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Vedações inconstitucionais à adesão ao RERCT: a questão dos parentes de agentes públicos

Incorporadas pequenas alterações em relação à versão original, pretendemos avaliar nestes breves apontamentos, especificamente, a (in)validade da vedação de ingresso no programa aos parentes de agentes públicos, titulares de recursos, bens ou direitos, de origem lícita, não declarados

terça-feira, 2 de maio de 2017

Atualizado em 28 de abril de 2017 10:08

Com a publicação da lei 13.428/17 e edição da IN RFB 1.704/17, tivemos a reabertura do prazo para adesão ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), originalmente instituído pela lei 13.254/16 e regulamentado pela IN RFB 1.627/16.

Incorporadas pequenas alterações em relação à versão original e majoração do imposto e da multa devidos, que foi de 30% para 35,25%, pretendemos avaliar nestes breves apontamentos, especificamente, a (in)validade da vedação de ingresso no programa aos parentes de agentes públicos, titulares de recursos, bens ou direitos, de origem lícita, não declarados.

Desapegados do debate partidarizado que pautou as discussões nas casas legislativas, o que se coloca, no ambiente jurídico, é a seguinte questão: por qual razão os agentes públicos, seus cônjuges e parentes consanguíneos ou afins, até segundo grau ou por adoção, possuindo recursos de origem lícita, até mesmo anteriores a esta condição (de agente público ou parente), não podem aderir ao RERCT?

Pois bem, em primeiro lugar observa-se que a lei 13.254/16, com as extensões temporais aprovadas pela lei 13.428/17, elegeu e definiu os critérios e condições gerais, objetivas e subjetivas, para a adesão ao RERCT.

Dessa forma, tem-se as classes dos bens e sujeitos permitidos ao programa, e, correlatamente, dos bens e sujeitos proibidos (vedados) ao programa. Assim, não estão aptos ao RERCT: (i) os bens de origem ilícita e os bens não relacionados no artigo 3º, como por exemplo joias, pedras e metais preciosos, obras de arte, animais de estimação, etc. (ressalta-se a discussão sobre a taxatividade ou não desta lista); e (ii) as pessoas não residentes ou domiciliadas no País em 30/06/16, ou proprietárias ou titulares de ativos adquiridos após 30/06/16.

Em um segundo momento, a lei 13.254/16, no seu artigo 1º, § 5º e artigo 11, amplia o rol de limitações subjetivas, para proibir a adesão: (ii.a) daqueles condenados em primeira instância por um dos crimes listados no § 1º do artigo 5º (apesar do inciso II, do § 2º, do art. 5º, mencionar o "trânsito em julgado"); e (ii.b) dos detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas, bem como seus respectivos cônjuges e parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção.

Sem adentrar nas discussões sobre a presunção (agora relativa) de não culpabilidade, eis, aqui, o ponto fundamental da questão analisada: por qual razão e sob quais critérios se justifica a proibição de agentes públicos e seus parentes no RERCT? Qual o juízo de validade? O que impediria o contínuo, arbitrário e aleatório aumento subjetivo das vedações?

Nesses termos, quer parecer que a lei 13.254/16, ao assim proceder, acaba por eliminar, além da presunção de não culpabilidade, a presunção de licitude da origem dos recursos, bens e direitos anistiados pelo RERCT, que é uma das premissas básicas do programa.

Lembrando, cabe ao contribuinte apenas declarar na DERCAT que os bens ou direitos possuem origem lícita, competindo aos órgãos de investigação, se o caso, provarem o contrário por outros meios que não as informações da própria DERCAT.

Retornando à questão especificamente em relação à vedação dos parentes, o que se tem é a transformação de uma presunção de licitude numa ficção que prevê a ilicitude da origem dos recursos, bens e direitos, pela simples condição de parentesco com agente público.

A ficção, por si só ilegal, leva a outro problema acerca da constitucionalidade do critério de vedação eleito, já que a condição de parentesco de agente público não pode levar a uma necessária conclusão e imposição de ilicitude à origem dos recursos, bens ou direitos não declarados em 31/06/16, sob pena de ofensa aos princípios da isonomia, geral e específica em matéria tributária (limite objetivo), e razoabilidade.

Vale observar, por oportuno, que a inelegibilidade do cônjuge e parentes de chefes dos Poderes Executivos prevista no § 7º, do artigo 14, da Constituição Federal¹, alcança apenas os direitos políticos, não tratando, pois, de restrições ou limitações na esfera penal. Além do mais, não alcança todo e qualquer agente público, ressalvando, ainda, a elegibilidade do parente que já é titular de mandato eletivo.

O que se impede, portanto, é a influência do poder político e econômico do chefe de Executivo na campanha eleitoral de eventuais parentes aventureiros, regra essa que, transposta para o RERCT, mesmo com a indevida extenção para qualquer agente público, igualmente deveria ressalvar os parentes que fossem titulares de recursos, bens e direitos, de origem lícita, adquiridos em período não ligado à função do cargo de agente público.

Aliás, é a própria súmula vinculante 13 do STF que corrobora essa ressalva e a presunção de licitude desses recursos, na medida em que considera inconstitucional, em lista até mesmo mais extensa do que a do próprio RERCT, a nomeação de parentes de agentes públicos para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou ainda, de função gratificada.

Por outro lado, o próprio artigo 11 da lei 13.254/16, ao mencionar o parente de agente público "na data de publicação desta lei", cria uma presunção sui generis de ilicitude dos recursos e gera distorções jurídicas incontornáveis, senão vejamos: (i) - os agentes públicos (e seus parentes) que não figuravam nesta condição em 14/01/16, podem aderir ao RERCT, ainda que tenham ocupado funções de direção ou eletivas nos anos anteriores e tenham recursos no exterior originados neste período (em que eram agentes públicos ou parentes); (ii) - os agentes públicos (e seus parentes), alçados nesta função, por exemplo, em 1º. de janeiro de 2016, não podem aderir ao RERCT, ainda que os recursos no exterior tenham sido auferidos em anos anteriores.

Ou seja, políticos que não mais ocupavam cargos, empregos ou funções públicas em 14/1/16, estão liberados para o RERCT, mas parentes de agentes empossados em 14/1/16, ainda que os recursos, bens e direitos tenham sido adquiridos anteriormente, não podem aderir, pois aos primeiros prevalece a presunção de licitude, enquanto aos segundos, a presunção é de ilicitude, o que não se alinha sequer ao § 7º do artigo 14 da CF.

Não por outra razão, o debate já está judicializado em sede de controle concentrado por meio da ADI 5586, ajuizada pelo Partido Solidariedade, exatamente para ver declarada a inconstitucionalidade do artigo 11 da lei 13.254/16, por violar os princípios da isonomia e igualdade em matéria tributária, previsto no artigo 150, II, da CF, trazendo em seu corpo diversas manifestações jurisprudenciais do próprio STF em situações semelhantes.

Portanto, entendemos que os agentes públicos e seus parentes, têm o direito constitucional de aderir ao RERCT para regularizar os seus recursos, bens e direitos de origem lícita.

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1 "Art. 14. (...). § 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. (...)."

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*Marcos Ferraz de Paiva é sócio fundador do escritório Choaib, Paiva e Justo Advogados Associados.

*Rodrigo G. N. Massud é sócio do escritório Choaib, Paiva e Justo Advogados Associados.

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