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A ilegalidade da instrução normativa da Secretaria da Receita Federal que cuidou da isenção de imposto sobre a renda criada pela Lei nº. 11.196/05 (MP do Bem)

Rafael Fiuza Casses

A Constituição Federal - ainda - dispõe que os cidadãos somente estão obrigados por aquilo que estiver previsto em lei, estabelecendo assim o princípio da legalidade. Por outro lado, mas no mesmo sentido, sobredito princípio vigora para a Administração Pública de forma peculiar, impondo diretriz segundo a qual somente está autorizada a fazer aquilo que prevê a lei; está adstrita aos limites da lei.

sexta-feira, 7 de julho de 2006

Atualizado em 6 de julho de 2006 14:08


A ilegalidade da instrução normativa da Secretaria da Receita Federal que cuidou da isenção de imposto sobre a renda criada pela Lei nº. 11.196/05 (MP do Bem)

Rafael Fiuza Casses*

A Constituição Federal - ainda - dispõe que os cidadãos somente estão obrigados por aquilo que estiver previsto em lei, estabelecendo assim o princípio da legalidade. Por outro lado, mas no mesmo sentido, sobredito princípio vigora para a Administração Pública de forma peculiar, impondo diretriz segundo a qual somente está autorizada a fazer aquilo que prevê a lei; está adstrita aos limites da lei.

O princípio da legalidade, combinado com a sistemática kelseniana de nosso ordenamento jurídico, resulta na necessária observância dos atos normativos infralegais ao conteúdo das leis material e formalmente consideradas. Dessa forma, todo e qualquer ato normativo que inove o ordenamento jurídico, sem, contudo, encontrar fundamento na lei que supostamente lhe dá suporte, é ilegal e não pode produzir efeitos.

Na qualidade de atos infralegais se enquadram, entre outros, as Instruções Normativas expedidas pela Secretaria da Receita Federal, cuja função é clarificar as leis de forma a possibilitar sua execução no âmbito das repartições fiscais. Ou seja, têm caráter interpretativo e nem se dirigem aos cidadãos, mas aos funcionários da administração tal como já declarou o Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 536/DF.

Pois bem. É de conhecimento amplo as inovações trazidas pelo texto da Medida Provisória nº. 252/05, apelidada de MP do Bem à época de sua edição. Tal medida provisória, no entanto, já havia perdido seus efeitos quando, por meio de manobra congressista, muitos dos seus dispositivos foram incluídos na Lei nº. 11.196/05 (clique aqui - Lei de conversão da Medida Provisória nº. 255/05), publicada em 22.11.2005.

Assim, com o advento da Lei nº. 11.196/05, voltou a vigorar a isenção do imposto de renda sobre o ganho auferido nas operações de venda de imóveis residenciais quando realizadas por pessoas físicas, com a condição de que o produto da venda se destine, no prazo de 180 dias a contar da venda, à aquisição de outro imóvel residencial. O texto do art. 39 da referida lei é bastante claro em exigir que se "aplique o produto da venda na aquisição de imóveis residenciais localizados no País".

Portanto, da interpretação do diploma legal que revigorou a pré-falada isenção resulta a imposição das seguintes condições, apenas: a) ser pessoa física; b) que a compra do imóvel residencial se dê em até 180 dias da data de celebração do contrato de venda; c) que o imóvel residencial adquirido situe-se no território nacional; e d) que os imóveis envolvidos sejam residenciais.

De tudo o quanto se expôs até aqui, resta inafastável a isenção do imposto sobre a renda de todo o ganho de capital decorrente da venda de bem imóvel que preencha os requisitos da Lei nº 11.196/05 enumerados alhures. Entretanto, contrariando o princípio constitucional da legalidade e extrapolando sua competência, a Instrução Normativa SRF nº 599, de 28 de dezembro de 2005, editada pela Receita Federal, impôs limitação ao gozo da isenção em comento não prevista na lei que pretensamente veio normatizar.

A malfadada Instrução Normativa dispõe, no inciso I do §11 de seu art. 2º, que a isenção de que trata a Lei nº. 11.196/05 não se aplica às vendas de imóveis residenciais com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a prazo ou à prestação de imóvel residencial já possuído pelo alienante.

Partindo-se da premissa, que se supõe verdadeira, de que os atos infralegais não podem ir além daquilo que o texto da lei que lhe dá validade permitiu, vejamos se aquelas condições exigidas pela Lei nº. 11.196/05 para fruição da isenção estão preenchidas na hipótese não isenta trazida pela Instrução Normativa SRF n° 599/05.

A primeira condição, ser pessoa física, pode ser facilmente preenchida. O segundo requisito pode ser tranqüilamente preenchido, bastando que se observe o prazo de 180 dias para o emprego do montante da venda na quitação das parcelas na aquisição do bem imóvel residencial pretendido. O terceiro quesito, tanto quanto observável, preenche-se desde que o imóvel esteja localizado em solo nacional.

Agora, vejamos. A quarta e última condicionante, serem residenciais os imóveis objetos de venda e de aquisição, é igualmente preenchido e, inclusive, integra a própria regra de exceção da Instrução Normativa, contrariando diretamente o que diz a lei. Ora, se o imóvel vendido é residencial, e o adquirido também, não importa se é para quitar parcela ou total de débito de contrato de compra e venda do imóvel adquirido, menos ainda se o contribuinte está na posse ou não do imóvel objeto da aquisição, pois, com certeza, estará aplicando o produto da venda na aquisição de imóvel residencial.

É de se concluir, portanto, que a regra de exceção trazida pela Instrução Normativa SRF nº 599/05 em nada se coaduna com a lei, ferindo o princípio constitucional da legalidade e indo de encontro com a máxima hermenêutica de que onde a lei não distinguiu não cabe ao intérprete fazê-lo. Outrossim, seria de se considerar flagrante agressão à isonomia tributária, uma vez que juridicamente a situação excetuada em nada se difere, por exemplo, da compra a prazo de imóvel do qual o contribuinte não seja possuidor, hipótese em que pela própria Instrução Normativa seria isenta.

Inclusive, ressalte-se, a combatida hipótese de exceção colide com os ideais perseguidos pela lei e expressados na exposição de motivos da então Medida Provisória nº. 252/05, que deu origem à isenção em questão, donde se extrai a idéia de amplo e irrestrito incentivo ao mercado imobiliário ao esclarecer que "as propostas de que tratam os itens 24 a 26 têm o objetivo de reduzir os custos tributários, de modo a dinamizar o mercado imobiliário, e estimular o financiamento de imóveis e a construção de novas unidades."

Enfim, diga-se, as instruções normativas expedidas pela Secretaria da Receita Federal não são lei, nem se lhe equiparam. Quando muito, são normas derivadas da lei, sem a qual caem no vazio. Assim, a imposição de restrições não previstas em lei por instrução normativa não tem a mínima validade legal; a ninguém pode obrigar, merecendo repúdio de nossa doutrina e Tribunais a exceção indevidamente criada no inciso I do §11 do art. 2º da Instrução Normativa SRF nº. 599/05.

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* Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários e membro do Grupo de Debates Tributários do Rio de Janeiro. Estagiário do setor tributário do escritório Siqueira Castro Advogados









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