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Porto Rico: é bom lugar para investir?

Confira o parecer do auditor jurídico!

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Atualizado em 2 de agosto de 2017 08:50

"Às vezes eu prospero, ás vezes eu falho, mas todo dia é um novo início e uma nova oportunidade."1

- Gretchen Rubin, The Happiness Project

Uma empresa brasileira, voltada ao mercado exterior, buscou no auditor jurídico, que atua independente de qualquer tipo de conflito de interesse, seu parecer, com reflexos, diretos ou não, à decisão, prospetando à situação atual de Porto Rico, como plataforma para vender seus produtos nos Estados Unidos. Seu ingresso no mercado americano, comportaria várias prévias etapas em Porto Rico, para, ali recebendo os componentes, ali serão processados, completados, embalados e despachados.

Em julho de 2017, quando redigido e entregue este parecer ao cliente que o solicitou, passa Porto Rico momentos dramáticos: sua situação financeira é muito grave, causada por imensa dívida pública, que não tem meios de pagar, quase em quebra. A constatação dessa ruinosa situação tomou de surpresa o mundo dos negócios local, porque supunha estar Porto Rico em excelentes relações políticas econômicas com os Estados Unidos, propiciadores de grandes oportunidades, mas desconhecia as suas peculiaridades.

Este é o estado em que se deparou o auditor jurídico para elaborar o parecer, que, considerado ou não, poderia influenciar a decisão de investir.

1 - Primeiramente, coube ao auditor jurídico responder ao board da empresa consultora se lhe competiria invadir seara que, na aparência, poderia ser ou aparentar ser de outras áreas do conhecimento comumente entregues a especialistas.

E, sem dúvida, pertinente a dúvida, foi esclarecida, com a concorrência de alguns especialistas para diminuí-las ou apagá-las. Em circunstâncias semelhantes, levam o auditor jurídico a aceitar ou não a incumbência. Razão? Desde que vem sendo sustentada a pertinência da auditoria jurídica, ela não é circunscrita ao que foi destinada, academicamente. A singularidade repousa na abrangência não isolada do auditor e sempre no pressuposto ínsito de sua total independência. E esta pode valer-se de técnicas que a convençam ou não dos questionamentos respondidos. Ali repousa a nobreza e a dignidade da atividade, sempre que cumprido com esse desiderato.

1.1 - E, no caso em exame, o auditor jurídico buscou caminho incomum para formar a sua convicção. Compareceu à 53ª Conferência da Federação Interamericana de Advogados, realizada entre os dias 26 e 30 de julho de 2017, na cidade do Panamá. Mais ainda, porque soube que o professor Carlos Ivan Gorín Peralta organizaria um painel sobre a crise jurídica, política, econômica e social de Porto Rico, a ser desenvolvido por três ilustres profissionais de áreas multidisciplinares (planejamento, direito, política e sociologia). Exatamente, este painel, realizado em território independente, seria adequado a ampliar, sem travas, a discussão.

1.2 - O professor Gorín Peralta, abrindo o painel, centrou sua exposição, dando cores vivas à gravidade da situação e abordando de fronte que os tortuosos caminhos da política interna levaram Porto Rico a enfrentar profunda crise que o governo local, para debelá-la, impôs rigoroso plano fiscal (ortodoxo). Consequências sentidas e vividas: fechamento de escolas, redução pela metade do orçamento da Universidade de Porto Rico, redução dos serviços de saúde, redução dos serviços públicos e dos salários, redução das aposentadorias, aumentos de impostos e do custo de vida, incrementos de moléstias mortais e de crimes violentos.2

1.3 - Os fortes atritos entre os cidadãos com repercussões profundas no destino dos seus habitantes, levou o organizador do painel a convidar três panelistas, adotando posições políticas distintas: a independência plena, uma verdadeira associação livre não colonial de Porto Rico com os Estados Unidos e a admissão de Porto Rico como um Estado da Federação Americana. E, adotando soluções não idênticas, para o problema da relação política entre Porto Rico e os Estados Unidos, se manifestaram o advogado e planejador econômico Reynaldo R. Alegria, com o tema: "Da evolução à involução: o caso de Porto Rico", o advogado David Rivera (atualmente dedicado assistir juridicamente a pessoas com escassos recursos econômicos, na Corporación de Serviços Legales de Puerto Rico), que sustentou "La Estalidad como método de descolonización", esclarecendo que o vocábulo "estalidad" é o movimento dos que apoiam que Porto Rico se converta em um Estado Federado dos Estados Unidos da América, porque oriundo da história do país, com vocação integrativa à nação do norte e, por fim, o advogado Alejandro Torres Rivera, professor universitário e advogado laboral em prol de trabalhadores e sindicatos, ardoroso expositor: "A situação colonial territorial de Porto Rico: uma aproximação breve do caso Sánchez Valle e a Lei Promesa3".

