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Eleições 2008, elegibilidade, inelegibilidade e a Súmula 1/TSE

Foi nos submetida questão intrincada dias atrás. No campo da dogmática jurídica, acabamos por descobrir que a celeuma está situada dentro dum perigoso vazio normativo. "Candidato que teve conta pelo Tribunal de Contas rejeitada em apartado na "modalidade" Convênio entre municípios", onde se aplicou se pena de multa, apenas, está inelegível?

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Atualizado em 13 de agosto de 2008 13:25


Eleições 2008, elegibilidade, inelegibilidade e a Súmula 1/TSE: a presença concomitante dos três requisitos, os cuidados na elaboração da impugnação ao registro de candidatura

Sérgio Roxo da Fonseca*

Vinicius Bugalho**

1. Foi nos submetida questão intrincada dias atrás. No campo da dogmática jurídica, acabamos por descobrir que a celeuma está situada dentro dum perigoso vazio normativo. "Candidato que teve conta pelo Tribunal de Contas rejeitada em apartado na "modalidade" Convênio entre municípios", onde se aplicou se pena de multa, apenas, está inelegível?

O leitor de pronto fala, não, não está inelegível, porém, a quaestio é mais complexa, como se verá. Por quê? Diz o artigo 1.º, inciso I, alínea "g", da Lei Federal Complementar nº. 64, de 18 de maio de 1990 (clique aqui):

"Art.1.º. São inelegíveis: I- para qualquer cargo: ...g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício dos cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 5 (cinco) anos seguintes, contados a partir da data da decisão;".

Decompondo e interpretando a norma referenciada, vemos que dois são requisitos cumulativos e de ordem material e um requisito de ordem processual ou adjetiva. Na primeira espécie, o candidato ao cargo eletivo fica inelegível porque a irregularidade em sua conta era de ordem insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente; na segunda ordem, temos que o candidato deve ter colocado a questão dentro do Poder Judiciário para regular apreciação.

Insanável é aquela conta que não tem mais jeito de revolver, o administrador quebrou o sistema normativo por completo, incidiu em improbidade administrativa (artigos 10, 11 e 12 da Lei Federal 8.429/92 - clique aqui); naquela conta rejeitada por irregularidade insanável vislumbrou-se, ad exemplum, a existência de crime de peculato e outros contra a administração pública em geral, apropriou-se de recurso público, portanto, incidentur dans non regreatur.

Contrariamente, se a conta possui erros de ordem meramente formais, faltou, por exemplo, juntar documentos essenciais na fase de prestação de contas e agora o faz, não causando gravame à execução orçamentária regular, não há se falar em conceito de insanabilidade. E o que define o conceito de insanabilidade? Fica ao alvedrio do aplicador da norma eis que não exibe caráter seguro, não oferece o norte necessário ao que o intérprete possa definir, precisamente, o que seja insanável. O segundo requisito, que se encaixa no conceito de cumulatividade ao pretérito, também exige que para se configurar a inelegibilidade.

A hipótese é não caber perante o Tribunal de Contas mais nenhum recurso, em qualquer de suas modalidades, portanto, mesmo depois do trânsito em julgado administrativo, nenhuma outra espécie recursal (ou rescisória) pode campear o labor do candidato no sentido de tentar desconstituir aquela conta rejeitada.

Por fim, enuncia o dispositivo que se a questão estiver sendo submetida perante o Poder Judiciário ou tiver sido suscitada uma exceção à inelegibilidade, estará salvo o candidato de ter o registro da sua candidatura impugnado.

Aí vem à mente o seguinte raciocínio: e quanto à nova interpretação que o Colendo Tribunal Superior Eleitoral deu à matéria, em que ponto se encaixa? Diz a Súmula 1 da referenciada Corte: Proposta a ação para desconstituir a decisão que rejeitou as contas, anteriormente à impugnação, fica suspensa a inelegibilidade (Lei Complementar nº. 64/90, art. 1°, I, g).

Antigamente, bastava ajuizar ação desconstitutiva de contas e tirar certidão de inteiro teor / objeto e pé, documento suficiente para registro da candidatura; hoje, não mais. E como vem entendendo a Corte atualmente: a mera propositura da ação anulatória, sem a obtenção de provimento liminar ou tutela antecipada, não suspende a inelegibilidade (Ac.-TSE, de 24.8.2006, no RO nº. 912; de 13.9.2006, no RO nº. 963; de 29.9.2006, no RO nº. 965 e no REspe nº. 26.942; e de 16.11.2006, no AgRgRO nº. 1.067, dentre outros).

