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Consumidor e Empresário: Como Enfrentar os Impactos Gerados pela crise do Covid-19

Após tratarmos sobre diversos aspectos relevantes sobre o direito privado e o direito do consumidor neste período de instabilidade causado pela pandemia nos resta a afirmar que a solidariedade social e a colaboração entre as partes devem ser aplicadas nesta crise de consequências imprevisíveis.

terça-feira, 28 de abril de 2020

Atualizado às 14:11

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Na atual crise que vivenciamos em razão da pandemia instalada pelo COVID-19, tanto o legislador quanto o interprete estão se obrigando a adequar os institutos do direito no intuito de conseguir compor de forma harmônica os interesses de todos os grupos produtivos, para enfrentar da melhor forma possível esse momento de instabilidade.

Comecemos a tratar dos contratos cativos de longa duração ou de trato sucessivo, como os de planos de saúde e escolares, os quais devem ser analisados de forma particular e individual, principalmente levando em consideração as condições econômicas e sociais das partes afim de ajustar as suas prestações/mensalidades ao caos financeiro provocado pela Pandemia, que pode gerar perda de renda e emprego de ambos os lados do negócio.

Os princípios da boa-fé objetiva e da justiça contratual devem ser bastante utilizados nesse período na busca de melhores soluções para os conflitos existentes nas mais diversas relações contratuais.

Veremos nesse período, inevitavelmente, um aumento significativo do endividamento dos consumidores, fator que já tem certa peculiaridade em nossa sociedade e certamente será agravado.

O artigo 478 do Código Civil traz à baila a teoria da imprevisão, que permite a revisão de "contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis", podendo o devedor pedir a resolução do contrato. Tal artigo se aplica a atual situação vivenciada em razão da pandemia enfrentada no país. Ou seja, o momento que vivemos pode e deve ser considerado como situação excepcional, em que as consequências sociais e econômicas, bem como a restrição da liberdade, inclusive contratual, não encontram paralelo na história recente do país.

O caso fortuito ou força maior (art. 393, parágrafo único) impedirá também o cumprimento de diversos contratos, por conta das restrições determinadas pelo poder público, em detrimento do impedimento do funcionamento regular de algumas atividades econômicas.

Houve restrições, por exemplo, no transporte aéreo, terrestre e marítimo de  passageiros oriundos de locais onde a contaminação pelo coronavírus foi confirmada, além do cancelamento de eventos e atividades com presença de público, aulas das redes pública e privadas de ensino, além do fechamento de academias, shopping e demais lojas e comércios de ramos que não fossem considerados prestadores de serviços e produtos essenciais. 

Ou seja, além dos serviços e produtos considerados essenciais, ficaram mantidos aqueles que podem ser fornecidos a distância, como alguns serviços da advocacia e da contabilidade.

Muitas empresas adotaram o serviço home office e delivery como uma nova forma de vender. Reuniões que só aconteciam presencialmente se transformaram, simplesmente em um e-mail ou uma conferência por telefone ou internet.

Muitas academias de ginastica, cursos e escolas particulares, passaram a oferecer aulas virtuais para os seus alunos a fim de minimizar as consequências da pandemia.

Contudo, algumas empresas possuem dificuldade para se adequar as tais mudanças e acabam por não buscarem alternativas para continuarem oferecendo e fornecendo seus serviços e produtos para os consumidores.

Obviamente, que alguns empresários, como cabelereiras(os), manicures, esteticistas, ficam impossibilitados de prestarem seu serviço por conta do isolamento.

Mas, isso não significa que não tenham alternativas para superar a crise. Para esses empresários existem a oferta de descontos para compra antecipada para uso pós pandemia. Assim, é necessário que nesse momento, mais que nunca, utilizem de criatividade e inovação em propaganda, marketing e gestão de negócio.

A empresa moderna precisa se adaptar a essa nova realidade. Não basta simplesmente buscar se cobrir pelo "caso fortuito e da força maior", acreditando que eles sejam suficientes para que você não venha a sofrer ações e reclamações dos consumidores.

Este é o momento de apresentar para o consumidor, mesmo de forma antecipada, alternativas para os contratos em andamento. Vamos exemplificar? No caso de aulas particulares, ou pacotes de serviços estéticos, a empresa pode entrar em contato com o cliente e informar que o serviço será reposto logo quando passar a pandemia e o período de isolamento, com o consequente retorno das atividades.

