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Impacto do Covid-19 no judiciário de São Paulo

Bruno Daleffi e Julio Trecenti

Os impactos da pandemia não se limitam apenas aos sistemas de saúde e aos segmentos econômico e social. O judiciário também sofrerá impactos. O cancelamento de audiências, a suspensão dos prazos judiciais e o potencial aumento de processos relacionados à insolvência, são apenas alguns exemplos de problemas do judiciário que enfrentaremos nos próximos meses

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Atualizado às 10:14

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O avanço acelerado do Covid-19 tem causado um significativo desequilíbrio no âmbito da saúde e em aspectos econômicos e sociais ao redor do mundo. Em 18 de março, a chanceler alemã Angela Merkel, em seu primeiro discurso televisivo em seus 14 anos de mandato, chegou a se dirigir ao Covid-19 como o "maior desafio (da humanidade) desde a Segunda Guerra Mundial".

Os impactos da pandemia, entretanto, não se limitam apenas aos sistemas de saúde e aos segmentos econômico e social. O judiciário também sofrerá impactos. O cancelamento de audiências, a suspensão dos prazos judiciais e o potencial aumento de processos relacionados à insolvência (que já tratamos neste texto) são apenas alguns exemplos de problemas do judiciário que enfrentaremos nos próximos meses.

Para começar a entender esses impactos, a equipe da Terranova, com o auxílio de Guedes Nunes, Oliveira e Roquim Advogados, realizou, através da consulta automatizada dos diários oficiais, uma comparação dos volumes de processos ajuizados no Tribunal de Justiça de São Paulo entre janeiro e março de 2019 e no mesmo período de 2020. 

A figura abaixo mostra o número de novas ações publicadas nos diários oficiais por dia desde o começo de janeiro até 31 de março. Nela é possível observar a expressiva cavidade no padrão de processos distribuídos a partir do dia 17 de março, quando começou, oficialmente, a quarentena decretada pelo governador do estado, João Doria. O primeiro caso confirmado de Covid-19 no Brasil foi anunciado em 26 de fevereiro.

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Figura 1: Novas ações publicadas no Diário de Justiça Eletrônico de São Paulo.

Nas duas semanas seguintes ao decreto de quarentena, o número médio de ações publicadas no diário de São Paulo caiu de 20.000 para 5.700 processos por dia, valor equilibre a pouco mais de 25% do que seria esperado em condições normais.

Curioso também notar que, na semana imediatamente anterior ao decreto de quarentena (entre os dias 01 e 16 de março), o volume de processos sofreu um aumento de 20% quando comparado com o mesmo período do ano passado. Esse aumento pode resultar de uma antecipação da distribuição de ações por advogados e partes, que temiam o fechamento dos tribunais.

A tabela abaixo resume as oscilações no número de novas ações publicadas no DOSP em diferentes períodos de 2019 e 2020. 

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Tabela 1: Número de novas ações publicadas no Diário de Justiça Eletrônico de São Paulo.

A Terranova também procurou avaliar se o Covid-19 teria impactado não apenas na quantidade, mas nos tipos de ação. Ao separar os processos por assunto, focamos em dois dos primeiros segmentos impactados pela pandemia: turismo e transporte aéreo. 

A Figura 2 compara a proporção de ações (em relação ao total distribuído) com assuntos referentes a turismo ou transporte aéreo entre janeiro e março de 2019 e para o mesmo período em 2020. A conclusão, como esperado, é de que houve impacto. 

A proporção desses casos em 2020 praticamente dobrou com relação a 2019 e, embora ainda não seja possível atribuir tal aumento aos efeitos da pandemia, é importante acompanhar esses tipos de ações, que podem contribuir negativamente para a crise do segmento ao longo de 2020.

Ademais, que isso sirva de alerta para que o tribunal de justiça compreenda o perfil desses conflitos e sinalize, o mais rapidamente possível, seja através de súmulas ou de incidentes de demandas repetitivas, seu entendimento a respeito da extensão da responsabilidade da companhias aéreas, agências de turismo e outros fornecedores perante seus clientes.

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Figura 2: Proporção de ações ajuizadas em SP com assuntos referentes a turismo ou transporte aéreo.

Um último comentário, agora sobre a gestão geral dos tribunais em épocas de crise.

A redução no número de novas ações (Figura 1) poderá desafogar, temporariamente, a carga do sistema judiciário. Isso trará um fôlego para a magistratura em um primeiro momento. 

No entanto, essa queda poderá ser breve, parece já ter sido revertida nos últimos dias de março e pode ser sucedida por um aumento significativo e duradouro no número de novas ações, seja porque os impactos do Covid-19 se estenderão para outros mercados, seja porque os casos não distribuídos a partir de 16 de março estão "latentes" e entrarão na justiça a medida em que as atividades voltarem ao normal.

Como, então, deveriam reagir os tribunais?

Primeiro, o momento atual, em que ainda há menos ações, pode ser uma oportunidade para que o judiciário foque em julgar os casos pendentes, diminuindo seu estoque. Essa diminuição compensaria ao menos em parte o aumento que esperamos após a normalização.

Segundo a mudança de rotina e a adoção de novas tecnologias de trabalho trouxeram ganhos efetivos de produtividade para todos. Um dos efeitos da pandemia é que estamos aprendendo, ainda que "na marra", a trabalhar de uma forma diferente, à distância e com o uso de vídeo conferência, por exemplo, Os tribunais devem identificar essas mudanças positivas e institucionalizá-las, de forma a compatibilizá-las com o direito à ampla defesa.

Terceiro, os tribunais devem monitorar de perto os volumes e tipos de ações para identificar os casos repetitivos e formar um posicionamento dominante sobre essas questões o mais rapidamente possível. As ações judiciais decorrem de incerteza social. Enquanto houver dúvida, as ações continuarão entrando. Quanto mais célere forem os tribunais em dissipar essa incerteza mais rapidamente a movimentação judiciária convergirá para os seus volumes históricos. 

Estamos elaborando estudos para medir os impactos do novo coronavírus com o objetivo de fornecer insumos quantitativos para tomada de decisão estratégica no sistema judiciário, escritórios de advocacia e nos departamentos jurídicos. 

Traremos mais resultados em breve.

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*Bruno Daleffi é estatístico formado pelo IME - USP. Mestrando em Inteligência Artificial na Escola Politécnica - USP.

*Julio Trecenti é secretário geral da Associação Brasileira de Jurimetria. Presidente do Conselho Regional de Estatística - 3ª Região. Mestre e doutorando em estatística pela Universidade de São Paulo. Estatístico em São Paulo.

*Marcelo Guedes Nunes é professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Presidente da Associação Brasileira de Jurimetria. Sócio do escritório Guedes Nunes, Oliveira e Roquim Sociedade de Advogados.

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