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Aqui vai um alerta ao Brasil: RE 461366

João Fleury

A Primeira Turma do STF decidiu, no Recurso Extraordinário nº 461366, com trânsito em julgado em 30/9/08, que o Banco Central não pode violar o sigilo bancário do cidadão (Migalhas 1.711), trazendo entendimento diverso de prática que vem sendo levada a efeito pelas autoridades financeiras do país, principalmente a Receita Federal, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e o próprio Bacen, desde a edição da lei 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro e criação do COAF - Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Atualizado em 18 de junho de 2009 13:11


Aqui vai um alerta ao Brasil: RE 461366

João Fleury

A Primeira Turma do STF decidiu, no RE 461366 (clique aqui), com trânsito em julgado em 30/9/08, que o Banco Central não pode violar o sigilo bancário do cidadão (Migalhas 1.711 - "Migas - 3" - clique aqui), trazendo entendimento diverso de prática que vem sendo levada a efeito pelas autoridades financeiras do país, principalmente a Receita Federal, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e o próprio Bacen, desde a edição da lei 9.613/98 - clique aqui (Lei de Lavagem de Dinheiro e criação do COAF - Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

A ementa da decisão diz: "Sigilo de dados - Atuação fiscalizadora do banco central - Afastamento - Inviabilidade. A atuação fiscalizadora do Banco Central do Brasil não encerra a possibilidade de, no campo administrativo, alcançar dados bancários de correntistas, afastando o sigilo previsto no inciso XII do artigo 5º da CF/88 (clique aqui)."

A se considerar o teor da lei 9.613/98, todos os resultados da ação fiscalizadora do COAF se dão no campo administrativo e tem por escopo a ciência, pelo Poder Executivo, dos dados bancários sigilosos do cidadão, o que enseja a imprestabilidade de todas as informações daí decorrentes, enquanto elementos de formação de conjunto probatório, para efeito processual ou enquanto elementos ensejadores da ação do Poder Público contra o cidadão, em decorrência do disposto o inciso LVI do artigo 5º da CF/88, vez que a previsão legal diz que é vedada no processo a prova obtida por meio lícito, o que se configura pela violação aos incisos X e XII do mesmo artigo da Constituição, na medida em que é ausente a ação do Poder Judiciário e, portanto, inexistente a expressão das garantias individuais constitucionais ao cidadão.

Ora, ainda que se tenha em mente que esta atividade busca a coleta de indícios de atividade ilícita, sua prática significa infração à vedação da violação de sigilo bancário trazida no artigo 38 lei 4.595/64 (clique aqui), que, pelo teor da decisão ora analisada, não foi revogada pela LC 105/01 (clique aqui), posto que a Corte Constitucional dá indícios de que a tentativa de, na prática, obter sua revogação, a final, deve se mostrar como desastroso movimento da máquina administrativa, que segue em rota de colisão aos princípios basilares do Estado Democrático de Direito alcançado pelo Brasil - diga-se, a tão alto custo - e que, apesar de sua recusa pela classe dirigente, são legítimos e inafastáveis para a manutenção da Ordem Pública.

Ao rechaçar a possibilidade de cognição de dados bancários sigilosos, em sede de procedimento administrativo, a Primeira Turma do STF dá claros sinais de que o entendimento da Corte Suprema é pela preservação da ordem estabelecida pela Constituição Federal em 1988, mostrando-se o movimento do Executivo, iniciado pela edição e prática do conteúdo da lei 9.613/98, absolutamente temerário a todos os Agentes Públicos que o praticaram, em função da restrição à essa corriqueira violação de sigilo bancário, que é coisa muito diferente da quebra de sigilo bancário judicialmente decretada.

A ciência da intimidade do cidadão pelo Poder Público, sem o devido processo legal, sem a possibilidade da ampla defesa e do direito ao contraditório, significa a violação da essência da Constituição Federal que tem por princípio inicial a cidadania. Tudo no Brasil Democrático vem depois, e tem menos importância, que a cidadania, que é garantida por um sistema que tem por base fundamental as garantias individuais trazidas no artigo 5º, sua aplicabilidade tratada em seu parágrafo 1º, sendo o dever de ofício de sua guarda pelos agentes públicos imposto pelo inciso I, do artigo 23.

Após a garantia da soberania nacional, tratada no inciso I, do artigo 1º, vem a cidadania no inciso II, deixando inequívoco no sistema, pela aplicação do Princípio da Organicidade da Lei, que todo e qualquer movimento do Poder Público, que tenha seu início ou sua finalidade no desrespeito aos direitos e garantias individuais, vai contra a essência da Constituição. Se, por um lado, os direitos e garantias individuais não têm um caráter absoluto, por outro, a exceção somente pode se verificar pela atividade da totalidade do Estado, posto que a nenhum agente público, isoladamente, é dado fazer prevalecer o interesse público sobre o particular, segundo seu próprio entendimento ou iniciativa isolada, sendo tal mister somente alcançado pelo exaurimento da atividade estatal, que se dá pela atuação do Poder Judiciário.

Vale dizer que para que haja qualquer exceção nos Direitos e Garantias Individuais, elencados na CF/88, é necessário que, além da previsão legal trazida pela ação do Poder Legislativo e da iniciativa do Poder Executivo, haja ainda o controle da atividade do Governo, pelo próprio Estado, nas mãos do Poder Judiciário, na forma expressa pelo Direito Processual. Isto porque a própria CF/88 expressa que o Poder do Estado não é de titularidade do Agente Público, mas sim do cidadão. O Agente Público exerce o poder estatal por mandado eletivo, quer pelo voto direto ou por concurso, colocando-se, com relação ao cidadão, na posição de seu mandatário, sendo que aquele que age em nome do titular não tem conexão mais próxima do mandato que o próprio titular, podendo ser alijado de sua função pelo simples exercício do poder principal ou originário, conforme a expressão do parágrafo 1º, do artigo 1º, da Carta Magna, que não deixa qualquer margem à dúvida nesse sentido.

Diante de tal situação é uma questão de tempo (e oportunidade processual) até que nova realidade, a da expressão da verdade constitucional, comece a surgir no cenário nacional, no quotidiano do cidadão, não sem deixar profundas marcas advindas dos erros sucessivos dos Governos que imprudentemente - e ilegalmente - têm se assenhoreado da titularidade da vida do cidadão, e de seus empreendimentos sociais, ao penetrar ilicitamente em sua intimidade financeira, aparentemente, sob o velho jugo da "sanha arrecadatória dos publicanos".

Se, por um lado, é desejável e saudável para o Estado Democrático de Direito que se tenha um Estado forte e atuante, por outro, a desmedida do poder estatal nas mãos do Governo causa indesejáveis e desastrosos efeitos, mormente pela margem que dá aos abusos e desvios que sempre acabam por se verificar. Dizia um velho professor que "o Governo está para o corpo social assim como as sobrancelhas estão para o corpo físico, a servir como reguladores da luz para a visão apropriada da realidade, que, se crescidas em demasia, embotam a visão, fazendo-se perder o rumo, sendo inevitáveis o tropeço e o tombo". E somente pela ação eficaz do Sistema Judiciário se pode ter uma regulação do poder estatal, presente nas mãos do Governo.

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*Advogado do escritório Fleury Advogados Associados





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