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Capitalismo, natureza humana e o Direito Ambiental

Em uma análise da lógica de consumo em que vivemos, o causídico aponta que o Direito Ambiental é prova da grandiosidade do espírito humano.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Atualizado em 3 de fevereiro de 2012 12:47

Eduardo Dietrich e Trigueiros

Capitalismo, natureza humana e o Direito Ambiental

É graças ao capitalismo que se tem o mundo tecnológico de hoje. Não é crível que a busca das vacinas e medicamentos tenha ocorrido senão pela busca do homem por lucro e satisfação de sua vontade de consumo, ou daqueles que financiaram e financiam, impulsionados pelo mesmo propósito, os abnegados cientistas encerrados em laboratórios.

O capitalismo explora um elemento básico da natureza humana, que é o de ser integrado mas desigual, o de vencer por méritos pessoais e o de acumular riqueza a partir da eficiência com que se luta em sociedade e com a sociedade, quase que como no modelo pensado por Hobbes.

E o capitalismo não produziu só a desigualdade vista a partir do neocolonialismo e, mais acentuadamente, com o modelo norte-americano do pós Segunda Guerra, que impõe a lógica de mercado que troca trabalho por consumo e consumo por produção e produção por progresso e progresso por bem-estar social. Produziu também a inversão perversa do modelo, gerando pobreza extrema nas "colônias" produtoras de matéria-prima e provedoras de mão de obra barata.

A lógica se estendeu para os estados, tornando ricos mais ricos e pobres mais pobres. Mas como toda empreitada humana, também esse processo tende a estagnar-se e encontrar seu ponto de equilíbrio, em que guerras já não geram riqueza bastante a compensar o desgaste que provocam ao sistema político de sustentação.

Também o crescimento demográfico, entre infinitos fatores que melhor sabem os economistas e sociólogos, contribuiu para que a necessidade de matéria prima elevasse seu valor, quer no campo agrícola, quer no campo dos minerais. Assim é que Brasil e Rússia ganham espaço econômico no mundo, embora de nosso país, infelizmente, não se possa afirmar ganhar espaço sólido, já que desdenha caprichosamente da educação, mantendo um curral de consumidores analfabetos funcionais votantes, que vivem do momento e não sabem pensar o amanhã, acreditando que ir à escola é receber o diploma, que garbosamente é dado indiscriminadamente a todos em nome das estatísticas desmentidas pelos testes e rankings internacionais.

Seja como for, vai o sistema capitalista fazendo muito mais bem do que mal, resgatando, por exemplo, a China de suas mazelas e assim um quarto da população mundial da miséria plena, tudo sob a crítica dos que perdem espaço e não enxergam que o capitalismo está transformando a sociedade chinesa em uma velocidade assustadora, quando vista pelas lentes do relógio da história.

Mas o capitalismo se baseia na premissa do consumo, que precisa existir para fazer girar o trabalho, o capital e a economia, enfim.

Aberrações do mercado financeiro à parte, que usa perversamente a lógica do sistema ao invés de servi-la, o que se tem é o consumo de sete bilhões de almas, ainda que consideradas aquelas que pouco ou nada tem para dar em troca do consumo, produzindo efeito indesejável aos ecossistemas e ao meio ambiente, extraindo recursos desenfreadamente com a chancela e aprovação da lógica do capitalismo.

Mas o consumo desmedido ultrapassa as fronteiras do progresso e aporta na miséria, na medida em que só é possível consumir aquilo que existe, e a um preço acessível. Mais escassos os recursos, maior o preço, redundando no seguinte quadro resumido:

a) Os recursos naturais não são eternos e minguam a olhos vistos;

b) Os ecossistemas desaparecem a uma velocidade espantosa, alimentando um círculo vicioso que acarreta a ainda maior escassez de recursos naturais, dado o aquecimento global, a poluição das águas, entre outros, tornando o ambiente propício a endemias e epidemias, que, por sua vez, consomem recursos gigantescos;

c) A qualidade de vida das pessoas chega a patamares em que não é mais possível consumir sem tropeçar no próprio consumo, tornando o consumo o principal objetivo de vida de milhões, enquanto ideias estruturantes da sociedade ficam à mingua, eleições viram shows televisivos, confiando-se que os recursos gerados pelo consumo pensem por si próprios para organizar a sociedade, o que não ocorre;

d) O desinteresse por assuntos humanitários vem na forma de ações cosméticas, sem propósito firme, mas firmemente ancoradas em índices econômicos, também como subproduto do consumo imoderado, que corrói propósitos e valores que antes sustentavam as sociedades.

Os males da atualidade, no entanto, sempre existiram. Roma fez-se de seu exército, mas também do pão e circo. Nada é tão novo assim, pela simples razão de que a natureza humana é a mesma. Em uma biga ou em um avião, o homem pensa igual, quer igual e sonha igual.

A diferença vem do meio ambiente, que não será mais capaz de dar suporte a esse ritmo imposto pelo capitalismo de consumo exacerbado.

É aí que entra o Direito Ambiental, como prova da grandiosidade do espírito humano, que é capaz de perceber a corrosão do sistema a partir de suas entranhas e buscar seu resgate, no ineditismo de uma doutrina global, para chegar a um ponto de equilíbrio.

O esforço inicial feito há mais de duas décadas para dar impulso a uma nova forma de pensar o meio ambiente hoje concorre com a lógica do consumo pelo consumo e funciona como um antídoto que, não seria demais pensar, talvez não cure apenas ecossistemas e o meio ambiente, mas também a maneira do homem se ver em sociedade.

Essa mudança não viria apenas de pensadores e formadores de opinião, mas me parece ser do tipo que de mudança que parte deles, para após entranhar-se na cultura popular.

Ao afetar a sociedade também a legislação é afetada, acompanhando a vontade geral, o que permite antever uma sociedade que saiba produzir e consumir com eficiência e inteligência, usando o poder criativo do homem para inserir novos produtos de propósitos mais nobres e benéficos à humanidade, que seriam consumidos sob o pano de fundo não do "capitalismo financista", mas do "capitalismo consciente", ou do "capitalismo ambiental", alargando o conceito de meio ambiente para o próprio ecossistema humano, incluindo a sociedade na esfera do Direito Ambiental não apenas como sujeito de direto, mas também como sujeito integrado às mecânica geral de promoção da preservação da biota.

Seja como for, a verdade é que a natureza humana parece saber resgatar-se de si mesma, por meio desse novo ramo global do Direito, que tende a permear a vida de todos como fator indutor da unidade dos povos em torno de um objetivo maior que as vontades individuais, vencendo, finalmente, Hobbes.

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* Eduardo Dietrich e Trigueiros é advogado do escritório Newton Silveira, Wilson Silveira e Associados - Advogados

Newton Silveira e Wilson Silveira e Associados - Advogados

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