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O que é preciso saber sobre indenização pelo uso de um imóvel por parte de apenas um dos cônjuges

O divórcio é sempre uma situação de mudanças, de desafios, e boa parte desses desafios estão na área financeira. E esse desafio é ainda maior para aquele que se vê obrigado a estabelecer uma nova residência, arcando com os custos disso.

terça-feira, 14 de setembro de 2021

Atualizado às 11:08

(Imagem: Arte Migalhas)

Em se tratando de divórcio, é difícil pensar em outra temática que seja tão recorrente quando a saída do lar por parte de um dos cônjuges. 

Não há dados estatísticos sobre a questão, mas a experiência adquirida após mais de 3.000 (três mil) processos me autoriza sustentar que essa retirada do lar ocorre em quase 98% dos casos, inclusive como uma condição sine qua non para que o ex-casal se autointitule SEPARADOS e, consequentemente, passem a buscar as informações e apoio jurídico necessários a formalização. 

A despeito de corriqueiro, muitos colegas não atentam para os desdobramentos jurídicos-patrimoniais decorrentes dessa postura, e, consequentemente, para as soluções e recomendações que podem ser apresentadas aos clientes, as quais poderiam se apresentar como diferenciais no mercado. 

Apesar de se tratar de medida das mais recomendáveis, com vistas a evitar maiores desgastes, acirramento dos ânimos e consequente agravamento do conflito que deu azo ao rompimento da relação, não se pode negar que essa medida pode trazer à tona um foco de debate: É justo que, mesmo sendo ambos legítimos proprietários do bem, apenas um exerça a posse direta, enquanto o outro, que se retira, se vê obrigado a assumir novas despesas de moradia? 

A depender das circunstâncias que envolvem o término do relacionamento, bem como a existência ou não de filhos em comum, a análise do tema por vezes se vê contaminada pelas emoções, mas nós, técnicos que somos, não podemos nos deixar influenciar por circunstâncias que, à luz da legislação em vigor, se apresentam irrelevantes (sob o ponto de vista técnico, e não emocional). 

A decisão emocional por se abster de implementar determinadas medidas judiciais não deve ser nossa, mas do cliente, que, para tanto, deve ser ampla e suficientemente informado acerca de seus direitos em potencial.

O fato em sí, de todo inegável, é que um dos proprietários está sendo parcialmente tolhido do seu direito de propriedade, o que traz a reboque despesas adicionais, cuja duração é imprevisível, assim como o é a data de desfecho do processo. 

Surge, portanto, a grande pergunta: O CÔNJUGE QUE SAIU DE CASA, QUE NÃO ESTÀ PODENDO USUFRUIR DE UM PATRIMÔNIO QUE LHE É COMUM, TEM DIREITO A UMA INDENIZAÇÃO EQUIVALENTE A METADE DE UM ALUGUEL? 

Veja-se que o questionamento é quanto a existência - ou não - de um direito a INDENIZAÇÃO CORRESPONDENTE ao que seria auferido à título de aluguel, e não o pagamento de um aluguel em sí, na medida em que não há entre os cônjuges (ou ex-cônjuges) qualquer liame de natureza locatícia. 

Tal ressalva se mostra de extrema importância, na medida em que, no dia-a-dia forense, é corriqueiro se escutar e ler em petições a postulação para pagamento de ALUGUÉIS, o que, com o devido respeito, nos parece de todo equivocado. 

Retomando o cerne do debate, quanto ao direito a uma indenização pelo não uso do bem comum, a primeiro destaque a se fazer é que sim, o direito a tal indenização é reconhecido pelos mais diversos Tribunais, inclusive no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. 

Todavia, a resposta não é tão singela, já que - como sempre - HÁ CONTROVÉRSIAS que precisam ser esclarecidas. 

Para que se entenda o ponto nodal da divergência, é importante entender que no curso do processo de desvinculação patrimonial entre os cônjuges, estes mantêm duas espécies de vínculo em relação aos bens: mancomunhão e condomínio. 

Em linhas gerais, antes da partilha os cônjuges/companheiros mantêm um vínculo de MANCOMUNHÃO em relação aos bens imóveis (na hipótese de bem comum). As partes possuem uma proporção ideal, já que o bem ainda é juridicamente indivisível, ou seja, um dos cônjuges não pode vender a parte só dele para terceiro. 

Por outro lado, após a partilha judicialmente sacramentada, passam a estabelecer um vínculo de CONDOMÍNIO; uma espécie de "sociedade" em relação ao bem. No condomínio o ex-casal detém o bem ou coisa simultaneamente, com direito a uma fração ideal, podendo alienar ou gravar seus direitos livremente, desde que preservado o direito de preferência do condômino.

 Resumindo, enquanto não for feita a partilha dos bens comuns, eles pertencem a ambos os cônjuges em estado de mancomunhão, e depois da partilha as partes passam a manter uma relação de condomínio sobre os bens. 

A importância de tal distinção se dá pelo fato de que as controvérsias acerca do tema que envolve a indenização pelo uso de bem comum ostentam ligação direta com tais conceitos. 

Há quem sustente (doutrina e jurisprudência), como ocorre no âmbito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais por exemplo, que a indenização em destaque somente é devida após partilha, ou seja, quanto as partes passam a manter uma relação de condomínio. 

Particularmente, descordo de tal posicionamento, na medida em que, antes ou depois de partilha - não interessa -, a fruição do bem por um cônjuge só é hipótese manifesta de enriquecimento sem causa. 

Nessa linha, mas sob fundamento diverso, é o entendimento majoritário no âmbito do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ou seja, de que é devida a indenização mesmo antes de ter ocorrido a partilha judicial, desde de que, frise-se,  seja possível  a identificação inequívoca dos bens e do quinhão de cada ex-cônjuge antes da partilha. 

Respeitando opiniões em contrário, nos parece que a interpretação adotada pelo STJ de apresenta como a mais acertada.

Vozes que surgem em contrário via de regra clamam pela preservação do melhor interesse da criança quando o cônjuge que permanece no imóvel se encontra acompanhado pela prole do outrora casal, mas, com a devida vênia, tal fato em sí não afasta o direito a indenização. 

Por outro lado, em sede de fixação de verba alimentar a ser paga pelo cônjuge que se retira do imóvel, há o Magistrado de considerar a aludida indenização como despesa que compromete a capacidade financeira do guardião, utilizando tal circunstância para fins de fixação do quantum. 

Em outras palavras. Deve o Juiz analisar, dentro de um contexto de alimentos, que aquela indenização equivalente a meio aluguel é uma despesa imposta ao novo núcleo familiar.

 O se apresenta com inadmissível é a confusão entre duas obrigações/direitos natureza completamente diferentes: uma é alimentar e outra não; uma é preferencial e a outra não; uma pode dar ensejo a prisão civil e a outra não.  

Por fim, sob o enfoque prático que este texto pretende ressaltar, importa destacar que o termo inicial do dever de indenizar se dá com a CITAÇÃO da ação e arbitramento da indenização, ou da citação no processo de divórcio, se o pedido se der de forma incidental. 

Portanto, mais uma razão para que o Advogado(a) fique atento a tal possibilidade e a informe ao cliente, sob pena de causar-lhe prejuízos materiais e, mais ainda, jogar fora boas possibilidades de honorários.

Luis Gustavo Narciso Guimarães

VIP Luis Gustavo Narciso Guimarães

sócio do escritório NARCISO GUIMARÃES ADVOGADOS. Especialista em Direito Patrimonial de Família.

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