1.4 - Alejandro Torres Rivera abordou, e merece destaque, os custos sociais da situação colonial de Porto Rico, que, em síntese, são:

a) emigração maciça de profissionais para os Estados Unidos por falta de empregos;

b) dezenas de postos de trabalhadores qualificados perdidos, inclusive fechamento de empresas de alta tecnologia;

c) abandono escolar de quase 50% e desempregos atingindo 14,3% da população ativa, em 2013;

d) para uma população de 3,5 milhões de habitantes, quase 5% dela é usuária de "drogas fortes" e a delinquência atual aponta 21 assassinatos para cada 100 mil habitantes;

e) por fim, a dívida consolidada do país supera em valores expressivos o PIB e a dívida privada também se equivale à pública.

1.5 - Ainda Torres Rivera focou que, editada a Lei Promesa, chegou ao país uma "Junta de Contraste Fiscal" para os propósitos de reorganizar a quebra de Porto Rico, atender aos credores de "bonds", mas com redução dos serviços públicos em geral. Cenário igual ao da Grécia, mas Porto Rico não tem os meios que teve aquele país para aceder aos organismos internacionais que poderiam reestruturar sua dívida pública.

1.6 - O cenário atual jurídico, político, econômico e social de Porto Rico não pode ser encarado como o ocorrido com a Grécia, em nível superior a Portugal e Espanha. Os três países europeus foram sustentados por serem membros da Comunidade Europeia e adotaram, com a discrição de Mário Draghi, presidente do BCE, medidas duras de consolidação interna. Acrescenta-se que um fator negativo, dentre outros, é que a população envelhecida e aposentada precocemente, consome, apesar de precários rendimentos, na maioria, a maior parte dos recursos dos Estados. E isso os levou a reformular, corajosamente, até todo o sistema previdenciário.

2 - Então, candidamente expostos os fatos, sem censura, mas conferidos os organismos locais e acordados como corretos, como deveria comportar-se o auditor jurídico?

Somente com informações seguras sobre o futuro do país, como se conduzirá, tendo em conta o seu equipamento, já implantado, conservado e aparelhado, assim como os circunstanciais e os acessórios ao desenvolvimento cultural e à felicidade do seu povo. Assim foi feito4.

2.1 - Infraestrutura

1. Tem o país 24.000 milhas de estradas e autopistas.

2. Seu porto é classificado, em volume, na categoria de oitavo (Puerto de las Americas) e capacitado a operar navios de portes gigantescos, dos conhecidos como Panamax.

3. Seus aeroportos modernos operam com 4.300 voos de carga por mês e 1.800 voos de passageiros, por semana, para diversas cidades norte americanas e outros destinos internacionais.

2.2 - Segurança e estabilidade

Neste momento, forçoso é apontar que Porto Rico tem elevados custos enquanto transação e insegurança judicial e apresenta-se com incertezas para fazer negócios e investimentos.5

Mas, como se trata de prospecção de negócios, esses exigem cautela, prudência, espera, coleta de informações micro e macroeconômicas. Embora isso seja importante, recusando a simplória Análise Econômica do Direito, incensada na Teoria de Coase, sempre temos em conta que o país existe, porque, nele, há seres humanos e estes têm direitos inalienáveis. Então, só a partir do homem cabe interpretar o equivalente jurídico do país e como ele cuida de seus habitantes.

2.2.1 - Porto Rico, "sit et in quantum", pode, sim, sofrer impactos sérios caso se desvincule completamente dos Estados Unidos e, então, buscar seus destinos no concerto deste mundo globalizado, incerto e inseguro.