Vê-se, portanto, que ou o candidato suspende a rejeição de contas com o instituto da tutela antecipada (artigo 273, Código de Processo Civil - clique aqui) ou, certamente, no qüinqüídio, com contas preteritamente rejeitadas, terá o registro da candidatura cassado nos exatos termos dos artigos 3.º e seguintes da LC 64/90 (Caberá a qualquer candidato, a partido político, coligação ou ao Ministério Público, no prazo de cinco dias, contados da publicação do pedido de registro do candidato, impugná-lo em petição fundamentada).

E se a parte suscitar nova questão administrativa após terem sido esgotados os recursos ordinários perante a Corte de Contas?

2. Voltando ao prólogo constante da primeira parte deste artigo, o candidato teve as contas de um Convênio firmado com a Secretaria da Agricultura julgadas irregulares e foi-se-lhe aplicada pena de multa porém, em nenhum momento mencionou-se no corpo do acórdão improbidade ou ilícito penal . Viu-se que seu contabilista de então tinha omitido ao prestar contas de forma insuficiente e diante da omissão, opôs pedido de revisão ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (artigo 72 da Lei Estadual 709/93 - clique aqui), agora juntando documentos que na época seu contabilista não o fez.

Vem a questão nodal: está inelegível? Cremos que não, fortes na ampla e melhor doutrina. Por quê? Primeiramente, inexiste na hipótese o conceito de insanabilidade previsto na alínea "g" do inciso I, art. 1.º, da LC 64/90; se a conta pode ser revista porque no passado existiram erros meramente formais, não há se falar no conceito de insanabilidade mas sim sanabilidade pois pode ser revista, ou seja, pode ser submetida à sanação. Mera irregularidade não invalida o ato administrativo. Tal é a lição de Seabra Fagundes, ao repudiar a aplicação do sistema do Código Civil no âmbito administrativo. Lembrando que as decisões dos colendos Tribunais de Contas têm a natureza de ato administrativo - não de decisão judicial - calha à perfeição a doutrina aqui registrada.

Num segundo plano teórico, e isto é basilar, apesar de não prevista autorização para se suspender os efeitos do acórdão prolatado pelo TCE/SP, se existe recurso na própria Lei Orgânica do Tribunal de Contas admitindo que a questão possa novamente ser revista e ser resolvida de molde a quitar as contas do administrador-candidato, a idéia encaixa-se perfeitamente no conceito de decisão recorrível do órgão competente, portanto, passível inclusive de reversão. Todo este entendimento haure na apreciação prática dos casos concretos dês que nesta época, literalmente, estão "chovendo" pedidos de impugnação ao mandato perante a Justiça Eleitoral, sob os mais diversos fundamentos.

Os advogados que formulam as peças processuais como os juízes que aplicarão o contido nestas peças deverão atentar para os três requisitos previstos na referida alínea, de aplicabilidade cumulativa e obrigatória pois não são disjuntivos, a saber:

a) candidatos que têm contra si contas rejeitadas por irregularidade insanável;

b) a presença de decisão irrecorrível do órgão competente;

c) inexistência de tutela antecipada suspendendo os efeitos das contas rejeitadas no plano jurídico - existencial.

Ausente qualquer dos três requisitos telados, o pedido deve ser rejeitado de plano, pois ausente um dos requisitos da petição inicial (causa de pedir legalmente prevista no ordenamento jurídico, aqui não vale a relativização prevista no processo civil comum pois a norma é de caráter cogente , de ordem pública). Não ficamos sós na apreciação da matéria, a melhor doutrina, na voz do ilustrado jurista Pedro Decomain (Elegibilidade e Inelegibilidades, Dialética, 2004, 2.ª ed., p.189), ecoa neste sentido, vejamos o que o mestre tem a dizer:

