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Os Fundos de Investimento e a responsabilidade objetiva no novo Código Civil

Eduardo Montenegro Dotta

Com a edição do Novo Código Civil, relevantes alterações interferiram na normatização e na interpretação da legislação privada, impondo a revisão de inúmeros conceitos sedimentados pela doutrina e pela jurisprudência.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2005

Atualizado em 13 de dezembro de 2004 09:21


Os Fundos de Investimento e a responsabilidade objetiva no novo Código Civil


Eduardo Montenegro Dotta*

Com a edição do novo Código Civil, relevantes alterações interferiram na normatização e na interpretação da legislação privada, impondo a revisão de inúmeros conceitos sedimentados pela doutrina e pela jurisprudência. Das modificações impostas ao direito civil, destacamos no campo da responsabilidade, a responsabilidade objetiva decorrente do desempenho de atividades de risco (parágrafo único do art. 927), antes tratada somente por legislações específicas.

O argumento principal para a adoção da responsabilidade objetiva encontra seu fundamento na teoria do risco criado, pela qual aquele que se dispõe a explorar uma atividade potencialmente geradora de riscos para terceiros, aceita o encargo de responder, independentemente da sua culpabilidade, pelos danos gerados. Nesses casos, tem-se que, dado o jaez da atividade em questão, não haveria porque se exigir do lesado, inclusive em face da dificuldade probatória a ser imposta ao mesmo, que comprove o agir irregular do agente. Como a atividade é em si arriscada, justifica-se, em caso de dano, responsabilizar o seu explorador de forma objetiva (v.g. das atividades nucleares.

De certo, contudo, que nem toda atividade que implique em riscos para os direitos de outrem, dá lugar à responsabilidade objetiva. Pensamos, neste particular que, somente em situações de risco substancial e inesperado é que teria lugar a responsabilidade objetiva, haja vista que qualquer atividade embute em si algum grau de risco.

Nessa toada, para os fundos de investimento, entendemos ser desarrazoado e desastroso pensar-se na responsabilização de seus administradores com base na teoria da responsabilidade objetiva. Explicamo-nos.

A atual estrutura regulatória dos fundos de investimento (c.f. Instrução CVM nº 409/04), dispõe uma série de obrigações a serem cumpridas pelos administradores de fundos de investimento, destacando-se aquelas que se voltam à defesa dos interesses do público investidor, com grande ênfase ao dever de transparência, que remete aos administradores a obrigação de revelar - pela descrição da política de investimentos - aos investidores todo o conhecimento necessário para que a decisão de adesão ou de retirada de determinado fundo possa se adequar ao perfil de exposição procurado pelo poupador.

Cumprindo o dever de transparência, o administrador do fundo revela ao mercado quais as aplicações nos mercados financeiros, de capitais e de futuros que comporão a carteira criada, de forma a permitir a conhecimento da classificação do fundo em questão, transparecendo aos investidores o grau do risco a ser experimentado, caso estes optem pela integralização de cotas daquele fundo. Não chega, contudo, a regulamentação a dispor a responsabilidade objetiva destes. Inversamente, impõe normas de conduta cuja desobediência poderá implicar em responsabilização, do que se abstrai - dada a presença indispensável do elemento culpa - evidente incidência da responsabilidade subjetiva.

Da regulamentação do setor, se deduz, outrossim, que a obrigação contratada com os administradores é unicamente de meio, pelo que estes se comprometem a envidar os melhores esforços, conhecimentos e experiência adquirida, na busca dos melhores resultados para o fundo, sem, contudo, o que lhe é inclusive vedado, obrigar-se a necessariamente alcançar determinado resultado. De sorte que, a rentabilidade não encontra-se garantida pelo mesmo.

Sendo assim, mesmo que se pondere que a atividade normalmente desempenhada pelo administrador de fundos de investimento envolve risco, o risco em questão não é manipulável e nem assumido pelo mesmo, na medida em que se encontra diretamente relacionado a condições de mercado, nem é assumido, pois a eleição da opção de investimento não é por ele exercida e sim pelo investidor, quem efetivamente dispõe-se a suportar o risco correlato ao retorno do investimento realizado.

Não podemos perder de vista que a responsabilidade objetiva tem aplicabilidade justificável para aquelas atividades em que o explorador desfruta de condições de levar a cabo o seu empreendimento, ainda que seja responsável objetivamente por eventuais danos, socializando as perdas experimentadas. No caso dos fundos tal não ocorre, posto que a responsabilização objetiva, poderá implicar na necessidade de prestar indenização em qualquer situação em que o cotista sinta-se prejudicado, em certos casos dito desembolso poderá suplantar a capacidade financeira do administrador.

Finalmente, sob o prisma jurídico-econômico a responsabilização objetiva dos administradores de fundos, além de implicar na inviabilização de sua indústria, produzirá efeitos funestos para os próprios poupadores, que terão reduzidas as possibilidades de empregar rentabilidade às suas economias, prejudicando a mobilidade da poupança nacional, o desenvolvimento econômico, e, também para a própria higidez do sistema financeiro nacional, dado que qualquer evento prejudicial, poderá implicar em desencaixes de capital, não raras vezes elevados, sem que a instituição possa precaver-se de modo a evitar tal ocorrência, visto que não controla o fator aleatório que impregna a formação dos preços de mercado.

Analisando sistematicamente os argumentos acima sopesados, temos para nós que a responsabilidade dos administradores de fundos de investimento no NCC é de natureza subjetiva, não remanescendo argumentos quer jurídicos, quer econômicos que justifiquem a sua responsabilização sem culpa.
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*Advogado do escritório Magno Advogados Associados






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