Artigo - Uma possível emenda ao novo CPC no que tange à assistência judiciária gratuita

18/4/2011
Arthur Mendes Lobo - escritório Wambier & Arruda Alvim Wambier Advocacia e Consultoria Jurídica

"Quanto ao comentário do ilustre migalheiro André Santos Silva (clique aqui), peço vênia para discordar. Como ele mesmo reconhece, a Constituição exige a comprovação do estado de pobreza para Assistência Jurídica Gratuita, que é gênero, sendo sua espécie a Assistência Judiciária Gratuita. Se a norma constitucional é, por óbvio, hierarquicamente superior e posterior; se ela se aplica ao gênero (Assistência Jurídica), logo, se aplica também à espécie. Não pode a lei infraconstitucional retirar a exigência prevista na Constituição, ainda que seja com o falho argumento de ampliar a garantia fundamental de acesso à justiça. Falho, porque há conflitos de direitos fundamentais. Não se pode perder de vista que os honorários sucumbenciais dos advogados, os honorários periciais, os emolumentos dos oficiais de justiça, dentre outras verbas sucumbenciais, têm caráter alimentar e também estão protegidos pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Como bem ponderou o ilustre migalheiro Mauricio Calefo (clique aqui): 'Uma coisa é a Justiça ser gratuita e outra é exigir que o advogado seja gratuito. As despesas que há para se manter um escritório de advocacia'. Há, também, os princípios constitucionais da eficiência e da celeridade da Justiça, que somente podem ser alcançados com recursos financeiros, ante o elevado custo de administração da justiça. O que se pretende com a proposta é que se dê os 'comprovadamente' pobres toda a assistência jurídica necessária (gênero e espécie), sem prejudicar outros profissionais que colaboram com a Justiça, porque eles também não podem prescindir dos seus honorários em prejuízo de seu sustento e de sua família. Como constou do item I do artigo publicado em 12/4/2011, o tema é realmente polêmico, mas sempre se deve buscar uma situação que harmonize, com proporcionalidade, os preceitos fundamentais em conflito. Como já dito no artigo, e reconhecido pelo ilustre migalheiro, a jurisprudência predominante hodiernamente dispensa a comprovação. E o STF entende que houve recepção da lei 1.060/50 pela Constituição. Porém, se o novo CPC revogar essa lei, não estará havendo violação constitucional, mas sim efetividade ao texto da Constituição, que estabelece: 'art. 5º LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos' (g.n.). Repita-se, se a exigência é para o gênero (assistência jurídica), também é para todas as modalidades de assistência jurídica, em especial para a assistência judiciária. Assim, já respondendo o comentário do ilustre migalheiro Flávio Mota Morais Silveira (clique aqui), não se trata de argumento falho ou maniqueísta. Trata-se de argumento que vise proteger o texto constitucional, que também defende a moralidade e eficiência da Justiça; a higidez financeira do Erário Público; a dignidade humana dos advogados, peritos, oficiais de justiça, serventuários, que não podem admitir uma presunção por ato unilateral. Ao contrário do que sustenta o ilustre migalheiro Wellington Martins (clique aqui), 'concessa venia', a proposta não pretende que a Justiça não seja gratuita. Em nenhum momento isso foi dito no artigo publicado em 12/4/2011. A Justiça será gratuita, sim, para os 'comprovadamente' pobres. As pequenas causas, como se sabe, são levadas ao Juizado Especial, isentando as pessoas de custas e honorários, pelo menos em sede de primeiro grau. Quem ganha bem e tem despesas elevadas, se comprovar que elas são essenciais a uma vida digna do assistido ou seus familiares, certamente terá, segundo a proposta, a gratuidade. O que se pretende não é desestimular a propositura da demanda, mas sim que as pessoas busquem o Judiciário quando verificarem que há plausibilidade no pedido. O novo CPC tem diversos institutos que objetivam harmonizar a jurisprudência e estabilizar o sistema jurídico, tornando mais previsíveis os provimentos jurisdicionais. Nesse mesmo compasso, os cidadãos saberão com maior segurança jurídica se o que buscam tem probabilidade de êxito, podendo evitar o litígio por meio de conciliações extraprocessuais. Se o processo for necessário, o requerente do benefício da assistência judiciária poderá, por mera declaração, ficará isento de adiantar custas, preparos, honorários periciais, tal como ocorre hoje. Mas se perder a demanda, terá que comprovar que não tem condições financeiras para ficar isento da obrigação de pagar. Como bem frisou o ilustre migalheiro Volmir Kremer (clique aqui), 'arcar com as despesas, custas e/ou honorários haja vista que restou sentenciado que ela estava errada e deu origem à demanda'. O que se pretende evitar é que a sistemática adotada hoje no PL 8.046/10 crie insegurança jurídica e situações como a narrada pela ilustre migalheira Glenda Bonvicini (clique aqui), segundo a qual: 'em Minas Gerais a comprovação da hipossuficiência financeira já é pré-requisito para o ajuizamento das ações'. Essa exigência, ao meu modesto ver, contraria o acesso à Justiça e os princípios da celeridade e efetividade processual. Isso porque além de se perder precioso tempo analisando se a pessoa física ou jurídica tem ou não condições para adiantar as custas e despesas processuais, se ela sagrar-se vencedora ao final, toda essa análise preliminar terá sido inútil. Ademais, em casos de tutela de urgência, poder-se-á, como não raro acontece, preterir a análise de uma liminar ou antecipação de tutela porque o autor não comprovou o estado de pobreza, trazendo-lhe, por vezes, prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação. A proposta prevê que a análise