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Petrobras - empresa de capital aberto?

Deve ser posto um fim sobre como a Petrobras deva ser enquadrada enquanto empresa de capital aberto no exercício de um monopólio da União, isto porque ela, embora empresa de capital aberto e submetida às leis societárias, foi, nos últimos anos, usada indevidamente para, por exemplo, por seu intermédio, ser instrumento de política econômica da União.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

Atualizado às 07:13

O jornal O Estado de São Paulo de 30.03.2017 publicou duas notas da colunista Sonia Racy que apontam os questionamentos de investidores quanto ao descumprimento da lei das S.A. pela Petrobras. 1

O tema básico é o de que, após três anos sem o pagamento de dividendos, os acionistas preferenciais entendem que passaram a ter o direito de votar conforme prevê o art. 111 da lei 6.404/76.

Em 2015, quando este assunto veio a tona, a CVM manifestou-se no sentido de que a Lei do Petróleo (lei 9.478/97) ao estabelecer o monopólio da União, o que já vinha desde 1953 (lei 2.004/53), definiu que esse monopólio seria feito por intermédio de uma sociedade anônima, a Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras), na qual a União deveria deter, obrigatoriamente, 51% das ações ordinárias e, assim, tendo que ser obrigatoriamente a controladora da empresa. Nesse sentido, a eventual concessão de voto aos preferenciais romperia o controle, o que vedaria a efetivação do direito legal.

O tema, contudo, jamais foi discutido de forma profunda e, também, de maneira decisiva, mas é mais do que evidente que deve ser posto um fim sobre como a Petrobras deva ser enquadrada enquanto empresa de capital aberto no exercício de um monopólio da União, isto porque ela, embora empresa de capital aberto e submetida às leis societárias, foi, nos últimos anos, usada indevidamente para, por exemplo, por seu intermédio, ser instrumento de política econômica da União como no caso da contenção do aumento dos preços dos combustíveis, algo que não poderia jamais ter ocorrido até mesmo sob o argumento de que haveria interesse público nessa medida (esse interesse caracterizaria intervenção pública em atividade privada) isto porque o acionista controlador, e que detém de fato o controle político e institucional da empresa, "deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender." (parágrafo único do art. 116 da lei 6.404/76).

O quadro requer seja enfrentado um debate que engloba as seguintes questões:

a) qual o interesse público que existe na atuação de uma sociedade de economia mista de capital aberto?

b) quais os limites desse interesse público frente às regras que definem o que seja uma sociedade anônima de capital aberto?

c) qual a fronteira, no caso, entre conflito de interesse e o que prevê o art. 238 da lei 6404/76:

Art. 238. A pessoa jurídica que controla a companhia de economia mista tem os deveres e responsabilidades do acionista controlador (artigos 116
e 117), mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação.;

face a seu estatuto:

Art. 3º- A Companhia tem como objeto a pesquisa, a lavra, a refinação, o processamento, o comércio e o transporte de petróleo proveniente de poço, de xisto ou de outras rochas, de seus derivados, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, além das atividades vinculadas à energia, podendo promover a pesquisa, o desenvolvimento, a produção, o transporte, a distribuição e a comercialização de todas as formas de energia, bem como quaisquer outras atividades correlatas ou afins.

§ 1º- As atividades econômicas vinculadas ao seu objeto social serão desenvolvidas pela Companhia em caráter de livre competição com outras empresas, segundo as condições de mercado, observados os demais princípios e diretrizes da lei 9.478, de 6 de agosto de 1997 e da lei 10.438, de 26 de abril de 2002.;a sua Lei instituidora - lei 2004/53:

Art. 5º Fica a União autorizada a constituir, na forma desta lei, uma sociedade por ações, que se denominará Petróleo Brasileiro S. A. e usará a sigla ou abreviatura de Petrobrás.

Art. 6º A Petróleo Brasileiro S. A. terá por objeto a pesquisa, a lavra, a refinação, o comércio e o transporte do petróleo proveniente de poço ou de xisto - de seus derivados bem como de quaisquer atividades correlatas ou afins.

