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Os empréstimos bancários e o CDI, breve reflexão

CDI é um Certificado de Depósito Interbancário. Em suma, trata-se de título originado nos anos 80, utilizado como índice/taxa para remuneração de empréstimos entre bancos para o fechamento diário de caixa positivo.

terça-feira, 30 de março de 2021

Atualizado às 12:18

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Não é de hoje a existência de grande número de ações que pretendem, via poder judiciário, a revisão de mútuos realizados junto de Instituições Financeiras, em especial sob o enfoque da onerosidade excessiva.

Existem processos para todos os gostos, desde aqueles que trazem argumentos embasados e, por consequência, louváveis, como aqueles em que se pretende, única e exclusivamente, prolongar o pagamento daquilo que se reconhece existir e ser exigível, sob argumentos de descaracterização do débito, como índices de taxas de juros, capitalização etc.

Entre as inúmeras teses defendidas, uma delas é aquela que será objeto deste singelo artigo, ou seja, a utilização do CDI - certificado de depósito interbancário- como indexador/fator de remuneração de mútuo bancário, em especial nas Cédulas de Crédito Bancário, regulados pela lei 10.931/04.

Dito isto, importante esclarecer o que é um CDI - Certificado de Depósito Interbancário. Em suma, trata-se de título originado nos anos 80, utilizado como índice/taxa para remuneração de empréstimos entre bancos para o fechamento diário de caixa positivo (os bancos, por normas editadas pelo Banco Central, devem encerrar o dia com saldo positivo, para, assim, dar liquidez ao mercado).

Todavia, como já mencionado, o CDI também é utilizado como fator de remuneração de investimentos ou como índice de remuneração de empréstimos no varejo ou no atacado.

O CDI tem embasamento legal nas resoluções CMN 1.143/86 e 3.399/06, bem como nas circulares Bacen 2.190/92, 2.216/92, 2.905/99 e 3.126/02, as quais dispõem sobre o registro e a liquidação de depósitos interfinanceiros, seus prazos, e remuneração das operações ativas e passivas, inclusive sobre operações contratadas a taxa flutuante.

Com o devido respeito àqueles que pensam de forma contrária, nos parece inconteste que não se pode confundir o CDI com correção monetária, nem com juros, mas sim como indexador de formação de taxa flutuante, tanto isso é verdade que em todos os contratos consta o percentual do CDI contratado.

Realizada esta introdução, importante abrir parênteses para salientar que não raras vezes nos deparamos com teses contestando a aplicação do CDI em contratos bancários. Contudo, aprofundando sobre as questões fáticas de muitos destes processos, acabamos observando que a alegação de indexação é equivocada. Em outras palavras, ou o contrato não prevê a indexação por CDI, ou, prevendo, no momento da apresentação do memorial evolutivo da dívida, apura-se que o indexador nunca foi utilizado pela casa de crédito.

Ou seja, a tese é trazida de forma aleatória e sem a devida concatenação com os fatos que se objetiva discutir, em especial sob a hipótese de levar a discussão pelo foco da súmula 176 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, editada em outubro de 1996, que dispõe: é nula a cláusula contratual que sujeita o devedor a taxa de juros divulgada pela ANBID/CETIP.

Essa tentativa de direcionamento da discussão tem como motivação o fato de que as operações vinculadas ao CDI são fechadas por meio eletrônico e registradas na CETIP - Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos, atualmente incorporada por B3 S/A.

O fato é que quando diante de ações devidamente embasadas, a jurisprudência vem sendo extremamente relutante quanto à aplicação do CDI, pendendo, na maioria dos casos, em desfavor do indexador, o que, com respeito a estas interpretações, entendemos ser um equívoco.

Em socorro ao que vem defendendo este subscritor, em 11/2/20 foi prolatado um importante precedente acerca do imbróglio. Trata-se do Resp 1.781.959/SC, no qual a Febraban atuou com amicus curiae, quando o I. ministro relator, dr. Ricardo Villas Boas Cueva dispôs que para a análise da questão faria necessário compreender em que contexto foi editada a Súmula 176/STJ.

