e seus financiadores de investirem e receberem os lucros de sua ação, ao mesmo tempo que garante a adequação da obra ou prestação do serviço. A finalidade é essencialmente de natureza e interesse públicos, mas os recursos são privados. Equilibrar essa relação é a difícil tarefa do projeto de lei em comento.

Assim, a aprovação do PL 2.546/03, com todas as reflexões críticas que está sujeito o novo instituto, mostra-se como complemento do atual marco regulatório e oportuno diante da das necessidades de infra-estrutura estratégica do País. Ao que tudo indica, a nova norma será aprovada, garantindo o avanço nas formas e condições para as contratações públicas, partindo-se da atual experiência reguladora brasileira.
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  • Clique aqui e confira a Lei nº 8.666/93 (Lei de licitação e contratos públicos)

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* Advogado do escritório Demarest e Almeida Advogados









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