Enriquecimento ilícito

13/5/2014
José Domério

"Concordo contigo, colega (Migalhas 3.364 - 12/5/14 - "Doutrina consumerista" - clique aqui). Tenho exemplos pessoais, de cidadão, não de cliente; cidadão em causa própria, como advogado. Interessei-me pelo caso concreto do processo 0174620-02.2011.8.26.0100. Fui examiná-lo, copiei a íntegra da sentença. Tentei acessar petição inicial, contestação e as manifestações das partes. Não consegui. Copiei em papel, para atingir a maldição dos ecologistas ('contribua para o aquecimento global'). Li e reli o inteiro teor da sentença. O que descobri: um autor adquirente de veículo zero, propondo ação contra o fabricante e sua concessionária, devolvendo o veículo e pedindo restituição do preço pago e danos morais. O juiz anotou que a fabricante apresentou intempestivamente sua contestação. Mas, a concessionária o teria feito. Pelos termos desta, presumo, o juiz observou que 'não poderia o autor ter rodado quase três mil quilómetros em menos de quatro meses'. Fiz as contas do afirmado pelo juiz. Dividi três mil quilômetros por três meses; obtive mil quilômetros por mês; dividi por 30 dias do mês; obtive que a quilometragem diária não ultrapassava 34 quilômetros. Ao juiz, isso pareceu o que ele qualificou excessiva quilometragem (repito os termos do juiz, a saber, segundo li na sentença, 'não poderia o autor ter rodado quase três mil quilômetros em menos de quatro meses'). Além desse juízo de experiência pessoal, o juiz, mais adiante, tascou 'trata-se de descarada tentativa de enriquecimento ilícito, talvez engendrada pela tresloucada doutrina 'consumerista' tão docilmente replicada pela jurisprudência'. Apesar dos desencantos, não sou de jogar pedras nos novatos do primeiro grau. Isso seria patifaria: esquecer que os novatos são obrigados a serem gênios em todos os ramos do nosso complexo ordenamento jurídico. Juiz de primeiro grau é obrigado a decidir de todas as causas, indistintamente, de tudo o que qualquer advogado ouviu ou podia ouvir a respeito do ordenamento jurídico brasileiro! Isso só pode ser coisa da Casa Grande! A senzala nada tem a ver com isso. Na senzala estão os juízes e os advogados, na primeira instância. Para encerrar. A sentença acima seguramente deverá ser submetida às instâncias superiores. Mas, não deixo de estar cético contigo quanto à possibilidade dos conluios judiciais, aliás, retratada numa petição que li aqui em Migalhas (obrigado, Migalhas), em que o advogado do Banco do Brasil acoimou a conduta judicial de 'advocacia judiciária'. Na minha linguagem entendi que se tratava (justa ou injustamente) de situação em que o juiz despiu a toga e vestiu a beca. Não é incomum."

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