Desta forma, debruçando-se sobre os julgados que lhe deram origem, fez uma lúcida análise acerca do verbete, concluído que 2 (dois) foram os principais fundamentos:

I. o fato de que as normas de regência dispunham expressamente que a taxa variável somente poderia ser fixada pelo Banco Central do Brasil e

II. o caráter potestativo da referida taxa, calculada por entidade voltada à defesa dos interesses das instituições financeiras (Associação Nacional dos Bancos de Investimentos e Desenvolvimento - ANBID)

Quanto ao primeiro fundamento, enfatizou o I. ministro que a normatização vigente à época, com a devida vênia, não dispunha que a taxa variável somente poderia ser fixada pelo Banco Central do Brasil, tal como decidido, senão que incumbia à referida autarquia "fixar parâmetro para base do reajuste periódico das taxas".

Assim sendo, de forma contundente, afirma que a partir da edição da Circular 2.216, de 19 de agosto de 1992, já não mais subsistia, ao menos sob a disciplina das normas específicas aplicáveis à matéria, nenhum óbice em se adotar as taxas de juros praticadas nas operações de depósitos interfinanceiros como base para o reajuste periódico das taxas flutuantes de que trata a Resolução nº 1.143/1986, desde que calculadas com regularidade e amplamente divulgadas ao público, exatamente a situação do CDI, pois se trata de uma taxa regularmente calculada e de conhecimento público.

Quanto à segunda conclusão sobre as ações que deram origem à súmula 176, dispôs com brilhantismo o D. Ministro Relator que necessário se faz aferir se o CDI impõe ao tomador taxa abusiva, já que, em tese, calculada por entidade voltada à defesa dos interesses dos financiadores. Sob este enfoque, concluiu que a taxa DI, que tem o CDI como título que lastreia suas operações, possivelmente reduz as taxas de empréstimos ao tomador final em decorrência da diminuição do custo de captação de moeda no mercado financeiro.

Posto isto, a conclusão é que na maioria das vezes em que ocorre a substituição da indexação do CDI por outra taxa se está, na realidade, penalizando o próprio mutuário, já que a Taxa DI é uma das mais baratas hoje no mercado de crédito, até porque reflete a média das taxas observadas em transações pré-fixadas1.

Ademais, nos dias de hoje o uso do CDI como indexador de contrato de mútuo bancário é muito mais benéfico quando comparado a anos atrás, já que a taxa DI traz estreita relação com a Taxa Selic, que hoje se encontra em patamar histórico2.

Assim, fazemos coro à interpretação do I. ministro na defesa da aplicação do CDI como indexador de empréstimos bancários, até porque a taxa DI não é fixada pelo credor, mas sim pelo mercado, estando, ainda, sob a fiscalização do Bacen e da CMN, não se sujeitando, desta forma, a manipulações que possam atender aos interesses das instituições financeiras.

Segue o I. ministro relator do REsp 1.781.959/SC afirmando que a situação deve sempre ser analisada sob a ótica do caso concreto, em função do percentual aplicado sobre o CDI, a fim de saber se ele descola ou não da taxa média de mercado.

Outrossim, apesar de não ter sido objeto do referido Recurso Especial, também se observa que os processos que deram arrimo ao entendimento sumulado tratavam de ações que discutiam encargos financeiros de títulos de créditos rurais (Nota de Crédito Rural e a Cédula de Crédito Rural), emitidos em favor do Banco do Brasil.

Ocorre que, as Cédulas de Crédito Rural possuem dinâmica diferente de produtos bancários mais maleáveis, como as Cédulas de Crédito Bancário, ou seja, suas peculiaridades não se transportam para a maioria dos produtos financeiros de varejo e atacado.

Dito isto, a nosso sentir, também sob este enfoque, não havia como aplicar aos empréstimos bancários de atacado e varejo a Súmula originada de julgados que discutem Crédito Rural.

