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Algemas: STF disciplina seu uso

Depois de anular um julgamento do Tribunal do Júri da Comarca de Laranjal Paulista/SP, por ter havido abuso na utilização de algemas (HC 91.952-SP, rel. Min. Marco Aurélio, j. 7.8.08), o STF editou a Súmula Vinculante 11.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Atualizado em 5 de setembro de 2008 16:09


Algemas: STF disciplina seu uso

Luiz Flávio Gomes*

Depois de anular um julgamento do Tribunal do Júri da Comarca de Laranjal Paulista (SP), por ter havido abuso na utilização de algemas (HC 91.952-SP, rel. Min. Marco Aurélio, j. 7/8/2008), o STF editou a Súmula Vinculante 11, com o seguinte teor:

"Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".

As decisões do STF (de anular o julgamento e de editar a Súmula Vinculante 11) foram sensatas, corretas e juridicamente incensuráveis. Os juízes e policiais radicais, amantes do Direito penal do inimigo, não podem cometer abusos nem contestar a prepotência do Estado de Polícia. Não se pode admitir a chamada Justiça penal da humilhação, que conduz a uma "anarquia institucionalizada".

Toda atuação estatal que afeta os direitos fundamentais das pessoas está sujeita a três exigências: indispensabilidade da medida, necessidade do meio e justificação teleológica ("para" a defesa, "para" vencer a resistência). Esses três requisitos essenciais devem estar presentes concomitantemente para justificar o uso da força física assim como, quando o caso, de algemas.

E por que toda essa preocupação em não haver abuso no uso de algemas:

(a) em primeiro lugar porque esse abuso constitui crime;

(b) em segundo lugar porque tudo isso decorre de uma das regras do princípio constitucional da presunção de inocência (regra de tratamento), contemplada no art. 5º, inc. LVII, da CF (clique aqui) (ninguém pode ser tratado como culpado, senão depois do trânsito em julgado da sentença condenatória);

(c) em terceiro lugar porque a dignidade humana é princípio cardeal do nosso Estado constitucional, democrático e garantista de Direito.

Uma das preocupações sensatas do STF (ao editar a citada súmula) diz respeito à falta de invocação de um motivo concreto justificante do uso de algemas. Não se proíbe o seu uso, sim, o seu abuso. E para se saber se houve ou não abuso, relevante é que o agente público fundamente sua necessidade.

Também sublinhou o STF que a deficiente estrutura do Estado (falta de policiais etc.) não autoriza o desrespeito à dignidade do envolvido. A falta de aparato de segurança conduz ao adiamento da sessão. Um dos argumentos para se atropelar direitos no nosso país diz respeito à sua falta de civilização. Dizem: "Brasil é um país atrasado, logo, não se pode exigir muito em termos de garantias". A prosperar esse raciocínio, nunca sairemos desse atraso. Estamos, em muitos aspectos, abaixo do padrão de civilização mundial. Não nos parece correto nivelar por baixo, sim, por cima.

Não se pode considerar nenhum acusado como uma não-pessoa (como um não humano). Nesse equívoco incorre o Direito penal do inimigo que, partindo da ideologia do inimigo, ofende princípios básicos como o da presunção de inocência, dignidade humana etc.

De outro lado, ninguém pode ser preso ilegalmente. A prisão, mesmo legal, torna-se humilhante e vexatória quando há abuso das algemas. A prisão não autoriza todo tipo de constrangimento. O plus da humilhação deriva do puro espetáculo (ou seja: nada mais é que emanação do Direito penal do inimigo). O uso de algemas deve ficar restrito aos casos extremos de resistência e oferecimento de real perigo por parte do preso. É abominável o Direito penal da humilhação (típico do Estado de Polícia, que exerce o chamado poder punitivo paralelo bruto). O uso infamante das algemas constitui abuso.

Conclusão: todas as vezes que houver excesso pode resultar configurado "abuso de autoridade", nos termos dos arts. 3º, "i" (atentado contra a incolumidade do indivíduo) e 4º, "b" (submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei) da Lei 4.898/65 (lei de abuso de autoridade - clique aqui).

Esse excesso será devidamente controlado agora, depois da Súmula Vinculante 11, em razão da obrigatoriedade de fundamentação escrita da excepcionalidade do uso das algemas.

Além da configuração do delito de abuso de autoridade, importante sublinhar que, agora, também depois da Súmula Vinculante 11, a prisão em flagrante torna-se ilegal (e abusiva) justamente quando o uso das algemas não foi adequado. A prisão ilegal deve ser relaxada, por força de mandamento constitucional.

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Fundador e Coordenador Geral da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes







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