Art. 8º Nos Estatutos da Sociedade serão observadas, em tudo que lhes for aplicável, as normas da lei de sociedades anônimas. A reforma dos Estatutos em pontos que impliquem modificação desta lei depende de autorização legislativa, e, nos demais casos, fica subordinada à aprovação do Presidente da República, mediante decreto.; e

e o que está na lei 9.478/97:

Art. 61. A Petróleo Brasileiro S.A. - PETROBRÁS é uma sociedade de economia mista vinculada ao Ministério de Minas e Energia, que tem como objeto a pesquisa, a lavra, a refinação, o processamento, o comércio e o transporte de petróleo proveniente de poço, de xisto ou de outras rochas, de seus derivados, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, bem como quaisquer outras atividades correlatas ou afins, conforme definidas em lei.

§ 1º As atividades econômicas referidas neste artigo serão desenvolvidas pela PETROBRÁS em caráter de livre competição com outras empresas, em função das condições de mercado, observados o período de transição previsto no Capítulo X e os demais princípios e diretrizes desta lei. [...]? e

d) é compatível com a matriz legal brasileira uma sociedade anônima de capital aberto com as características estruturais da Petrobras?

A legislação que instituiu o monopólio da União não previu que ao ter seu capital aberto estaria a Petrobras isenta de atender às regras da Lei das S.A., muito menos havia previsão de que suas ações preferenciais seriam de um novo tipo jurídico, isto é, que jamais adquiririam direito a voto em razão do monopólio.

Não parece ser possível, a partir do ordenamento jurídico conciliar a obrigação de a Petrobras ter que atuar como uma empresa privada e ao mesmo tempo estar sob controle da União, isto porque esse controle não permite que: (i) a função social da Petrobras possa ser a de fazer política econômica pública; (ii) o interesse público que existe na Petrobras inclua ser ela instrumento de política econômica (ser regulador da inflação); (iii) o interesse público da Petrobras seja outro que não o de assegurar o adequado investimento no setor energético no qual ela atua, fomentando desenvolvimento, gerando receitas etc.; (iv) a Petrobras possa ser usada como instrumento político; e (iv) a observância dos princípios que impedem a ocorrência de conflito de interesses, sob pena de gerar responsabilidades para o controlador e até mesmo impedir que os Conselheiros por ele eleitos possam deliberar qualquer matéria que possa incorporar tal conflito.

Uma sociedade de economia mista como a Petrobras é algo que nunca deveria existir, sobretudo quando a sua atividade é baseada no exercício de um monopólio da União sobre determinadas riquezas (o petróleo e o gás). As contradições são insuperáveis, a saber, dentre várias:

a) a União, enquanto agente público, pode realizar políticas públicas, como por exemplo, a condução da economia, a intervenção no câmbio, a definição da matriz energética, as formas de fiscalização da atuação dos setores privados etc. No entanto, a Constituição define que a União só pode exercer diretamente a atividade econômica quando necessário à segurança nacional ou relevante interesse coletivo;

b) como há monopólio sobre o petróleo e o gás, como conciliar o interesse coletivo na exploração dessas riquezas num regime de livre competição?

c) como regular os preços a serem praticados com essas riquezas que são commodities internacionais, isto em razão do seu impacto sobre o custo de vida, a inflação que "aterroriza" o consumidor, e ao mesmo tempo permitir que isso se faça dentro de regras privadas que impelem à maximização do valor e a geração do lucro?

d) como há o monopólio, a exploração do petróleo exige o contínuo fluxo de investimentos, mas como ela se faz via Petrobras, não é possível que isso se dê apenas por capitalização ou por endividamento, mas pela segurança de receitas compatíveis com as necessidades de recursos. Como conciliar isso - essa necessidade por fluxos regulares e adequados de receitas, compatíveis com as regras do mercado privado - se os preços da gasolina não podem subir por causa da inflação? e

e) pode a Petrobras ficar presa ao seu crescente endividamento, já que a chamada de capital nem sempre é possível e sempre depende de uma ginástica porque a União não pode perder o controle societário?

Em outras palavras, seja pelo prisma jurídico, seja pelo prisma macroeconômico, o que se está fazendo não fecha e gera lesão ao direito societário o que deve ser esclarecido, inclusive pela CVM, sob pena de esta não cumprir seu papel de xerife do mercado de ações, cuja obrigação é zelar pela lei e não por defender a União, ainda que dela seja autarquia.
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1.  Acionistas da Petrobrás reclamam de descumprimento da Lei das SAs

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*José André Beretta Filho é advogado.

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