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Administração Pública: breve panorama sobre modelos de gestão

É confusa a conceituação de Política e mais confusa se torna a diferenciação entre ela e o Direito Administrativo, principalmente para uma população como a brasileira com grande porcentagem de analfabetos e altos índices de pobreza.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Atualizado às 08:46


Administração Pública: breve panorama sobre modelos de gestão

Priscila Gil Silva*

É confusa a conceituação de Política e mais confusa se torna a diferenciação entre ela e o Direito Administrativo, principalmente para uma população como a brasileira com grande porcentagem de analfabetos e altos índices de pobreza. Há uma dificuldade em separar esses conceitos e emprestamos aqui um conceito que nos parece viável de Hely Lopes Meirelles, que diz que Política "é forma de atuação do homem público quando visa a conduzir a Administração e realizar o bem comum."1

Mas essa é a concepção "moderna" de política e de seu papel num Estado organizado. Quando o Estado moderno surge é caracterizado inicialmente pelo regime absolutista onde na concepção de "Estado" o rei seria uma espécie de "dono", como se o próprio Estado fosse sua propriedade. Assim, seus atos não precisavam ser pautados por ética ou responsabilidade de quaisquer naturezas. Em momento algum vemos a busca por bem comum na maneira de condução da administração.

O advento do Estado Liberal modifica essa noção e dá um novo contorno a idéia de Estado. Essa é baseada na diferenciação daquilo que é do monarca e daquilo que pertence ao Estado, como sociedade organizada. Mas, além disso, o Estado não interfere na esfera individual, sendo esse o lema do liberalismo: o "estado mínimo". Porém, conforme observa Adriana da Costa Ricardo Schier2, essa estrutura não intervencionista possuía um conjunto de funções mínimas e uma rígida hierarquia, atendendo ao extremamente necessário e gerido pelo modelo de gestão burocrático. Nesse modelo, que surge no Brasil sem revoluções, temos funções públicas exercidas por quem já as exercia no âmbito privado.

Em 1936, com Getúlio Vargas, o Estado toma novos rumos. Começa então uma era de "procedimentalização do agir administrativo, vinculando toda atividade do poder público não somente a um fim a ser alcançado, mas também a um procedimento a ser observado para a prática dos atos, permitindo maior fiscalização das atividades administrativas."3 Tem início o Estado Social, com ampliação de suas funções, descentralização e divisão de competências entre União, Estados e Municípios, intervenção na economia e na sociedade e também o aumento de prestação de serviços públicos como resposta a demanda social.

Nessa necessidade de se garantir o mínimo de condição para a sobrevivência do indivíduo como direito fundamental baseado no princípio da dignidade humana, o Estado passa a atuar como agente econômico. Há também a separação da Administração Pública em Direta e Indireta.

Para chegarmos até a Constituição Federal de 1988 (clique aqui), muitos fatores políticos, sociais e econômicos foram cruciais para sua construção, com a adoção do Estado Social e Democrático de Direito, atribuindo dimensão material aos direitos fundamentais, na tentativa de prover as necessidades da sociedade, ou seja, a busca pelo bem comum.

Com o neoliberalismo e a crise do Estado, quando o mesmo se apercebeu de sua incapacidade para atender as demandas sociais, principalmente após o governo Collor, entram em cena os agentes privados para suprir as necessidades. Vemos então o Estado abrir mão daquilo que antes era de sua competência para que terceiros a administrem.

O indivíduo agora é visto como contribuinte, consumidor e cliente de seus serviços, revestindo-se da função de fiscalizar o Estado e intervir nos processos decisórios, caracterizando um modelo de Administração Pública Gerencial. Hoje vemos que esse modelo Gerencial não foi adotado plenamente, uma vez que ainda temos uma burocratização extensa e com poucas alterações vindas de influências neoliberais/gerenciais.4

As conseqüências são diversas, mas no Direito Administrativo vemos que é inevitável uma fuga ao direito privado. Parece-nos que o modelo neoliberal não combina com nossa Constituição, como no que diz respeito a participação popular e princípio da eficiência.5

Hoje, a confusão é tanta que chegamos ao ponto de ver o Estado ser responsabilizado civilmente por culpa na má prestação de serviço essencial, como bem vemos no exemplo jurisprudencial abaixo:

Quando a administração pública se abstém de praticar atos ou de tomar providências que a lei lhe impõe e de sua inércia resulta dano, a culpa se configura e sua conseqüente reparação surge como imperativo indeclinável de justiça. Não se concebe a existência de Estado que não tenha como função precípua a tutela jurídica, isto é, a garantia da ordem. (TJMG - 2ªC - Ap - Rel Gonçalves da Silva - j. 24.3.1955 - RF 165/243)

Há muito ouvimos sobre a necessidade de reforma na Administração Pública, mas como conforme José Matias Pereira, Professor de Política da UNB, "fazer cortes e reduzir despesas na máquina pública, promover a desburocratização, gerar estímulos para a inovação tecnológica ou promover a articulação entre o programa Bolsa Família e os demais programas sociais do governo, por exemplo, não se concretizam pela vontade do governante. Isso exige competência da administração pública."6

John Rawls, em suas palestras sobre "Justiça como Equidade"7, afirma que:

"Uma sociedade bem-ordenada é estável, portanto, porque os cidadãos estão satisfeitos, no fim das contas, com a estrutura básica de sua sociedade. As considerações que os movem não são ameaças ou perigos manifestos provenientes de forças externas, mas se exprimem em termos da concepção política que todos afirmam. Pois na sociedade bem ordenada por justiça como equidade, o justo e o bem (...) articulam-se de tal maneira que os cidadãos que incluem como parte de seu bem serem razoáveis e racionais e serem vistos pelos outros como tais, são movidos, por razões relativas a seu bem, a fazer o que a justiça exige."

É visível a insatisfação da população em relação à Administração Pública. Vemos a grande necessidade de termos bons funcionários, um bom modelo de gestão e estratégias, tudo isso somado a uma boa dose de ética na atuação. Não existe forma de conceber um Estado competitivo mundialmente, menos burocratizado, que ofereça melhores condições de vida para a população, sem que a Administração Pública esteja preparada para funcionar a contento. Anos se passam, mudanças ocorrem, mas ainda é difícil vislumbrar tantas melhorias com a política governamental implementada no Brasil.

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1 Meirelles, Hely Lopes. "Direito Administrativo Brasileiro". 33° ed. São Paulo: Malheiros. 2007.

2 Schier, Adriana da Costa Ricardo."Administração Pública: Apontamentos sobre os Modelos de Gestão e Tendências Atuais. Curso de Direito Administrativo". Rio de Janeiro: Forense. 2007.

3 Idem, p. 33.

4 Idem, p. 45.

5 Idem, p. 47.

6 Pereira, José Matias. In: (clique aqui)

7 Rawls, John. "Justiça como equidade - Uma Reformulação". São Paulo:Martins Fontes. 2003. Fl. 288.

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*Acadêmica de Direito





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