Em contrapartida, o consumidor precisa, nesse momento, repensar a forma de encarar os seus direitos, utilizando sempre os princípios da boa-fé objetiva e da justiça contratual, buscando, em solidariedade com a situação, alternativas amigáveis para os seus problemas, pois sabemos que a recessão econômica que o país enfrentará trará como consequência o fechamento de muitas empresas desprotegidas ou despreparadas, gerando assim aumento no índice de desemprego.

Algumas medidas legislativas já foram tomadas e estão sendo criadas para o enfrentamento desta crise e tanto o consumidor, quando o empresário, precisam ficar atentos as mudanças trazidas. Citaremos a seguir algumas vertentes inovadoras das relações de consumo no atual momento.

Serviços Essenciais

O Poder Legislativo tem se preocupado muito com a regulamentação da prestação de serviços e com a comercialização de produtos neste período.

Assim, tramitaram e, alguns, já foram sancionados, projetos de lei buscando adequar os direitos privados e do consumidor a nossa atual realidade. Dentre eles, projetos que incluem a vedação quanto à interrupção de serviços essenciais (água, esgoto, luz e energia) mesmo em caso de inadimplência do consumidor.

Já foram ajuizadas, também, diversas ações buscando garantir a prestação de serviços essenciais durante a pandemia.

Nessa esteira, o Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor, protocolou ação contra as operadoras de telefonia com pedido de impedimento de suspensão da prestação do serviço a clientes inadimplentes, a qual teve liminar deferida em primeiro grau.

Ademais, em São Paulo, o Instituto de Defesa do Consumidor (IDECON) propôs ação civil pública contra a ANATEL, ANEEL, ANP e a ARSESP requerendo que os consumidores inadimplentes não tenham suspenso o fornecimento dos serviços de água, luz, gás e telefonia.

Na Bahia, a ABDECON vem atuando veementemente contra práticas abusivas neste período, A mesma já ingressou com ações em desfavor de uma companhia aérea, uma plataforma online de reservas de viagens e de hospedagem, e ainda contra concessionária de água, afim de assegurar a continuidade do fornecimento de serviços ao consumidor.

Preços Abusivos

Os bens de consumo, independente do grau de sua essencialidade, não poderão ser reajustados excessivamente, conforme preceitua o artigo 39, X do Código de Defesa do Consumidor, o qual classifica como abusiva tal conduta.

Apesar de ter conhecimento de que pode-se alterar o preço dos produtos e serviços como expressão da livre iniciativa e em decorrência da variação no volume de oferta e procura, é importante destacar que o CDC proibi de forma clara o aumento em excesso dos preços "sem justa causa".

Assim, caso seja observado a prática de tal conduta, o consumidor poderá fazer uma denúncia, que será analisada e processada administrativamente, podendo a empresa ser multada administrativamente em até R$ 10 milhões. Desta forma, as empresas precisam ficar atentos a legislação para evitar a incidência de penalidades neste período.

Medicamentos

No momento, também houve preocupação do Governo Federal no que tange a comercialização de medicamentos.

Dessa forma, fora editada a Medida Provisória n. 933/2020, a qual suspende o reajuste anual de preços de medicamentos pelo período de 60 dias.

Consumidores Turistas

Muitas viagens foram canceladas em decorrência da pandemia.

Nestes casos, aquele que tinha viagens agendas para este período terá o direito de cancelar o voo e receber o valor de volta ou reagendar o voo sem cobrança de taxa. Vale ressaltar que, além de poder cancelar a viagem e ter seu dinheiro de volta, o consumidor poderá reagendar a partida para uma data futura ou viajar para outro destino de mesmo valor. A empresa pode negociar com o consumidor, desde que a alternativa não o prejudique e haja concordância.

De acordo com o PROCON, mesmo existindo uma resolução da ANAC, as empresas aéreas NÃO podem cobrar multa por cancelamento ou remarcação de viagem, visto que tal fato derivou de evento de força maior.

Ademais, a SENACON editou a Nota Técnica n. 2/2020 na qual foram editadas regras e instruções sobre cancelamento, devolução, alteração e reembolso de passagens aéreas. Informando, ainda, que os consumidores podem ressorver suas pendencias com as companhias aéreas através do site https://www.consumidor.gov.br/.

Temos, também, a Medida Provisória n. 925, que estabeleceu prazo de doze meses para reembolso de passagens aéreas (artigo 3º), observadas as regras contratadas.

Caso o consumidor opte pelo crédito para utilização futura terá o prazo de doze meses, também, para utilizá-lo, sendo isentado das penalidades contratuais.

