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Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde

Mesmo que se saiba que proteger, prevenir e tratar as doenças, por meio de medidas que assegurem a integridade física e psíquica do ser humano, o que fazer quando faltam recursos?

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Atualizado em 9 de julho de 2020 11:19

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A nossa Constituição Federal diz que a saúde deve ser garantida por meio de políticas sociais e econômicas que objetivem a redução do risco de doença, o que se materializa em disponibilizar os tratamentos médicos, vagas em hospitais, profissionais capacitados, medicamentos, exames médicos, que nada mais são do que formas positivas de preservar a vida e a dignidade do ser humano.

Dessa forma, a saúde está positivada na Constituição como um direito de todos e um dever do Estado.

A saúde está entre os direitos prestacionais estritamente ligados aos direitos fundamentais, pois não há falar em preservar a vida, sem implementar a saúde.

Não há como fugir dessa reflexão no presente momento histórico de pandemia. Mesmo que se saiba que proteger, prevenir e tratar as doenças, por meio de medidas que assegurem a integridade física e psíquica do ser humano, o que fazer quando faltam recursos?

Falar do direito à saúde, como uma norma constitucional de caráter programático, em determinadas situações concretas, e é o que está ocorrendo pontualmente e de maneira generalizada atualmente, em que faltam leitos em UTI's, não há respiradores para todos e o sistema de saúde está em colapso.

Importante ressaltar que quando falamos no colapso do sistema de saúde, não estamos restringidos ao covid-19. As demais doenças que não deixaram de existir, e por conta da pandemia, estão sendo deixadas de lado, seja por negligencia ou por real necessidade de atender casos mais graves, já estão se agravando e a tendência é que as verbas fiquem cada vez mais escassas.

Considerando esse aspecto, é importante que se saiba que discussão não é recente, e já há muito fala-se sopesamento dos princípios em âmbito constitucional e em um espectro mais amplo, em Direitos Humanos.

Estamos em um momento em que despesas do Estado estão potencializadas e sendo alvo de medidas de urgência, além da restrição aos atendimentos em geral, não há recursos suficientes para atender todos que necessitam do sistema de saúde.

Sem questionar se estão ou não sendo respeitados os princípios da legalidade e proporcionalidade na tomada das decisões, o fato é que os Estados não podem realizar, por si, investimentos para os quais não haja recursos suficientes.

Portanto, falar em escassez de recursos consequentemente leva a uma seleção de prioridades do administrador público.

Com isso surge a necessidade de se fazer escolhas.

Nesse momento, é importante sedimentar a ideia de que os direitos fundamentais não são absolutos e podem ser essencialmente conflitantes.

Nesse caso, deve ser aplicado o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade na resolução de questões desse tipo, como um meio de impedir ou reprimir violações a direitos fundamentais puros, e os sociais estritamente ligados aos fundamentais e passar a trabalhar com sopesamento de princípios.

A Constituição Federal e os Direitos Humanos estabelecem balizas quando é necessário ponderar a prestação do direito à saúde.

Os principais princípios constitucionais norteadores são: universalidade, integralidade e equidade.

A previsão orçamentária limita a atuação do Estado na efetivação dos direitos sociais e fundamentais, assim, as prioridades devem ser levadas em conta para que seja preservado o "mínimo existencial".

E eventualmente, deve ser feita uma ponderação de valores, a fim de que os direitos mais fundamentais sejam efetivados, e então surge a necessidade de se fazer escolhas entre os casos mais necessários.

Diante de determinadas situações, surge a necessidade de fazer escolhas, e é nesse momento que falamos no princípio da reserva do possível que em como baliza a necessidade e a possibilidade orçamentária.

Embora o direito à saúde seja um dever do Estado não há como aplicá-lo indistintamente em todas as situações, pois o Poder Público possui limites orçamentários, bem como existem outros direitos como educação, alimentação, segurança...

Desse modo, falamos em três elementos: distributividade dos recursos, o número de cidadãos atingidos e a efetividade do serviço, observando, desse modo, o princípio da reserva do possível, em atenção à perspectiva de efetividade e viabilidade no caso concreto.

Então o que é o princípio da reserva do possível?

O princípio da reserva do possível deve observar, em cada caso concreto, os três elementos ditos acima: a necessidade, a distributividade dos recursos e a eficácia do serviço, e materializa-se para o Estado na prestação de políticas públicas, das quais se incluem os direitos sociais e prestacionais.

Sendo assim, as peculiaridades de cada caso concreto são especialmente observadas, pois o Poder Público deve prestar o serviço adequadamente, e em estrita observância ao princípio da dignidade da pessoa humana.

No cenário em que há escassez de recursos, inevitável que tenham que ser feitas escolhas, para que se chegue, com o menor dano possível aos direitos humanos, ao atendimento dos casos mais necessários, para ater-se à dignidade da pessoa humana e da igualdade material, levando em conta a necessidade da coletividade.

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ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

BARROS, Marcus Aurélio de Freitas. Controle Jurisdicional de Políticas Públicas. 1 ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008.

FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito Fundamental à Saúde: Parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

OLSEN, Ana Carolina Lopes. Direitos Fundamentais Sociais: efetividade frente à reserva do possível. 1 ed. Curitiba: Juruá, 2011.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32 ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

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*Martina Catini Trombeta é advogada sócia da Catini Trombeta. Pós-graduada em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra/PT, Ius Gentium Conimbrigae e em Direito Previdenciário pela FACAB - Universidade Casa Branca.

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