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Assim falou Zagrebelsky! Ou em torno da decisão de Lewandowski na ADIn 6.363

O que estará em jogo no Supremo Tribunal Federal?

terça-feira, 14 de abril de 2020

Atualizado em 15 de abril de 2020 08:54

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O Supremo Tribunal Federal, no dia 16 de abril de 2020, ao apreciar as medidas cautelares requeridas nas ADIns 6.363 e 6.342 (dentre outras), escreverá mais um capítulo da nossa história constitucional e da democracia brasileira.

Das diversas inconstitucionalidades apontadas nos pedidos cautelares, a de maior repercussão é a da possibilidade de acordo individual para redução de salário e jornada, quando a Constituição, de forma literal e expressa, condiciona tal redução à negociação coletiva, portanto, à celebração de acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho.

Em tempos normais, não haveria muito o que se discutir. O imperativo constitucional é de clareza absoluta. O suporte fático é a necessidade da redução salarial por algum motivo imperioso que, de outro lado, compense a perda com proteção ao emprego, em especial no que se convencionou chamar de "legislação de crise"1.

Enquanto a norma (art. 7º, VI, CRFB/88) admite a redução salarial, o seu sentido é claramente protetivo e só pode ser alcançado por intermédio da contratação coletiva2. Isso porque, na relação individual de trabalho se está diante de maior fragilidade do empregado. A negociação coletiva dá melhores chances para alternativas concretas que protejam em maior escala.

Nesse sentido, o STF já assentou as diferenças entre a assimetria individual, de um lado, e, de outro, a possibilidade de melhor paridade de armas que decorre da negociação e do negócio jurídico dela derivado (acordo coletivo ou convenção coletiva). Foi no RE 590.415/SC que o ministro Luís Roberto Barroso fixou:

"[...] 3. No âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Como consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual. 4. A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/1949 e na Convenção n. 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida. [...]

20. Diferentemente do que ocorre com o direito individual do trabalho, o direito coletivo do trabalho, que emerge com nova força após a Constituição de 1988, tem nas relações grupais a sua categoria básica. O empregador, ente coletivo provido de poder econômico, contrapõe-se à categoria dos empregados, ente também coletivo, representado pelo respectivo sindicato e munido de considerável poder de barganha, assegurado, exemplificativamente, pelas prerrogativas de atuação sindical, pelo direito de mobilização, pelo poder social de pressão e de greve. No âmbito do direito coletivo, não se verifica, portanto, a mesma assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Por consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual."

De outro lado, também no âmbito do STF, e como precedente, tem-se a decisão proferida na ADI-MC 1.681/DF, na qual o Supremo assentou a tese da inafastabilidade do sindicato da negociação coletiva e da representação dos interesses coletivos e individuais da categoria.

O precedente é forte na aplicação dos incisos III e VI do artigo 8º da Constituição Federal, nos casos em que o legislador procura afastar a participação sindical e, com isso, fragilizar individualmente as pessoas no âmbito da relação de emprego.

A ementa traduz o debate produzido no âmbito da Corte, que foi assim resumido:

"Ação direta de inconstitucionalidade: medida cautelar: impugnação da parte final do inciso I do art. 2º da Medida Provisória 1698-46, de 30.6.98, que prevê, como alternativa à convenção ou ao acordo coletivo, que se estabeleça, para o fim de compor a fórmula de participação dos empregados nos resultados das empresas, uma comissão "escolhida pelas partes, integrada, também, por um representante indicado pelo sindicato da respectiva categoria, dentre os empregados da sede da empresa". A expressão impugnada, ao restringir aos filiados que servem na empresa, a escolha, a ser feita pelo sindicato, daquele que deverá compor a comissão destinada a, alternativamente, negociar a participação dos empregados nos lucros e resultados da empregadora, é de ter-se por ofensiva ao art. 8º, III, da Constituição, que consagra o princípio da defesa, pelo sindicato, "dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria", em razão do qual goza a entidade da prerrogativa de representar os interesses gerais da respectiva categoria e os interesses individuais dos associados relativos à atividade ou profissão exercida: limitação da independência do sindicato na sua participação, que a Constituição impôs, nessa modalidade de negociação coletiva (CF, art. 8º, VI). Introdução de um mecanismo típico de sindicalismo de empresa, que o nosso sistema constitucional não admite. II - Deferida a suspensão cautelar da expressão "dentre os empregados da sede da empresa"." (STF-ADI/MC-1.681/DF, Relator Ministro Ilmar Galvão, Redator para o acórdão Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 06-09-2007 PP-00035)3

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1 A ideia de "legislação de crise" surgiu em especial nos países de capitalismo central no epicentro da crise financeira de 2008, que reformatou a legislação trabalhista de países como Espanha, Portugal, Itália e França. Anterior a ela, e no bojo das mudanças do capitalismo industrial para o financeiro, com desindustrialização e o fechamento de postos de trabalho, surge chamada "flexisegurança" (para mais detalhes sobre a expressão flexisegurança cf. BELTRAN, Ari Possidonio. "Direito do trabalho: crise econômica, flexibilização e desenvolvimento tecnológico". In. Empresa e Trabalho: estudos em homenagem a Amador Paes de Almeida. São Paulo. Saraiva. 2010). Depois delas, e mais recentemente, a tentativa não mais de uma "legislação de crise", mas da implantação de uma nova ordem estruturada a partir da "liberdade econômica". Um exemplo da legislação de crise, no Brasil, é o Programa de Proteção ao Emprego (PPE, lei 13.189/15). De flexisegurança, é a lei 9.601 de 21.01.98, que ampliou o conceito de contrato por prazo determinado, mediante a utilização de acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho. E os dois exemplos mais recentes de tentativa de implantação de "nova racionalidade" é a lei 13.467/17 (reforma trabalhista) acompanhada da lei 13.874/19 (liberdade econômica). Países como Espanha, Portugal e Itália iniciaram, mais recentemente, uma reconversão da legislação de crise para parâmetros gradualmente protetivos.

2 Conjugação dos artigos 7º, caput e incisos VI e XXVI; 8º III e os princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho.

3 Decisão unânime, votou o Presidente. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Celso de Mello, Presidente, Moreira Alves e Marco Aurélio. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Carlos Velloso, Vice-Presidente. Plenário, 16.9.98.

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t*José Eymard Loguercio é advogado, mestre em Direito pela Universidade de Brasília, especialista em Direitos Humanos do Trabalho e Direito Transnacional do Trabalho pela Universidade Castilla-La Mancha (UCLM), Espanha. Sócio da LBS Advogados e presidente do Instituto Lavor.
 
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