Vale destacar, que em ambos os casos (reembolso ou crédito) as regras são válidas para todos os contratos de transporte aéreos firmados até 31 de dezembro de 2020.

Remarcação e Cancelamento de Eventos

Eventos como formaturas, casamentos, festas e shows foram cancelados, sob a alegação de motivo de força maior.

Nesses casos, tanto consumidores quanto os empresários podem pedir o cancelamento alegando risco para a saúde, sendo possível a remarcação sem prejuízos. Contudo, é direito do consumidor, requerer a devolução do valor pago sem qualquer multa, no caso de cancelamento definitivo do evento. As empresas podem oferecer as opções, mas conforme o Código de Defesa do Consumidor cabe ao cliente escolher a forma que melhor lhe atende.

Direito Educacional X Direito do Consumidor

Com o intuito de evitar conflitos e ações judiciais, preservando o direito do consumidor, mas sem comprometer economicamente as instituições de ensino, a SENACON - Secretaria Nacional do Consumidor, lançou a Nota Técnica n.º 14/2020, com orientações para consumidores e instituições de ensino, entre elas:

1. É PERMITIDO que as instituições ofereçam aulas presenciais em período posterior, com consequente alteração do calendário de aulas e férias ou realizem as aulas na modalidade à distância, quando possível.

2. Em ambos os casos, deve-se observar a carga horária mínima estabelecida em lei.

3. Vale destacar que, não há redução de mensalidade e nem postergação do pagamento nesses casos.

4. A nota técnica informa que o fato de as instituições de ensino não estarem arcando com certos custos em razão da interrupção das aulas, não autoriza a exigência de desconto nas mensalidades, visto que as aulas serão repostas em momento posterior, ou serão necessários novos investimentos para disponibilização das aulas na modalidade à distância.

ATENÇÃO! Se as aulas ocorrerem em momento posterior (férias), não é adequado que os estabelecimentos de ensino cobrem valores adicionais dos consumidores. (Não tratam-se de regras e sim de RECOMENDAÇÕES, assim, cada empresa e cada consumidor pode tomar a medida que entender pertinente.

Contudo, a indicação é que em momentos de crise, como o que vivemos, o diálogo e negociação sejam sempre levados em consideração.

Cursos Livres e Serviços de Academias de Ginastica e Afins

Nos casos da prestação desses serviços, o consumidor, com a suspensão temporária do curso, tem direito ao cancelamento do contrato e devolução dos valores descontado o período que já utilizou dos serviços. Contudo, poderá ser feito um acordo com a empresa prestadora e o aluno para decidir entre a devolução do valor pago com os abatimentos devidos ou a reposição das aulas, cabendo ao consumidor a decisão final

Ademais a SENACON apresentou Nota Técnica n. 20/2020 com orientações especificas para esses casos, incluindo buscas de soluções extrajudiciais, oferecimento de reposição de aulas em períodos posteriores a pandemia ou oferecimento de prestação de aulas à distância, desde que essa opção seja expressamente aceita pelo consumidor e permitida pelo Conselho Regional de Educação Física.

Planos de Saúde

No dia 12 de março a ANS aprovou a inclusão do exame de detecção do CORONAVÍRUS na relação de procedimentos obrigatórios que deverão ser cobertos pelos planos de saúde. Contudo, a cobertura será obrigatória apenas para casos classificados como suspeitos ou prováveis de doença pelo Covid-19, com a referida indicação médica.

Vale destacar que, caso seja confirmada a contaminação no paciente, o tratamento para a doença já é assegurado pelos planos de saúde, independente da segmentação (AMBULATORIAL OU HOSPITALAR) contratada pelo consumidor.

Seguros de Vida

Uma ação inovadora e foi o momento realizado pela FENACOR, federação nacional que congrega as corretoras de seguro.

A Federação convocou as seguradoras para promover a retirada da cláusula de exclusão por pandemia dos seguros de vida, gerando, assim, a cobertura em caso de morte ao consumidor. Vinte e seis empresas, que juntas representam 95% do mercado de seguros, já aderiram ao movimento.

Propostas Legislativas

Além das iniciativas legislativas acima mencionadas, outras propostas em tramitação merecem destaque:

  • Projeto de Lei nº 1.179/2020 - Regime Jurídico Emergencial e Transitório (RJET) das Relações Jurídicas de Direito Privado

Em 30 de março do correte ano, pelo presidente interino do Senado, Antonio Anastasia, o Projeto de Lei n. 1179/20, o qual cria o Regime Jurídico Emergencial e Transitório (RJET) das Relações Jurídicas de Direito Privado relativo ao período da pandemia de covid-19.