Diante desse cenário, após o julgamento do REsp acima apontado inúmeras decisões no mesmo sentido foram surgindo, e como ilustração elaboramos quadro exemplificativo de parte dos precedentes que hoje existem no Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

 CÂMARA

 DES. RELATOR

 RECURSO

 DATA

12

Cerqueira Leite

Ap - 1053993-13.2015.8.26.0002

2/1/21

15

Jairo Brazil F Oliveira

Ap - 1001810-8.2018.8.26.0472

10/6/20

15

Ramon Mateo Jr.

Ap - 1129155.74.2016.8.26.0100

16/2/21

16

Conti Machado

Ap - 1008532.89.2018.8.26.009

15/9/20

22

Matheus Fontes

Ap - 1007938.25.2020.8.26.0100

3/12/20

23

Marcos Gozzo

Ap - 1095094.22.2018.8.26.0100

30/9/20

23

Marcos Gozzo

Ap - 1008950-29.2019.8.26.0482

30/4/20

37

José Wagner Melatto

Ap - 1102860-29.2018.8.26.0100

3/6/20

37

Sergio Gomes

Ap - 1085127-16.2019.8.26.0100

30/6/20

37

Ana Catarina Strauch

Ap - 1117309-89.2018.8.26.0100

26/1/21

37

Pedro Kodama

Ap - 1008351-57.2019.8.26.0008

13/10/20

Como exemplo claro da mudança da interpretação, menciona a apelação 1021889-91.2017.8.26.0100, julgada em 17/12/19, quando o relator, desembargador Ramon Mateo Jr, membro da 15° Câmara, ainda esposava a antiga interpretação, e assim dispôs: com efeito, não é possível a utilização da taxa CDI em contratos bancários, conforme dispõe a Súmula nº 176 do Superior Tribunal de Justiça, atualmente válida/não revogada, que dispõe: "É nula a cláusula contratual que sujeita o devedor à taxa de juros divulgada pela ANDIB/CETIP". Assim, revela-se inadmissível a previsão de utilização da taxa CDI-CETIP, como indexador das taxas de juros remuneratórios e de inadimplência, haja vista sua manifesta ilegalidade.

Todavia, em 16/2/21, após a prolação do REsp  1.781.959/SC, o mesmo desembargador relatou caso análogo, a apelação 1129155- 74.2016.8.26.0100, quando, de forma diversa, e mencionando o precedente do I. min Villas Boas Cueva, concluiu que: "não é abusiva, por si só , a adoção da taxa média aplicável aos Certificados de Depósitos Inter cambiários (CDIs) como parâmetro para estipulação dos encargos financeiros em contratos de abertura de crédito, sob fundamento de que tal índice não é livremente fixado pelo próprio credor, mas definido pelo mercado a partir de oscilações econômico - financeiras, além de estar sob permanente fiscalização das instituições responsáveis por exercer o controle do crédito sob todas as suas formas (CMN e BACEN). Prosseguiu o julgador: "não é potestativa a cláusula que estipula os encargos financeiros de contrato de abertura de crédito em percentual sobre a taxa média aplicável aos Certificados de Depósitos Interbancários (CDIs) ' (destaques no original). Como as embargantes - executadas não demonstraram que o percentual fixado pela instituição financeira discrepa da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central para operações da mesma espécie, não há como reconhecer a abusividade (...)".

Assim, apesar do atual entendimento jurisprudencial ainda ser conflitante, ensejando um ambiente de insegurança jurídica, acreditamos que, com a evolução do debate a Jurisprudência tende a se firmar a favor da aplicação do CDI, isto porque, de forma induvidosa, há inquestionável benefício ao próprio tomador final do empréstimo, além de se valorizar o princípio latino da pacta sunt servanda.

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Lucas de Mello Ribeiro

Lucas de Mello Ribeiro

Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Especializado em Direito Contratual e Relações de Consumo e em Gestão Administrativa de Contencioso de Massa pela Fundação Getúlio Vargas. Pós-graduado em Processo Civil pela PUC/SP. Sócio do escritório Silva Mello Advogados Associados.

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