"Nesses casos, o que gera inelegibilidade é o próprio ato dos Tribunais ou Conselhos de Contas, que tenha rejeitado as contas do Administrador Público. A inelegibilidade atingirá aquele que seja responsável por tais contas (Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado, das Assembléias, das Câmaras de Vereadores, das autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, e fundações. Não se haverá de perder de vistas, porém, que não é toda e qualquer rejeição de contas que implica inelegibilidade. A alínea em referência diz que a inelegibilidade apenas ocorrerá quando a rejeição de contas houver sido motivada pela presença, nelas, de vício insanável. A Lei não contém um conceito do que seja um vício insanável. Cumpre tentar, ainda que em poucas linhas, definir do que se trata. Em primeiro lugar, o vicio insanável das contas pode ser de índole apenas formal, sem indicar, por si só, malversação de dinheiro ou outro valores públicos. É possível que as contas já não possam mais ser sanadas, mas ainda assim as irregularidades nelas existentes sejam antes de forma, que de substância. Nesse caso, a despeito da insanabilidade do vício nas contas, não será ela de molde a conduzir à inelegibilidade. E isso porque, a despeito de uma contabilidade, digamos assim, algo confusa, não existem evidências de que o agente público haja realizado gastos indevidos, ou pior que isso, incorrido em desvio de dinheiro ou outros valores públicos. Mas a rejeição das contas pode decorrer de vicio substancial insanável. Insanável, no caso, porque já não haverá como, na gestão do dinheiro público, reparar a respectiva malversação. Claro que o agente público faltoso sempre poderá indenizar o erário público. Na gestão dos valores a ele confiados, todavia, não haverá como reparar o mal feito. Figure-se, por exemplo, a hipótese de um Prefeito Municipal que, devendo empregar no mínimo 25 (vinte e cinco por cento) da receita tributária municipal, incluindo parcela pertencente ao Município em tributos federais e estaduais, em educação, contabiliza como gastos da Secretaria da Educação, pagamentos na realidade feitos para acorrer a outras despesas diversas. Nesse caso a irregularidade nas contas será insanável, eis que os recursos municipais haverão sido gastos em outras atividades, que não educação, e tal já não mais poderá ser remediado. Ademais disso, o fato envolverá também falsidade ideológica, pois aquilo que foi gasto em determinado setor da administração, afirmou-se falsamente em documentos que teria sido gasto em prol da Secretaria da Educação. Será um caso de vício substancial nas contas, insanável, a conduzir à sua rejeição, acarretando a sua inelegibilidade. Outra questão, importante, acerca desta causa de inelegibilidade, está em saber a quem cabe decidir, para esse fim, se a rejeição das contas decorreu ou não de vicio insanável. Essa decisão em verdade cabe à própria Justiça Eleitora à vista de cada situação concreto. Tendo ocorrido rejeição das contas daquele cujo registro de candidatura foi requerido, qualquer candidato, partido ou coligação, ou o Ministério Público Eleitoral, pode impugnar esse pedido de registro, segundo será verificado em item especifico, mais adiante. À vista dessa impugnação o órgão da Justiça Eleitoral, competente para decidir sobre o registro da candidatura, decidirá se a irregularidade que levou à rejeição das contas do pretenso candidato foi ou não insanável, proclamando ou não sua inelegibilidade. Se entender que o vicio a macular as contas foi insanável, julgará procedente a impugnação, e indeferirá o pedido de registro desse pretendente a candidato. Caso contrário, se entender que o vício nas contas, a despeito de haver conduzido à sua rejeição, não se reveste desse caráter de insanabilidade (observado também o que já se disse acerca dos vícios formais nas contas), deferirá o registro da candidatura e deixará de reconhecer a inelegibilidade".

E o que diz o Tribunal Superior Eleitoral? Não destoa. Existe didático acórdão relatado pelo Eminente Ministro Ilmar Galvão, no julgamento do Recurso Especial Eleitoral nº. 12.907/MG, publicado que foi no Diário Oficial da União de 19 de novembro de 1.996, na página 45.087, Seção 1, a seguinte e proficiente ementa:

"Registro de candidato. Rejeição de contas pelo TCU. Decisão que teve seus efeitos suspensos pela própria Corte, em face de pedido de revisão tempestivamente apresentado pelo candidato. Incidência da regra contida na Súmula 1 do TSE".

Tanto na esfera doutrinária como na pretoriana, conclui-se que não é qualquer conta rejeitada que gera a inelegibilidade automática do candidato, devem estar presentes os requisitos legais sob pena tanto do intérprete como do aplicador da "mens legis" incidirem no que o Professor Tércio Sampaio Ferraz professa como a hermenêutica do absurdo, aquela desgarrada dos mínimos princípios de coesão na análise da norma jurídica.

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1 FAGUNDES, M. Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. Rio: Forense, 1967, p. 65: "Quanto à maior ou menor importância dos defeitos dos atos administrativos, parece-nos, que se pode dividi-los, atendendo mais aos princípios gerais do Direito Administrativo que aos textos das leis civis, em duas categorias: vícios que afetam o ato em elemento essencial, comprometendo-lhe a validez mais ou menos intensamente (invalidez absoluta ou relativa). E vícios que o atingem sob aspectos menos relevantes, jamais lhe prejudicando a subsistência (irregularidade)

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*Advogado na área eleitoral, Procurador de Justiça aposentado, professor das Faculdades de Direito da UNESP e do COC.




**Advogado na área eleitoral. Procurador da Câmara Municipal de Aramina/SP. Ex - Procurador Geral do Município de Ituverava. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário. Associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Assessor do Tribunal de Ética XIII da Ordem dos Advogados do Brasil.





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