Dentre as medidas trazidas pelo PL destacamos a suspensão dos prazos prescricionais (art.3º) e usucapião (art.14), a postergação da entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018) para 2021, e ainda o impedimento da alegação do caso fortuito e força maior para dívidas antigas.

O Projeto de Lei que aqui tratamos está limitado ao direito privado e não trata de matéria falimentar e recuperacional, e o mesmo fora aprovado pelo Senado em 03/04/2020.

No tocante ao direito do consumidor o Projeto de lei se preocupou em regulamentar de forma especifica as relações de consumo formalizadas a distância, trazendo em seu artigo 8º restrições acerca do direito do arrependimento.

O art. 49 do Código do Consumidor regulamenta tal direito, afirmando que, quando o consumidor adquire qualquer produto fora do estabelecimento físico (internet/telefone), o mesmo possui o direito de se arrepender, desistindo da compra no prazo de 7 dias, contados do momento da efetivação da compra ( produtos digitais) ou quando receber o produto( produtos físicos )com a restituição integral do preço, sem custos adicionais.

Contudo, de acordo ao levantamento feito pela PayPal e pela BigData Corp, em razão da pandemia do COVID-19, o isolamento fez com que as compras on-line obtivessem um crescimento no patamar de 40%.

As medidas de isolamento compulsório poderão afetar as entregas realizadas pelo delivery. Assim, a RJET em seu artigo 8º suspende até 30 de outubro de 2020, o Direito de Arrependimento. A suspensão, porém, só é válida para produtos considerados essenciais durante a pandemia (alimentação, prevenção ao coronavírus e medicamentos).

  Projeto de Lei n. 1.200/2020 - Moratória para as relações obrigacionais de consumo

No Senado Federal há a Tramitação do Projeto de Lei n. 1.200/2020 apresentado pelo senador Rodrigo Cunha, o qual propõe a instituição de moratória, até 30/06/2020, em relação a obrigações pecuniárias de consumidores pessoas físicas quanto a serviços essenciais, bancários, securitários e educacionais.

  Projeto de Lei n. 675/2020 - Suspensão da inclusão de novos inscritos em cadastros negativos

A Câmara dos Deputados no último dia 09 de abril de 2020, aprovou o Projeto de Lei n. 675/2020, que suspende por 90 (noventa) dias a inclusão de novos inscritos em cadastros negativos por motivo de inadimplência registrada após o dia 20/03 a regra d, sendo que tal regra deverá ser aplicada de fora retroativa remoção de casos incluídos indevidamente.

  Projeto de Lei n. 23.798/2020 - Redução de 30% no valor das mensalidades da rede particular de ensino.

No âmbito do Legislativo baiano tramita o projeto de Lei n. 23.798/2020, na Assembleia Legislativa da Bahia, de autoria do Deputado Alan Sanches, o qual propõe a redução de 30% no valor das mensalidades na rede particular de ensino, enquanto perdurarem as medidas para enfrentamento do COVID-19 adotadas pelo Governo do Estado.

Tal projeto englobaria as Instituições de Ensino Superior. De acordo com o projeto a Instituição que descumprir a medida de redução estará sujeita a multa de 100% sobre o valor da mensalidade de cada aluno que não tenha obtido a redução

Considerações

Após tratarmos sobre diversos aspectos relevantes sobre o direito privado e o direito do consumidor neste período de instabilidade causado pela pandemia nos resta a afirmar que a solidariedade social e a colaboração entre as partes devem ser aplicadas nesta crise de consequências imprevisíveis.

Encontramo-nos diante da veemente oportunidade de repensar o direito do consumidor sob a ótica, também, dos fornecedores de serviços e produtos, visto que estes, representem talvez uma das partes mais prejudicadas com a crise que estamos enfrentando.

Por fim, é importante que lembremos sempre e, sobretudo do amparo aos vulneráveis, especialmente os pobres e marginalizados, tendo como espelho a nossa Lei Maior no que diz respeito a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, I e III, CF) e também, na Lei Divina quando nos fala do amor ao próximo.

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*Analdina Carneiro de Oliveira Neta é advogada. Graduada em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Pós Graduanda em Direito Eleitoral.  Atuante da área do Direito do Civil e das Relações de Consumo. Sócia do Escritório Oliveira e Rios Sociedade de Advogados.

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