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Projeto de lei 9.590/18: o que agrega para as startups?

O projeto de lei agrega menos do que deveria e em pontos não tão importantes.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Atualizado em 16 de abril de 2021 11:23

Tramita junto à câmara dos deputados o projeto de lei 9.590/18, de autoria do deputado João Henrique Holanda Caldas (PSB/AL), que "dispõe sobre startups e apresenta medidas de estímulo à criação dessas empresas, e dá outras providências".

O projeto de lei intenta estabelecer de forma objetiva alguns critérios para conceituar o que, de fato, são startups. Porém, acaba trazendo algumas previsões que não se mostram próximas à realidade destas empresas, tanto de ponto de vista societário, contratual, como financeiro.

Nos termos do projeto em andamento, startups são sociedades limitadas ou empresas individuais de responsabilidade limitada, excluindo-se sociedades anônimas, cuja constituição se deu há menos de 60 meses, sendo que sua criação não pode decorrer de uma operação societária de cisão, fusão, incorporação ou aquisição de empresas.

Além disso, exige-se que o faturamento destas empresas seja de no máximo 4,8 milhões de reais por ano, bem como que não se distribua lucros ou juros sobre capital próprio em percentual superior a 1% (um por cento) do lucro líquido do exercício, sendo que isso deve estar previsto em seu ato constitutivo.

Da mesma forma, 20% da receita bruta deve ser destinada à desenvolvimento e pesquisa; sem contar que mais de um terço de seus profissionais devem ter algum tipo de pós-graduação, com desenvolvimento de projetos e patentes em área similar ao objeto social da startup. Ainda em termos de exigências, as demonstrações financeiras e contratos sociais com suas alterações devem ser arquivados no registro do comércio e estarem disponíveis pela internet em até cinco dias úteis após sua elaboração.

Por outro lado, no tangente às vantagens: (i) permite-se que a contratação de trabalho temporário por startup se dê no prazo máximo de quatro anos; (ii) os sócios e investidores não respondem para além do valor de sua participação social, exceto em casos de fraude, confusão patrimonial ou deliberações que infringirem o contrato social; (iii) estas sociedades têm critério de desempate favorável em processos licitatórios; e (iv) podem receber investimentos por parte de fundo de investimento em participações em infraestrutura (FIP-IE) e fundo de investimento em participação na produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação (FIP-PD&I).

Entretanto, ao se contrastar benesses com as obrigações e restrições impostas, nota-se, em verdade, um desnivelamento, uma vez que são impostas diversas obrigações, algumas em claro descompasso com a realidade das startups brasileiras, em contrapartida às concessões, que, em verdade, pouco agregam.

Como se sabe, no início das atividades empresariais as startups operam em bootstrapping1, de modo que todo incentivo fiscal e de redução de custos e gastos é bem-vindo. Acontece que imputar obrigação de divulgação de informações com níveis de governança, em alguns casos, similares a sociedades que operam em bolsa de valores é, de fato, ignorar os agouros de quem empreende no Brasil.

O mesmo se dá quando se fala em restringir o tipo societário, extinguindo a utilização da sociedade anônima, quando é sabido que tal sociedade, por natureza, tem regras de governança mais efetivas que as limitadas, porém, a sua adoção inviabiliza a opção do SIMPLES como regime de tributação, impedindo o empreendedor de se beneficiar de um regime tributário mais favorecido. Reforçar essa vedação é mesmo ir na contramão do empreendedorismo, que precisa adotar tipos societários mais eficientes, especialmente ao se considerar que os investidores costumam exigir a conversão da startup em sociedade anônima, caso não o seja, quando de seu ingresso no quadro societário.

Isso também vale para regras de distribuição mínima de dividendos e juros sobre capital próprio, quando, ao mesmo tempo, se força a adoção do tipo societário de limitadas que, a priori, não têm a mesma gama de opções, com reservas e políticas de reinvestimentos, que as sociedades anônimas, criando, assim, um verdadeiro contrassenso.

Não obstante, a previsão de que os sócios e investidores respondem nos limites da sua participação nada tem de vantagem, pois decorre da própria constituição de uma pessoa jurídica, que minimiza custos de transação e exposição do patrimônio do quotista enquanto pessoa física.

Nessa ordem de ideias, com toda certeza, previsão normativa que fomente o empreendedorismo e diminua o número de exigências e burocracias que imperam em terras brasileiras é salutar, mas deve ser consentânea com a realidade das empresas que visam regulamentar.

Logo, que tal começar por aliviar a carga tributária, incluindo as pesadas contribuições com a contratação de empregados? O mesmo vale para diminuição dos demais custos e obrigações correlatas aos empregados contratados, que normalmente gozam de maior flexibilidade e liberdade de atuação, fugindo da modalidade tradicional de emprego. Inclusive, por que não permitir a aquisição, devidamente autorizada por lei, de participações societárias em condições facilitadas para colaboradores chaves? Todas essas práticas, em maior ou menor proporção, existem e são usadas, mas é preciso trazer maior segurança jurídica, o que uma lei visa proporcionar.

Assim, de fato, positivo um projeto de lei sobre startups, porém, distante da necessidade destas empresas, que precisam ser melhor compreendidas para depois serem regulamentadas e legisladas. Portanto, o projeto de lei agrega menos do que deveria e em pontos não tão importantes.

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1 Quando a startup opera com recursos próprios e reduzidos, apertando os cintos dos gastos.

 

Paolla Ouriques Cruz

Paolla Ouriques Cruz

Advogada do escritório Azevedo Sette Advogados.

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