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Nativos digitais: quem são e o que querem? (Parte II)

Ambiente de trabalho lúdico. Na sua coluna dominical de 27.09.09 (Folha de S. Paulo, p. C9) o consagrado jornalista Gilberto Dimenstein analisou uma pesquisa feita pela psicóloga Sofia Esteves, que é presidente da Cia. de Talentos. A pesquisa foi feita com 31 mil universitários, que são nativos digitais plenos (já nascidos na era da internet) ou semi-plenos (jovens que se incorporaram à era da internet).

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Atualizado em 28 de outubro de 2009 10:37


Nativos digitais: quem são e o que querem? (Parte II)

Luiz Flávio Gomes*

Ambiente de trabalho lúdico. Na sua coluna dominical de 27/9/09 (Folha de S. Paulo, p. C9) o consagrado jornalista Gilberto Dimenstein analisou uma pesquisa feita pela psicóloga Sofia Esteves, que é presidente da Cia. de Talentos. A pesquisa foi feita com 31 mil universitários, que são nativos digitais plenos (já nascidos na era da internet) ou semi-plenos (jovens que se incorporaram à era da internet). Um dos dados dessa pesquisa revelou que uma boa parcela desses nativos digitais possui grande dificuldade para se encontrar no trabalho (ou seja: não se adaptam ao trabalho). Perto de 15% não suportam a pressão e desistem no primeiro ano. Cerca de 14% acham que não devem ficar em nenhuma empresa mais de quatro anos; 51% não suportariam mais de dez anos numa mesma empresa.

Nada sabemos (estatisticamente) sobre a quantidade de jovens de outras gerações que passaram pelos mesmos problemas de adaptação no primeiro trabalho. Mas parece bastante plausível concordar com a ideia de que o nativo digital esteja encontrando mais dificuldade que a geração precedente, pelo seguinte: o nativo digital está tendencialmente propenso a ter uma ideia lúdica sobre o trabalho ou mesmo sobre o ambiente de trabalho.

Quais são as quatro razões (principais) para se abandonar o emprego:

a) falta de desenvolvimento profissional (não se vê perspectiva de crescimento, de evolução);

(b) falta de um ambiente de trabalho agradável;

(c) falta de qualidade de vida e

(d) problema salarial.

Que se extrai de tudo isso? O seguinte: o jovem quer ver (ou está vendo) a empresa como um espaço de lazer (que lhe proporcione bem-estar). O ambiente de trabalho deveria se aproximar de um clube recreativo, favorecedor da criatividade. Deveria ser algo lúdico, aprazível. A visão das empresas, entretanto, não é essa.

No século XX o modelo desenvolvido pelas empresas de sucesso foi outro: o do serious business. Parece não haver dúvida que é um modelo que funciona, que apresenta êxito. Pelo menos foi esse o estereótipo que o (sucesso) norteamericano (durante praticamente todo o século passado) procurou difundir para todo o planeta. Só recentemente é que algumas empresas vêm questionando duramente esse homem (ser humano) de gravada (ou de terninho), com cara carrancuda, compenetrado, nível altíssimo de estresse, cuja produção não foge nunca do Times New Roman 12 ou 14.

Serious business ou diversão? Estamos diante de um conflito geracional? Parece não haver dúvida nenhuma de que sim. Como bem sintetizou Dimenstein:

"o que para o jovem é um prazer (quase uma diversão), para a empresa significa falta de disciplina, falta de empenho (incapacidade de enfrentar dificuldades), quebra de hierarquia. O choque é inevitável, daí o abandono dele do trabalho. O jovem não estaria preparado para enfrentar dificuldades, não contaria com grande capacidade de resiliência, não estaria disposto a ouvir um "não" e, ademais, se aborrece rapidamente".

De onde vem a imagem lúdica e irreverente (do nativo digital) sobre o ambiente de trabalho? É preciso trabalhar de gravata? O sujeito não pode trabalhar de jeans e de camiseta? Por que não posso trazer meu cachorro ao local de trabalho? E a prancha de surf? Que tal uma mesa de ping-pong no local do trabalho? E o que dizer de um tobogã que possa conectar todos os andares do edifício?

