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O novo Regulamento Aduaneiro e os Acordos GATT

Ricardo Thomazinho da Cunha

A multa de 30% sobre o valor da mercadoria foi mantida pelo recém editado Regulamento Aduaneiro, apesar de tal punição ter caráter notadamente confiscatório e atentar contra o Acordo sobre Procedimentos para o Licenciamento de Importações do GATT.

terça-feira, 18 de março de 2003

Atualizado em 1 de abril de 2003 11:49

O novo Regulamento Aduaneiro e os Acordos GATT - multa de 30% na inexistência de licença de importação

Ricardo Thomazinho da Cunha*

A multa de 30% sobre o valor da mercadoria, no caso de falta de Licença de Importação (LI) no desembaraço aduaneiro, foi mantida pelo recém editado Regulamento Aduaneiro (Decreto 4543 de 27/12/02), apesar de tal punição ter caráter notadamente confiscatório e atentar contra o Acordo sobre Procedimentos para o Licenciamento de Importações do GATT.

Os fiscais da aduana têm aplicado a multa, como vimos recentemente em caso no qual determinada empresa importou mercadoria e, por engano, classificou o bem erroneamente, fato comum no comércio internacional. Aplicou-se multa pelo erro na classificação da mercadoria (1% do valor do bem) e multa de 30% do valor da mercadoria, pela inexistência de LI para a nova classificação.

Como fundamentação jurídica da multa de 30%, o fiscal baseou-se no novo Regulamento Aduaneiro, artigo 633, inciso II, alínea a, o qual determina a aplicação da multa "pela importação de mercadoria sem licença de importação ou documento de efeito equivalente, inclusive no caso de remessa postal internacional e de bens conduzidos por viajante, desembaraçados no regime comum de importação".

É absurda a cobrança dessa multa, sendo totalmente ilegal diante da atual legislação do comércio exterior. Primeiramente, o Regulamento Aduaneiro, no artigo referente à multa, refere-se ao Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 169, inciso I, alínea b. Neste Decreto-Lei, não se fala de LI, mas sim do documento conhecido como Guia de Importação, cujas funções e características diferem da atual LI. Entendia-se por Guia de Importação, enquanto ainda válida, a autorização para importar, ou seja, sem ela não se importava. Sua ausência acarretava multa altíssima, de 30% sobre o valor da mercadoria.

Entretanto, com a implantação do Sistema Integrado de Comércio Exterior - SISCOMEX - e com a aprovação do Acordo Internacional sobre Procedimentos para o Licenciamento de Importações do sistema GATT/OMC, em 1º de janeiro de 1995, o mecanismo de autorização para importação alterou-se por completo. Conseqüentemente, extinguiu-se a "Guia de Importação".

Criou-se a LI que, na grande maioria dos casos, é gerida e emitida de forma automática pelo sistema eletrônico, com fins meramente estatísticos.

Explicando melhor, a LI cumpre função diversa da sua antecessora, a Guia de Importação, visto que a guia, além de meio de controle de entrada de produtos, era também instrumento de barreira não tarifária. Representava a autorização estatal para a mercadoria entrar no País. Se o governo não emitisse a guia, não haveria importação. Com a LI, isto não mais ocorre, pois o governo não tem mais o poder de decidir se emite ou não a licença.

Após a assinatura e ratificação dos acordos internacionais de comércio, dentre eles o GATT - Acordo Geral de Tarifas e Comércio, o Estado não pode mais impedir a entrada de produtos por meio de não concessão de autorizações de importação. Logo, o sistema de LI Automática, de modo diverso da Guia de Importação, tem função meramente estatística, conforme citado acima. Seu objetivo é contabilizar a entrada de mercadorias no território nacional, mas todas as licenças requeridas são obrigatoriamente emitidas (art. 2.1 do Acordo de Licenciamento). Sendo assim, não há mais motivo para a existência da multa, uma vez que a licença sempre é concedida, não se tratando de autorização no sentido estrito.

O próprio GATT proíbe expressamente multas relativas à LI com caráter abusivo. No acordo sobre licenciamento, proibiram-se todas as multas abusivas em caso de erros no procedimento de licenciamento de importações, inclusive naqueles referentes à classificação.

Nos casos em que não há necessidade de licença pré-embarque, e sendo ela automática, a mera reclassificação não pode ensejar a aplicação da multa de 30%. Como a LI é gerada automaticamente pelo SISCOMEX, no registro da Declaração da Importação, mesmo que a classificação estivesse errada, a mercadoria estaria amparada por uma LI, uma vez que ela é, repita-se, gerada automaticamente pelo sistema.

Existe, ainda, uma grande quantidade de julgados que determinam a inaplicabilidade da multa de 30%, caso o erro seja corrigido de forma a não lesar o Fisco. Sem falar no caráter confiscatório da multa, com valor tão elevado e descabido.

A atitude da aduana, na aplicação de uma multa tão elevada, ainda é resquício de um tempo no qual a importação era encarada como uma atividade quase ilícita. Diante dos acordos internacionais, da nova sistemática do comércio exterior e dos diferentes julgados, a multa deveria ter sido excluída do ordenamento jurídico brasileiro e do novo Regulamento Aduaneiro, adequando-o aos novos tempos e impedindo os fiscais da aduana a atuar de maneira descabida.

 

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*Doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo. Sócio do escritório Thomazinho, Freddo, Janduci Advogados

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