Em contrário, "se non è vero", com a vitória da anexação,

2.2.1.1 - as empresas que operam disporão das proteções das leis federais americanas; o sistema bancário terá regulação americana e os depósitos estarão assegurados pelo conhecido FDIC; toda a propriedade intelectual estará sob o pálio dos complexos regulamentos americanos; possivelmente os investidores terão acesso a fundos federais para projetos de infraestruturas, projetos sociais e programas educativos e de pesquisa; compartilharão com dezenas de organizações financeiras internacionais e continuarão com o melhor acesso aéreo no Caribe;

2.2.1.2 - ainda vitoriosa a anexação e equilibradas as finanças, à indústria se facultará acessar o Centro de Assistência para contratar com o Governo (contratos com o governo federal, inclusive o Departamento de Defesa com suas escandalosas verbas); ter os benefícios de reserva de mercado com porcentagens preferenciais, fomentando a compra de bens por parte do governo para empresas locais; ajuda financeira para exportar, destinados a campanhas promocionais além de substancial incentivo para transporte marítimo e terrestre ao exterior (reembolso de 20% dos custos do transporte de cada container desde Porto Rico);

2.2.1.3 - incentivos fiscais para indústrias que investirem em pesquisa e desenvolvimento, chegando até o crédito contributivo de 50% para os investimentos em investigação, pesquisa e desenvolvimento que forem realizados no país;

2.2.1.4 - assistência gratuita para as empresas manterem o controle de qualidade na produção de seus produtos; zona de livre comércio exterior, que prove onde o material, componentes e produtos acabados podem ser encontrados ou processados, com eliminação de impostos doganais;

2.2.1.5 - programa amplo de desenvolvimento de artesãos locais, para comercializar, capacitar e auspiciar que tenham oportunidades várias, inclusive incentivos para compras de equipamentos, ferramentas e materiais.

3 - Dispositivos médicos (como marcapassos, desfibriladores, equipes odontológicas, lentes de correção visual); medicamentos muito vendidos no mundo (Merck, Eli Lilly, Pfizer); biotecnologia (Bristol-Myers, Amgen); eletrônicos (fortes incentivos para empresas do ramo); aeroespacial (Honeywell, Aerospace); indústria de rum, fomentando a produção por orgânicos que vai de encontro a impulsionar as marcas locais pelo mundo; forte "smartwave" para os meios de comunicação, publicidade e com editoriais, com salários mínimos de US$2.000,00 mensais; indústrias têxteis, concorrendo com as chinesas e oferecendo uma gama de roupas sob medida, operação informática com um custo mais baixo, mas trabalhando nos Estados Unidos, inclusive com a informática, para entretenimento digital.

4 - Conclusão

Colocadas estas informações, que foram encontradas, levou o auditor jurídico em conta os aspectos jurídicos, econômicos, políticos e socais neste parecer e sugere que: é indispensável aguardar os eventos políticos que desaguem na decisão ou não de independência de Porto Rico, para aferir a capacidade do país de pagar a dívida contraída com poupadores, investidores e organizações financeiras, calculando, sobretudo, as consequências puníveis políticas e sociais internas que advirão.

Folgadamente, será trabalho de espera por cinco anos, antes de investir com segurança quantias importantes no país.

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1 "Sometimes I succeed, sometimes I fail, but every day is a clean slate and a fresh opportunity", in Illinois Bar Journal, vol. 105, junho de 2017, p. 45, extraído do artigo escrito por Karen Erger: "At the End of the Day"

2 Os interessados em outros escritos sobre os temas, em espanhol e inglês, podem comunicar-se com o Professor Gorín Peralta, mencionando que este comentador indicou e dirigir-se a [email protected] ou [email protected]

3 O caso Porto Rico versus Sándy Valle foi julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos que, se Porto Rico e os Estados Unidos firmarem soberanias separadas, como os demais Estados, a tenham dentro do conceito de Federação, porém, decidiu que Porto Rico é um Estado não incorporado, submetido aos plenos poderes do Congresso dos Estados Unidos. Esse processo foi chamado de "Promesa" (The Puerto Rico Oversight, Management, and Economic Stability Act)

4 Os dados micro e macroeconômicos foram obtidos diretamente com "Fomento - Compañia de Fomento Industrial"

5 Artigo de Rodrigo Dufloth, "Brasil, custos de transação e insegurança jurídica (causas e consequências)", Migalhas, sexta-feira, 21/07/2017. (Clique aqui)

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*Jayme Vita Roso é advogado e fundador do site Auditoria Jurídica.

Jayme Vita Roso

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