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A transação tributária individual como instrumento de prevenção e encerramento de litígios fiscais

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 171, instituiu a transação tributária, que consiste, essencialmente, na possibilidade de prevenção ou encerramento de litígios tributários mediante concessões mútuas entre os interessados.

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Atualizado às 13:38

Condicionada, contudo, à regulamentação por lei, a disposição não produziu efeitos até a edição da MP 899/19, convertida na lei 13.988/20, que regulamentou o mencionado instituto no âmbito federal, estabelecendo os requisitos e condições para a realização de transação que objetive resolver litígio relacionado à cobrança de créditos da União Federal, viabilizando a autocomposição em causas de natureza fiscal.  

A transação tributária é um instrumento apto para a solução de litígios fiscais e redução da judicialização de demandas, trazendo consigo, além do viés arrecadatório, o de diminuição de custos e adequado tratamento dos contribuintes. O instituto, além de ser pautado sob o viés da arrecadação e do interesse público, leva em consideração o interesse privado dos devedores.

Estima-se que, atualmente, o valor discutido em processos de contencioso tributário, no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF, totaliza mais de R$ 600 bilhões de reais, além dos processos judiciais, que totalizam cerca de R$ 42 bilhões de reais. Resta evidente a relevância da viabilização de redução da litigiosidade promovida pela lei que regulamentou a transação tributária.

A referida legislação estabeleceu modalidades de utilização do programa, dentre elas, a transação tributária individual, cabível em determinados casos e desde que os débitos já estejam inscritos em dívida ativa. Esta modalidade é a que pode representar o maior nível de negociação, tendo em vista que a proposta pode ser oferecida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou pelo próprio contribuinte, possibilitando que o acordo seja definido conforme o cenário específico da empresa. 

A Portaria PGFN 9.917, de 14 de abril de 2020, que regulamenta a transação na cobrança da dívida ativa da União, estabeleceu obrigações destinadas aos contribuintes para que seja possível a formalização do acordo entre as partes.

A portaria dispõe que o devedor obriga-se a fornecer informações sobre diversos fatores que permitam à PGFN conhecer sua situação econômica ou eventuais fatos que impliquem a rescisão do acordo; não utilizar a transação de forma abusiva, com prejuízo à concorrência; a declarar que não alienou ou onerou bens ou direitos com o propósito de frustrar a recuperação dos créditos inscritos; entre outras.

Cumpre destacar, ainda, a obrigação de que o contribuinte renuncie a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem ações judiciais ou recursos que tenham por objeto os créditos incluídos na transação, constituindo confissão da dívida, sem a possibilidade de onerar bens ou direitos sem a devida comunicação entre as partes.

O ato normativo assegurou, também, as concessões que podem ser realizadas, a exclusivo critério da PGFN, na formalização dos acordos, tais como o oferecimento de descontos, a possibilidade de parcelamento, de diferimento ou moratória, além da flexibilização de regras para aceitação, avaliação, substituição e liberação de garantias, bem como para constrição ou alienação de bens.

Os descontos podem ser de até 50% ou até 70% do valor total devido, dependendo do público-alvo e a quantidade de prestações poderá ser de até 84 meses ou até 145 meses.

Quanto aos critérios e requisitos específicos para a transação individual, que pode ser proposta pelo Fisco ou pelo próprio devedor, foi estabelecido que a modalidade é restrita a um grupo seleto de contribuintes.

A possibilidade de análise de transações tributárias individualizadas é aplicável àqueles contribuintes com dívidas iguais ou superiores a R$ 15 milhões de reais, valor que deve ser calculado considerando a soma de todas as inscrições do devedor elegíveis à transação.

Além desse grupo restrito de contribuintes, considerados grandes devedores, a modalidade se estende aos devedores falidos, em recuperação judicial ou extrajudicial, em liquidação judicial ou extrajudicial ou em intervenção extrajudicial; e aos débitos cujo valor consolidado seja igual ou superior a R$ 1 milhão de reais e que estejam suspensos por decisão judicial ou garantidos por penhora, carta de fiança ou seguro garantia.

Vale salientar que, na transação individual, podem ser agendadas reuniões para a discussão da proposta, a fim que seja analisada a efetiva situação operacional e patrimonial da empresa requerente, possibilitando, de fato, a consolidação de um acordo individualizado.

É incontroverso, a despeito das suas limitações e critérios específicos, o grau de relevância e operacionalidade garantidos pela transação individual, bem como pela a lei 13.988/20 e pela Portaria PGFN 9.917/20 como um todo, principalmente no que diz respeito à excessiva litigiosidade relacionada a controvérsias tributárias, viabilizando uma certa racionalização do nosso complexo e carregado Sistema Tributário Nacional.

Dado o grau de importância, se fazem essenciais a publicidade e os esclarecimentos acerca das particularidades dessa modalidade de prevenção ou encerramento de litígios tributários, bem como sobre os contribuintes que podem utilizar o programa, tendo em vista que muitas empresas desconhecem essa forma de acordo.

A transação tributária individual tem caráter público de modo que todas as minutas formalizadas estão disponibilizadas no site da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, atualmente já foram formalizadas ao menos 29 transações individuais.

A PGFN divulgou estudo no final de 2020 em que a transação individual tributária representava apenas 6% do montante dos valores negociados1:

 (Imagem: Divulgação)

(Imagem: Divulgação)

Cumpre observar que o instituto ainda precisa ser mais difundido, sendo necessário que os contribuintes percebam que pode ser uma oportunidade única para regularização das pendências fiscais federais.

O país vive um momento em que a autocomposição tributária e por meio da transação tributária individual poderá gerar uma economia vultuosa, permitindo que os contribuintes possam se regularizar e avançar em seu desenvolvimento empresarial.

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Carlos Delgado

Carlos Delgado

Advogado do escritório Bento Muniz Advocacia. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET.

Daniela Teixeira

Daniela Teixeira

Colaboradora do escritório Bento Muniz Advocacia.

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