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Exorcizando alguns "princípios" jurídicos

A ligeira impressão que se tem é de que tais "princípios" jurídicos se encontram em nível superior (em termos constitucionais) e obrigatoriamente devem ser citados em petições, pareceres e decisões judiciais, o que se nos parece equívoco.

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Atualizado em 8 de julho de 2019 12:24

O passar dos anos e o exercício efetivo da atividade profissional como advogado fazem com que, não raro, determinadas posições acerca do Direito sejam radicalmente repensadas, adotando-se outras, mais consentâneas com a realidade hermenêutica constitucional. A mudança de pensamento acerca de determinadas questões é mais do que natural e faz parte da evolução intelectual.

Exercitar diariamente a leitura de textos jurídicos - refletindo sobre tudo o que foi lido -, faz com que pontos de vista sejam, não raro, revistos e novos horizontes interpretativos advenham com tal experiência. A inquietação do espírito impõe que entendimentos, até então sedimentados na mente do intérprete, sejam eventualmente alterados, pois, detectados indisfarçáveis equívocos interpretativos, sendo que a obrigação, destarte, é rever posições.

O conhecimento científico, como consabido, é inequivocamente provisório, jamais perene, na medida em que o objeto cognoscível sempre se mostra sob outro viés ao sujeito cognoscente, que sobre ele se debruça1. Eis a riqueza da pesquisa científica. A cada nova leitura, mais conhecimentos agregados e enriquecimento do espírito. O jurista não deve parar de ler, escrever e estudar! Não deve parar de pensar! Sempre questionar e se indagar acerca da forma como pensa sobre o Direito. Estas são as regras básicas a serem adotadas desde o início do curso por aqueles que realmente têm a intenção de se dedicar ao Direito, de somenos qual a profissão abraçará. Esse "ler, escrever e pensar" perdura por toda a vida, não há dúvida.

A primeira vez que escrevi algumas acanhadas linhas sobre os chamados "princípios da proporcionalidade e razoabilidade" foi em 27/6/99, ou seja, há vinte anos. De lá para cá sempre me utilizei de tais "princípios" jurídicos em inúmeros arrazoados; a jurisprudência, inclusive dos tribunais superiores, a eles deu ênfase (quiçá demasiada); a doutrina tratou de colocar nas prateleiras de livrarias especializadas enxurrada de verdadeiros tratados e densas obras sobre o tema. Afinal, tais princípios são constitucionais e ganham degrau superior em qualquer obra dessa natureza. O próprio STF deles se utiliza regularmente e os princípios ganharam notoriedade no meio jurídico. São deveras festejados.

A ligeira impressão que se tem é de que tais "princípios" jurídicos se encontram em nível superior (em termos constitucionais) e obrigatoriamente devem ser citados em petições, pareceres e decisões judiciais, o que se nos parece evidente equívoco. O intérprete autêntico a eles se reporta (reiteradamente) quando decide casos; os advogados veem neles verdadeiros "princípios-curingas" (ou prêt-à-porter), que servem para tudo; amoldam-se a quaisquer situações fático-jurídicas e são de extrema importância, sem descuidar que chamam a atenção do leitor, especialmente o menos avisado.

Devem ser analisados antes do dispositivo legal, na medida em que são considerados princípios de cunho constitucional; o jurista abre capítulo próprio para escrever laudas e laudas sobre eles, o que garante maior robustez ao texto jurídico e demonstra certa erudição de quem redige. Afinal, a doutrina e a jurisprudência são fartas e estão ao alcance da mão, tudo no mesmo sentido. A proporcionalidade e a razoabilidade são prêt-à-porter, porque cabem facilmente em qualquer discurso jurídico, mesmo que raso, sem consistência e vazio de conteúdo, como sói ocorrer em vários arrazoados. Cabem em qualquer ação judicial, pois, de relevo constitucional.

Trata-se de equívoco, evidentemente e, passados tantos anos, de uns tempos para cá me senti no dever de formalizar novas reflexões, pois, impositivo, em apertada síntese, exorcizei tais princípios e agora tenho o dever de analisá-los sob outro viés, quiçá mais acurado e menos açodado.

Filio-me, destarte, ao entendimento de Eros Roberto Grau, para quem a proporcionalidade e a razoabilidade são novo nome para a equidade (CPC antigo: art. 127 e art. 1109; CPC atual: art. 140, parágrafo único, e art. 723, parágrafo único; lei de introdução às normas do direito brasileiro, art. 5º), ou seja, algo de há muito conhecido. De fato, razoabilidade e proporcionalidade não se traduzem em princípios constitucionais e sim postulados normativos, regras de interpretação/aplicação do direito2 O jurista Eros Grau é um pensador cujos textos devem ser lidos e relidos, por todos os que se dedicam ao Direito.

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1 Nesse passo, esclarece Luis Alberto Warat que toda a pesquisa implica em uma seleção arbitrária e fragmentada de informações. O que equivale a dizer que nenhum tema pode ser esgotado. O direito e sua linguagem. 2ª versão. 2ª edição aumentada, com a colaboração de Leonel Severo Rocha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995, p. 7.

2 Por que tenho medo dos juízes: (a intepretação/aplicação do direito e os princípios). 7ª edição. São Paulo: Malheiros, 2016, pp. 20 e 136.

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*Carlos Roberto Claro é advogado em Curitiba, especialista em Direito Empresarial e mestre em Direito.

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