será 'a posteriori', somente na hipótese de a pessoa assistida provisoriamente perder a demanda. Outra crítica que recebi do artigo seria de que, na sistemática atual, os credores das verbas sucumbenciais podem no prazo de 05 (cinco) anos executar o assistido para receber seu crédito, se provar que ele saiu da condição de pobre na acepção jurídica do termo. Ocorre que, lamentavelmente, não temos estatísticas para demonstrar, mas na praxe forense não se tem notícia de nenhum advogado, perito, oficial de justiça que fique fiscalizando ou 'bisbilhotando' a vida do assistido, por cinco anos, para saber se ele tem ou não condições de pagar os honorários. Agradeço a todos os migalheiros pelas críticas ao artigo. Como dito, não se tem a pretensão de esgotar o tema, mesmo porque, ele é polêmico. Contudo, a polêmica somente evidencia que é importante discutir o problema sob diversos ângulos e analisando todos os interesses em conflito. 2. Revisão no texto da proposta: A proposta fica, então, com o seguinte texto: Art. 99. A assistência judiciária compreende as seguintes isenções: I - das taxas judiciárias e dos selos; II - dos emolumentos e custas devidos às Secretarias Judiciais, aos Cartórios, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça; III - das despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais; IV - das indenizações devidas às testemunhas que, quando empregados, receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder público federal, no Distrito Federal e nos Territórios; ou contra o poder público estadual, nos Estados; V - dos honorários de advogado e peritos; VI – das despesas com a realização do exame de código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade; VII – dos depósitos previstos em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório; Parágrafo único. A publicação de edital em jornal encarregado da divulgação de atos oficiais, na forma do inciso III, dispensa a publicação em outro jornal. Art. 100. A Assistência Judiciária Gratuita poderá ser requerida em qualquer momento processual e em qualquer grau de jurisdição, bastando para sua concessão, em caráter provisório, que o requerente junte declaração de pobreza, assinada de próprio punho ou a rogo. Art. 101. Após o trânsito em julgado, se a parte sucumbente estiver no gozo do benefício provisório da assistência judiciária prevista no artigo 100, ela deverá comprovar o seu estado de pobreza ao Juízo, para ratificar o benefício. § 1º – O estado de pobreza ou de dificuldade financeira poderá ser provado por todos os meios de prova em direito admitidos, em autos apartados, em especial pelos seguintes documentos: I – exposição de motivos assinada pelo requerente do benefício esclarecendo, objetivamente, as razões pelas quais não tem condições de pagar as custas, despesas  processuais e honorários sucumbenciais sem prejuízo de seu próprio sustento e de sua família; II – holerites, extratos bancários, balancetes contábeis ou outros comprovantes de remuneração, vencimentos de qualquer natureza ou aposentadorias; III – declaração de imposto de renda; IV – comprovantes de que o requerente do benefício tem dívidas perante terceiros e que tais dívidas foram assumidas antes da formação da relação processual ou foram assumidas em estado de necessidade; V – comprovantes de despesas ordinárias do requerente e da família, caso tenha dependentes, tais como aluguel residencial, mensalidades escolares, planos de saúde, energia elétrica, dentre outros. §2º - Os documentos referidos no parágrafo anterior são meramente exemplificativos e podem ser exigidos separada ou cumulativamente, a depender do caso concreto. §3º - O juiz poderá determinar a expedição de ofício a empregadores, fazendas públicas e órgãos de proteção ao crédito para confirmar a veracidade dos documentos e informações apresentadas pelo beneficiário, respondendo o mesmo civil e criminalmente por eventual falsidade. Art. 102. Durante a comprovação do estado de pobreza, se verificar que o assistido pode pagar ainda que parcialmente os ônus sucumbenciais mencionados no art. 99, o juiz poderá, segundo a possibilidade econômico-financeira do assistido, deferir parcialmente a gratuidade ou parcelar o débito. Parágrafo Único – O deferimento do parcelamento ou da isenção parcial observará o princípio da proporcionalidade, de modo a harmonizar a garantia do acesso à justiça, com o interesse público das custas processuais e a natureza alimentar dos honorários periciais e advocatícios. Art. 103. Caso fique comprovado que a parte beneficiada provisoriamente na forma do artigo anterior não tem condições econômico-financeiras para promover o pagamento das custas, despesas e honorários, periciais ou advocatícios, o juiz deferirá a isenção. Art. 104. A parte beneficiada pela isenção do pagamento das verbas sucumbenciais ficará obrigada a pagá-las, desde que possa fazê-lo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família. §1º - Se dentro de cinco anos, a contar da decisão que julgou a comprovação referida no artigo anterior, o assistido não puder satisfazer tal pagamento, a obrigação ficará prescrita. Art. 105. A parte que ver indeferido, total ou parcialmente, o seu pedido de concessão do benefício da assistência judiciária gratuita e não pagar as custas e despesas processuais e honorários, periciais ou advocatícios, no prazo e condições estabelecidos pelo juiz, terá seu nome inscrito no cadastro de inadimplentes e não mais poderá fazer jus ao benefício em outro processo, a menos que prove que fato superveniente tornou impossível o pagamento da dívida. Art. 106 - Ficam revogados os artigos 3º e 4º da lei 1.060/50."

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