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Inversão de fases e saneamento do processo de licitação: inovações para os Estados?

Juliana Bonacorsi de Palma

Pende de julgamento no STF ADIn 4.116 contra lei 13.121, de 7 de julho de 2008, editada pelo Estado de São Paulo para estabelecer as regras da inversão de fases e de saneamento nos processos de licitação conduzidos pela Administração Pública paulista.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Atualizado em 19 de maio de 2010 13:51


Inversão de fases e saneamento do processo de licitação: inovações para os Estados?

Juliana Bonacorsi de Palma*

"O texto resulta da discussão em torno do artigo na aula de Direito Administrativo I da Direito GV, ministrada pelo Prof. Carlos Ari Sundfeld. A autora agradece as valiosas contribuições recebidas dos alunos, essenciais para a reflexão em torno do tema."

Pende de julgamento no STF ADIn 4.116 (clique aqui) contra lei 13.121, de 7 de julho de 2008 (clique aqui), editada pelo Estado de São Paulo para estabelecer as regras da inversão de fases e de saneamento nos processos de licitação conduzidos pela Administração Pública paulista (atualmente regidos pela lei 6.544/89 - clique aqui). Trata-se de um julgamento de inestimável importância, pois não há precedentes no STF que debatam a constitucionalidade das leis estaduais que prevejam inversão de fases e saneamento nas licitações. Caso a lei paulista 13.121/08 seja declarada constitucional, ficará sedimentado um importante precedente para que outros Estados também prevejam os referidos mecanismos processuais em suas leis de licitações, o que modificará sensivelmente o cenário das contratações públicas no Brasil.

A CF/88 (clique aqui) estabelece competências legislativas distintas conforme a abrangência da norma que disponha sobre licitação. Há um primeiro regime com relação às normas gerais sobre licitações e contratos administrativos, de competência privativa da União Federal, nos termos do art. 22, inc. XXVII, da Constituição. As normas específicas sobre licitações públicas, por sua vez, encontram-se compreendidas na competência concorrente entre União, Estados e Municípios. Dessa forma, a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

A questão central da ADIn 4.116 está em delimitar a abrangência da competência suplementar do Estado de São Paulo para dispor sobre o tema das licitações públicas. Importa verificar se as inovações questionadas - inversão de fases e saneamento do processo licitatório - consistem em normas gerais de licitação, que predicariam a competência privativa da União para legislar estabelecida em sede constitucional. Importa também verificar se a previsão da inversão de fases e do saneamento caracterizariam uma nova modalidade de licitação, o que incorreria em semelhante vício formal de usurpação de competência federal.

Pela inversão de fases no processo de licitação tem-se a mudança da ordem de análise dos envelopes referentes aos documentos de habilitação e de proposta, de forma que antes da análise da qualificação dos proponentes as propostas são analisadas e julgadas. Somente o envelope contendo os documentos de qualificação referente à proposta vencedora é, na etapa subsequente, aberto para verificar se houve atendimento a todos os requisitos previstos no edital que comprovem a capacidade jurídica, a qualificação técnica, a qualificação econômico-financeira e a regularidade fiscal do proponente.

Esta inovação no procedimento licitatório foi primeiramente prevista no âmbito da Anatel e hoje é considerada uma verdadeira tendência no Direito Administrativo brasileiro, tendo em vista a edição da lei do pregão, da definição de estatutos jurídicos específicos (a exemplo do estatuto de licitações da Petrobras), das licitações em matéria de concessão e mais recentemente de leis estaduais, todas contendo previsão da inversão de fases.

Quanto ao saneamento na licitação, tem-se a possibilidade de irregularidades meramente formais, que não comprometam o regular desenvolvimento do processo e nem a dinâmica de escolha da proposta mais vantajosa à Administração Pública, serem sanadas de acordo com um procedimento previamente disciplinado na lei de regência da licitação. No caso da lei paulista, o saneamento pode proceder-se tanto por ato próprio da comissão de licitação, que promova a correção das irregularidades formais fundamentadamente, quanto pela abertura de prazo de até três dias para que o licitante corrija a irregularidade, a exemplo da apresentação de cópia autenticada da cédula de identidade esquecida.

Em ambas as inovações constata-se a preocupação com o resultado eficaz da licitação, que efetivamente permita a seleção da proposta mais vantajosa pela Administração Pública com economia de tempo e custos. De fato, a inversão de fases diminui a burocracia na licitação e reduz sensivelmente o tempo de tramitação do processo, já que apenas um invólucro de habilitação será, a princípio, analisado. Como decorrência desta solução simples, recursos públicos são poupados e a licitação tem um desfecho mais célere em benefício aos negócios públicos, com ganhos para o Poder Público e para os particulares. De semelhante forma, o saneamento diminui os custos da licitação ao mitigar o formalismo para comprovar sua habilitação. Pela possibilidade de correção de irregularidades meramente formais, que não comprometam o devido processo legal da licitação, impede-se a exclusão de potenciais vencedores da licitação por contingências formais, aumentando-se, assim, as chances de a Administração selecionar a proposta que lhe é mais vantajosa pela maior competitividade.

Além de a inversão de fases e o saneamento da licitação levarem à diminuição dos custos para celebração do contrato administrativo, ambos concernem ao procedimento da licitação. Tal elemento mostra-se relevante na medida em que configura critério hábil a delimitar a competência suplementar dos Estados para disciplinar a licitação em suas esferas de atuação. O procedimento licitatório corresponde ao itinerário da licitação, isto é, à sucessão de atos que conduzem à adjudicação do licitante vencedor para formalização do contrato administrativo. Uma vez que as referidas inovações trazidas pela lei estadual 13.121/08 referem-se apenas ao procedimento licitatório, sem incorrer em limitação dos licitantes interessados em participar da competição e nem em definição de novo critério de julgamento, ambas encontram-se no rol de competência concorrente entre União e Estado de São Paulo para dispor sobre licitação.

Ressalte-se que o art. 24, inc. XI, da Constituição Federal determina competência concorrente entre União e Estados para dispor sobre procedimentos em matéria processual, tal qual se procede no presente caso com a inversão de fases e o saneamento do processo.

Assim, muito embora o art. 1º da lei 8.666/93 (clique aqui) determine que a lei "estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios", a referida lei não possui incidência nacional, pois contém dispositivos gerais e específicos, estes exclusivamente de incidência federal. Os procedimentos especificados para as diferentes modalidades na lei 8.666/93, assim como para os tipos de licitação, restringem-se, portanto, ao âmbito federal nos casos em que os Estados disponham de seu próprio procedimento de contratações públicas.

A inversão de fases e o saneamento dos processos de licitação, ambas inovações revolucionárias nas contratações públicas, dizem respeito apenas ao procedimento licitatório. São inovações úteis à eficiência nas contratações públicas, que ganham em celeridade e economia de custos e, portanto, bem-vindas aos Estados.

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*Pesquisadora da Direito GV

 

 

 

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