É bem provável que a origem de tudo isso sejam as jovens empresas californianas de informática, que nasceram na década de 80 (cf. Jáuregui e FDamián Fernández, Alta diversion, Barcelona: Alienta, 2008). Esse modelo nada tradicional se incrementou com a revolução da internet e dos telefones celulares, nos anos 90. Vários segmentos da era informacional e comunicacional não se limitaram a revolucionar o modo de viver (tecnologicamente) no nosso planeta, mais que isso, provocaram uma reviravolta também na maneira de se trabalhar, de se comportar, de se relacionar, de produzir e de criar. Cultivam novos valores. Estão rompendo com o modelo clássico.

A diversão passou a ser um precioso valor, inclusive e sobretudo no ambiente de trabalho. O toque característico é a informalidade. O movimento fun at work (diversão no trabalho) está cada vez mais difundido.

O nativo digital, que já introjetou tudo isso na cabeça, chega no seu primeiro ambiente de trabalho e se decepciona (de um modo geral). Por quê? Porque ele fica pensando o tempo todo no ambiente Google de trabalho, onde os e as googlers trabalham divertidamente, de camiseta e jeans, pufs para descansar, pebolim para jogar etc. Segue-se, no google, a regra 70-20-10: 70% do tempo de trabalho devem ser dedicados ao empreendimento principal da empresa, 20% para novos produtos e 10% para desenvolver qualquer ideia criativa. Google hoje é a empresa mais valiosa do mundo. A que cresceu mais rapidamente no mundo. Você acha isso pouco?

Na Southwest Airlines as viagens são divertidas, os comissários (comissárias) brincam com os passageiros, cantam, zombam, se divertem (e divertem as demais pessoas). É um novo modelo de relacionamento profissional. Mas todas as empresas estão preparadas para isso? Claro que não, de qualquer modo deveriam estar pensando no assunto porque a atual e as futuras gerações de trabalhadores estão surfando em outra onda mas podem ser produtivas tanto quanto os trabalhadores de antigamente. E como conciliar hierarquia com liberdade? Trabalho com diversão? Gravata com camiseta e jeans? Eis alguns dos desafios da empregabilidade no século XXI.

Mas com diversão ou sem diversão, o jovem nativo digital deveria também estar prestando atenção no seguinte: a vida é difícil (com ou sem diversão). Só deixará de ser em grande parte se você parte da premissa de que ela é efetivamente difícil. Sucesso não cai das nuvens nem brota da terra. Sucesso não é chuva nem grama.

Eis então mais um segredo do sucesso, nas palavras de Scott Peck (citado por Faya Viesca, Palabras de poder, México: Joyas Editoriales del Mundo, 2007):

"A maior parte das pessoas não compreende cabalmente esta verdade de que a vida é difícil. Vivem lamentando ruidosa e delicadamente a enormidade dos seus próprios problemas, do peso que eles representam, de todas as suas dificuldades, como se a vida fosse em geral uma aventura fácil, como se a vida devesse ser fácil. Essas pessoas manifestam suas crenças, de maneira ruidosa ou sutil, de que suas dificuldades representam um tipo único de desgraça que não deveria recair sobre elas, mas de alguma maneira acabou se despejando sobre elas ou sobre sua família ou sobre sua cidade, estado ou país, sua classe, sua raça etc."

Nativos digitais, fiquem atentos: com diversão ou sem diversão, a vida e o trabalho não são nada fáceis. Mas se você crê que tudo é muito fácil, com certeza, vai se deparar com muito mais dificuldade, porque sua crença é irreal e irracional. Pense nas dificuldades, saiba lidar com elas, porque elas fazem parte do nosso cenário vivencial, que também é constituído, claro, de prazeres, êxitos e alegrias. Avante!

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*Diretor Presidente da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes







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