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Execução da pena privativa de liberdade em segunda instância: constitucionalidade ou inconstitucionalidade

O objetivo geral do presente trabalho é a discussão da possibilidade de execução da pena privativa de liberdade após confirmação de sentença de colegiado sob a égide do princípio da presunção de inocência num viés de constitucionalidade.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Atualizado às 08:42

1 - Introdução

A construção doutrinária do princípio da presunção de inocência não é recente. Já no século XVIII, Cesare Beccaria3 postulava que a liberdade de um homem só lhe podia ser retirada após a comprovação de violações pactuadas. Muito se passou e, em algumas épocas a presunção de inocência foi até mitigada. Entretanto, com o florescer do respeito a liberdade, a dignidade da pessoa humana e a valorização dos direitos individuais e sociais, a presunção de inocência passou a ser princípio acolhido em praticamente todo o mundo civilizado, seja nas convenções internacionais seja nos ordenamentos pátrios dos países. Cada um ao seu modo, e na forma de seu sistema jurídico, tem atualmente previsto que o estado natural das pessoas é o da liberdade e que uma pena de constrição dessa liberdade somente seria imposta após observados todos os direitos e garantias constitucionais, principalmente a observância do princípio da presunção de inocência. O que se diferencia mundo a fora é o momento de alcance desse princípio. Na grande maioria dos países, a culpabilidade é reconhecida em dois graus de jurisdição. Porém, este não foi o entendimento adotado pelo nosso constituinte quando da CF/88. O princípio da presunção de inocência, em nosso ordenamento, ficou atrelado a ocorrência do trânsito em julgado da ação, ou seja, todo cidadão será presumido inocente, não cabendo a execução da pena (salvo medidas cautelares e provisórias constitucionais) até que todos os recursos possíveis para a situação sejam julgados. Esse era o entendimento da Corte Constitucional até Fevereiro de 2016. Em votação do julgamento do HC 126.292 (fevereiro de 2016), o STF, por maioria, admitiu que a decisão condenatória mantida em segundo grau já autorizaria a execução da pena ali contida, ainda que não esgotados os possíveis recursos Especial e Extraordinário. Esta mesma decisão foi mantida em liminar nas ADCs 43 e 44 (outubro de 2016), no julgamento do Agravo 946.246/SP (novembro de 2016), e também no HC 152.7524 (abril de 2018), o que nos permite inferir que até a presente data, em nosso sistema jurídico, está mantido o entendimento jurisprudencial do STF de que a execução da prisão logo após a confirmação da condenação por Tribunal é cabível e não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência. Entrementes, ainda que se tenha mudado a jurisprudência até então pacificada, a discussão é das mais acirradas no mundo jurídico. Juristas renomados têm alardeado o equívoco do STF com a nova decisão. Outros por sua vez, a tem defendido. Muitos são os argumentos contrários e favoráveis.

O objetivo geral do presente trabalho é a discussão da possibilidade de execução da pena privativa de liberdade após confirmação de sentença de colegiado sob a égide do princípio da presunção de inocência num viés de constitucionalidade. Para orientar a confecção do artigo utilizou-se do método dedutivo, isto é, buscaram-se posições jurídicas que sustentassem ou negassem a possibilidade da execução da pena em segunda instância. Buscou-se ainda categorias de conceitos e pesquisa bibliográfica qualitativa que compreendeu revisão doutrinária em obras jurídicas e artigos relativos ao tema discutido. O estudo dividiu-se na apresentação do conceito do Estado Democrático de Direito e dos princípios constitucionais do processo penal com aprofundamento no conceito do princípio da presunção de inocência. Após, apresentou-se os argumentos favoráveis e contrários a execução de pena em segunda instância buscando a constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos mesmo sob a ótica dos autores estudados.

2 - Estado Democrático de Direito e suas implicações na lei

O Estado Democrático de Direito está descrito no primeiro artigo da CF/88, isso implica em assentir que o constituinte quis igualar os homens na forma da lei, porém não numa lei fria e formal, mas sim numa lei que leve em consideração toda a conjuntura social que compõe o Estado. Neste sentido, o legislador permitiu florescer a ideia da construção de um Estado Democrático com diversos requisitos: "um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitos (art.1º parágrafo único); participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de ideias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre as opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesse diferentes da sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão".5

