MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Uberlândia: Tecnologia e governança - Case para modernização dos Procons

Uberlândia: Tecnologia e governança - Case para modernização dos Procons

A Black Friday 2024 revelou desafios como fraudes e atrasos. Uberlândia se destacou com inovação no Procon, servindo de exemplo nacional na defesa do consumidor.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Atualizado às 10:15

A Black Friday de 2024 evidenciou um aumento significativo nas reclamações de consumidores, trazendo à tona a necessidade de modernização dos Procons no Brasil. Dados divulgados pelo Reclame Aqui registraram 14,1 mil reclamações durante o período, com os principais problemas relacionados a atrasos na entrega (17,41%), propaganda enganosa (16,98%) e produtos não recebidos (15,27%)1. Além disso, 160 mil consumidores recorreram à ferramenta detector de site confiável, demonstrando preocupação crescente com fraudes no comércio eletrônico.

No contexto das plataformas privadas, os Procons estaduais também enfrentaram grande volume de demandas. O Procon-SP, por exemplo, registrou mais de mil reclamações nos primeiros dias da campanha, com destaque para problemas na entrega, cancelamento de pedidos e dificuldades na troca de produtos2. Esses dados reforçam a urgência de repensar estratégias para acompanhar as transformações do consumo digital e proteger os cidadãos de práticas abusivas.

Diante desse cenário, Uberlândia emerge como um exemplo de inovação na modernização dos Procons. Com iniciativas como o Procon 100% digital, o NAS - Núcleo de Atendimento ao Superendividado e o Núcleo de Fiscalização do Comércio Eletrônico, o município mostra que é possível aliar tecnologia, parcerias institucionais e políticas públicas eficazes. Essas ações oferecem caminhos concretos para que Procons em todo o país enfrentem os desafios de um mercado cada vez mais digitalizado, promovendo atendimento mais eficiente, preventivo e inclusivo.

O CDC e a atuação estatal

O CDC, instituído pela lei 8.078/90, é amplamente reconhecido como um dos mais avançados instrumentos de proteção ao consumidor no mundo. Antônio Herman V. Benjamin, Claudia Lima Marques e Leonardo Roscoe Bessa destacam que o CDC "não é apenas um diploma legal, mas um código de cidadania, essencial para reorganizar as relações de mercado e equilibrar as forças entre consumidores e fornecedores" 3(BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2021). Essa visão reflete a importância do CDC como um mecanismo não apenas de proteção individual, mas também de regulação das práticas comerciais, promovendo um mercado mais justo e equilibrado.

Os autores ressaltam que a construção do CDC foi fundamentada no conceito de vulnerabilidade do consumidor, reconhecendo que, em relações de consumo, o consumidor é frequentemente a parte mais frágil. Essa vulnerabilidade, segundo eles, não é apenas econômica, mas também técnica, jurídica e informacional (BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2021). No contexto atual, em que o comércio eletrônico domina grande parte das transações, essa fragilidade é exacerbada, tornando ainda mais evidente a necessidade de uma atuação estatal firme e eficiente.

No ambiente digital, práticas abusivas como fraudes em transações, publicidade enganosa e políticas inadequadas de devolução são exemplos claros de como a assimetria de poder pode prejudicar o consumidor. O CDC, conforme apontam os autores, fornece as bases legais para enfrentar essas práticas, mas sua eficácia depende de uma implementação adequada e de uma atuação estatal proativa. "A lei não se limita a proteger direitos já violados, mas busca prevenir que abusos ocorram, antecipando-se às práticas lesivas" (BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2021).

A defesa do consumidor, no entanto, vai além da proteção individual. Benjamin, Marques e Bessa reforçam que ela tem um caráter coletivo, pois impacta diretamente o equilíbrio do mercado e a promoção de práticas comerciais éticas. "A proteção coletiva é essencial para garantir que o mercado como um todo funcione de maneira equilibrada, beneficiando tanto os consumidores quanto os fornecedores que atuam de forma ética" (BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2021). Isso torna indispensável a criação de políticas públicas que unam tecnologia e prevenção como pilares para a defesa do consumidor.

A modernização dos Procons: Desafios e caminhos - Caso Uberlândia

O Procon de Uberlândia, Minas Gerais, tem se destacado como um modelo de inovação e modernização no atendimento ao consumidor. Durante o Dia do Consumidor de 2024, a prefeitura de Uberlândia, em parceria com a Superintendência de Proteção e Defesa do Consumidor, anunciou avanços que merecem atenção de Procons em todo o Brasil. Entre as iniciativas, destacam-se o sistema Procon 100% digital, o NAS - Núcleo de Atendimento ao Superendividado e o Núcleo de Fiscalização do Comércio Eletrônico. Esses projetos, realizados em conjunto com a UFU - Universidade Federal de Uberlândia e a polícia civil de Minas Gerais, reforçam a capacidade do poder público de proteger os consumidores no ambiente digital e físico4.