Nesta direção, o Estado Democrático de Direito é muito mais do que um Estado formal de Direito, ele deve se efetivar na busca da justiça social. Não é a busca somente da igualdade dos homens perante a lei, mas sim que essa lei "possua conteúdo e adequação social (...) metas e deveres quanto à construção de uma sociedade livre, justa e solidária; pela garantia do desenvolvimento nacional; pela erradicação da pobreza e da marginalização; pela redução das desigualdades sociais e regionais; pela promoção do bem estar comum, pelo combate ao preconceito de raça, cor, origem, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF/88 art. 3º, I a IV); pelo pluralismo político e liberdade de expressão das ideias; pelo resgate da cidadania, pela afirmação do povo como fonte única do poder e pelo respeito inarredável da dignidade humana".6

Por este viés, é através da CF, nas suas traduções, mandamentos e disposições que o país se alicerça, uma vez que a "Constituição da República é a norma maior, sendo o fundamento de validade material e formal do sistema. Advém disto o fato de que todos os dispositivos e interpretações possíveis, inclusive o de transformar substantivo em adjetivo - exclusivamente -, como acontece com o art. 144, §4º, da CR, por exemplo, devem perpassar pelo controle formal e material, não podendo ser infringida ou modificada ao talante dos governantes públicos, mesmo em nome da maioria - esfera do indecidível -, dado que as Constituições rígidas, como a brasileira de 1988, devem sofrer processo específico para a reforma, ciente ainda, da existência de cláusulas pétreas".7

Para tanto, o constituinte, na própria CF/88, definiu princípios fundamentais e garantias individuais que devem ser observados de modo que este Estado Democrático de Direito, o qual tem sua soberania no povo que elege seus representantes, seja alcançado.

Neste aspecto, diversos são os princípios descritos na CF/88, os quais se ampliam aos mais diversos campos e assuntos pertinentes a vida em sociedade.

Especificamente quanto ao Direito Penal, muitos são os princípios dedicados na Constituição. Eles orientam os aplicadores do direito na "correta interpretação e na justa aplicação das normas penais".8 Como princípio base de todos os princípios aplicados ao Direito Penal, Capez (2017) entende que o da dignidade da pessoa humana é o princípio reitor de todo o regramento a ser disposto e apresentado pelo legislador. "Da dignidade da pessoa humana, por sua vez, derivam os outros princípios mais específicos, os quais propiciam um controle de qualidade do tipo penal, isto é, sobre seu conteúdo, em inúmeras situações específicas da vida concreta".9

No entendimento de Nucci (2012) não só a dignidade da pessoa humana é princípio reitor no Direito Penal, mas também o princípio do devido processo legal sendo que eles "conduzem os demais a produzir a meta principal do Estado Democrático de Direito, consistente em aplicar a justa medida punitiva, tendo por base a prática do crime".10

  • Para ler o artigo na íntegra, clique aqui.

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1 Artigo apresentado como trabalho de conclusão de curso de especialização da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina (Esmesc), como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Direito Público. Orientador: Doutora Andreia Regis Vaz, Florianópolis, 2018.

2 Acadêmica do curso de Especialização em Direito Público da Esmesc.

3 BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos Delitos e das Penas. Tradução de Flório de Angelis. São Paulo, EDIPRO, 1993.

4 Na exata data em que se findava a confecção desta obra, 04.04.2018, o STF julgava Habeas Corpus impetrado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com fins de impedir que sua prisão fosse decretada com base no julgamento já realizado pelo STJ confirmando sentença condenatória de primeiro grau na justiça federal. O resultado do Pleno confirmou a possibilidade de prisão por 6 a 5. No dia seguinte ao julgamento, foi expedido mandado de prisão pro então ex presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No dia 05.05.2018 um novo HC foi interposto, com base em constrangimento ilegal do paciente, pedindo novamente sua liberdade. O Ministro Edson Fachin negou esse novo HC. A execução da prisão ocorreu no dia 07/04/2018 confirmando mais uma vez o STF a possibilitando a execução da pena de prisão após confirmação de sentença em segunda instância. Vide

5 SILVA José Afonso. Curso de Direito Constitucional. (Revisada e atualizada até a E.C. 90 de 15/09/2015). São Paulo. Malheiros. 2016.

6 CAPEZ Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral - 21ª ed. São Paulo. Saraiva. 2017. p.22.

7 ROSA. Alexandre Morais da. Guia Compacto de Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Rio de janeiro, Lumen Juris, 2013, p.37.

8 CAPEZ, obra citada, p.24.

9 CAPEZ, obra citada, p.25.

10 NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. 2ª ed. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2012. p.437.

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*Naiara Vicentini é acadêmica do curso de Especialização em Direito Público da Esmesc.

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