O Procon 100% digital é uma das principais inovações apresentadas. A plataforma permite que consumidores registrem suas demandas online, acompanhem o andamento de suas reclamações e acessem soluções práticas por meio de um aplicativo disponível para iOS e Android. Essa iniciativa elimina a burocracia associada ao atendimento presencial e amplia o acesso ao serviço público. Segundo a prefeitura de Uberlândia, o canal digital "Fale Procon", antes acessado apenas pelo site oficial, foi aprimorado para tornar o atendimento mais rápido e acessível por dispositivos móveis (PREFEITURA DE UBERLÂNDIA, 2024).

Outra inovação significativa foi a criação do NAS - Núcleo de Atendimento ao Superendividado, uma iniciativa fundamentada na lei 14.181/21, conhecida como "Lei do Superendividamento". O NAS busca atender consumidores em situação de endividamento extremo, oferecendo um serviço multidisciplinar que inclui triagem inicial, análise financeira detalhada e renegociação de dívidas. De acordo com Egmar Ferraz, superintendente do Procon Uberlândia, "a missão do NAS é atuar para que o problema seja resolvido na raiz e que o cidadão cumpra com seus compromissos sem colocar em risco sua segurança financeira" (PREFEITURA DE UBERLÂNDIA, 2024).

O Núcleo de Fiscalização do Comércio Eletrônico também representa um marco no Estado de Minas Gerais. Essa ação pioneira foi criada para combater fraudes e golpes online, protegendo os consumidores contra práticas ilícitas no ambiente digital. Em parceria com a Delegacia do Consumidor, recém-inaugurada na cidade, o núcleo tem como objetivo intensificar a fiscalização e promover um mercado eletrônico mais seguro e transparente (PREFEITURA DE UBERLÂNDIA, 2024).

Essas iniciativas demonstram que a transformação digital não é apenas viável, mas essencial para a modernização dos Procons em todo o Brasil. Uberlândia destaca-se como exemplo prático de como tecnologias digitais, parcerias institucionais e serviços especializados podem revolucionar a proteção ao consumidor. Ferramentas modernas, como aplicativos e plataformas online, combinadas com ações focadas em problemas estruturais, como o superendividamento e as fraudes no comércio eletrônico, são o caminho para um sistema de defesa do consumidor eficiente, acessível e adaptado às demandas do século XXI.

Conclusão

O aumento das reclamações durante a Black Friday de 2024 revelou lacunas estruturais nos mecanismos de defesa do consumidor, mas também abriu espaço para uma reflexão sobre o papel dos Procons na era digital. Uberlândia, com sua abordagem moderna e eficaz, destacou-se como um modelo de referência para o Brasil. Ao implementar o sistema Procon 100% digital, o município demonstrou que a tecnologia é uma aliada essencial para ampliar o acesso e a eficiência no atendimento ao consumidor.

Além disso, as iniciativas pioneiras do Núcleo de Atendimento ao Superendividado e do Núcleo de Fiscalização do Comércio Eletrônico mostram como um órgão público pode ir além da resolução de conflitos, atuando de forma preventiva e educativa. A parceria com instituições como a UFU e a polícia civil reforça a importância de integrações estratégicas para enfrentar problemas complexos, como o superendividamento e as fraudes digitais.

A modernização dos Procons é mais do que uma necessidade operacional: é uma questão de governança pública e de adaptação às demandas da sociedade contemporânea. Ferramentas digitais, equipes qualificadas e políticas públicas inovadoras são os pilares de um sistema de proteção ao consumidor eficaz e sustentável. O case de Uberlândia prova que essa transformação é possível e deve inspirar Procons em todo o Brasil.

Como destacaram Antônio Herman Benjamin, Claudia Lima Marques e Leonardo Roscoe Bessa, o CDC é uma base sólida, mas sua eficácia depende de ações concretas que respondam às novas dinâmicas de mercado. O momento exige que o Brasil assuma a liderança global na defesa do consumidor, e Uberlândia oferece um caminho claro para essa transformação.

_______

1 O GLOBO. Reclamações na Black Friday de 2024 superam registros do ano passado, diz Reclame Aqui. Disponível em: https://www.globo.com. Acesso em: 30 nov. 2024.

2 AGÊNCIA BRASIL. Procon-SP registra mais de mil reclamações na Black Friday. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br. Acesso em: 30 nov. 2024.

3 BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 9. ed. (5. ed. do e-book). São Paulo: Revista dos Tribunais, Thomson Reuters Brasil, 2021. 608 p.

4 PREFEITURA DE UBERLÂNDIA. Prefeitura e Procon Uberlândia anunciam novidades no atendimento ao consumidor. Disponível em: https://www.uberlandia.mg.gov.br. Acesso em: 30 nov. 2024.

5 EXAME. Transformação digital na defesa do consumidor. Disponível em: https://www.exame.com.br. Acesso em: 30 nov. 2024.

Thiago Roberto Aparecido Marcelino Ferrarezi

Thiago Roberto Aparecido Marcelino Ferrarezi

Advogado, Engenheiro, Contador e Administrador Público. Especialista em Direito do Estado pela UFRGS. Mestre em Administração Pública pela FGV. Doutorando em Inteligência Artificial na PUC-SP.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca