Justiça autoriza casal gay a adotar criança no Brasil

20/12/2006
Paulo Roberto Iotti Vecchiatti - OAB/SP 242.668

"Agradeço os elogios que abriram o comentário do migalheiro José Renato M. de Almeida. Contudo, ele se equivoca nas questões terminológicas que invoca. O termo 'homoafetivo' é um neologismo criado pela Ilustre Desembargadora Maria Berenice Dias (TJ/RS) em sua obra União Homossexual: o Preconceito & a Justiça! para desmistificar preconceitos com relação à homossexualidade, no sentido de demonstrar que os relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo são baseados no mesmo afeto (amor) que os relacionamentos entre pessoas de sexos diversos – ou seja, que são baseados no mesmo amor romântico que estes. Falar-se que o termo 'homoafetivo' denotaria mera amizade é, data venia, um equívoco – quando se estuda o significado de uma palavra, deve-se visar a sua teleologia, não a soma da literalidade dos termos que a compõem. A interpretação histórico-crítica (não só 'histórica'), portanto, deve sempre prevalecer sobre a literal (note-se, por fim, que a citada autora explicitou na nota à terceira edição daquela obra que não usou a expressão 'união homoafetiva' na primeira edição por temer que as pessoas não entendessem do que se tratava, por tratar-se de neologismo, assim como não mudou o título para que não se pensasse que se trataria de uma nova obra). Mas é por colocações como a do migalheiro que prefiro utilizar o termo amor ou a expressão afeto amoroso em vez de simplesmente afeto, justamente para demonstrar que se trata de amor romântico, não mera amizade. Quanto ao termo 'casal', está igualmente equivocado o migalheiro. Com efeito, se foi convencionado séculos atrás que o 'casamento' seria apenas a união entre um homem e uma mulher, isso decorreu de uma ignorância conceitual das pessoas da época, que imaginavam que a união homoafetiva não seria tão digna quanto a heteroafetiva, o que decorreu de preconceitos historicamente arraigados. Assim, tendo o conhecimento humano (médico-científico) desmistificado aquela falácia, demonstrando a normalidade social da homossexualidade e a igual dignidade das uniões homoafetivas em relação às heteroafetivas, verifica-se que o termo 'casal' e mesmo o 'casamento civil' (considerando que estamos em um Estado Laico, no qual religiões não podem justificar discriminações jurídicas e no qual 'casamento civil', que é um direito, difere de 'casamento religioso', que é um dogma) aplica(m)-se às uniões homoafetivas, tendo em vista que elas se baseiam no mesmo sentimento que embasa as uniões heteroafetivas, a saber o amor que vise a uma comunhão plena de vida e interesses, de forma pública, contínua e duradoura, que é o elemento formador da família contemporânea e, assim, o que justifica a proteção jurídica conferida pelo 'casamento civil' às uniões amorosas (os mesmos argumentos sendo válidos para a união estável). Deixei essas questões mais explicitadas em minha manifestação anterior. Por outro lado, como costumo dizer, quem quer se opor ao reconhecimento da possibilidade jurídica do casamento civil, da união estável e da adoção por casais homoafetivos deve fazê-lo de forma juridicamente aceitável: deve identificar o que entende que seria o elemento formador da família contemporânea e, conseqüentemente, justificador da proteção legal do casamento civil e da união estável às uniões amorosas para, por fim, defender que dito elemento não estaria presente nas uniões homoafetivas (o que considero impossível, ante minhas considerações, mas este é o procedimento). Ademais, deverá justificar a discriminação que defende (concessão de menos direitos aos casais formados por pessoas do mesmo sexo do que os conferidos aos casais formados por pessoas de sexos diversos), apresentando o fundamento lógico-racional que tornaria pertinente tal diferenciação jurídica. Isso porque, como dito em minha manifestação anterior, defendo a utilização da interpretação extensiva ou da analogia, que decorrem da isonomia, para possibilitar o casamento civil e a união estável entre casais homoafetivos. Ater-se à letra fria da Lei não tem nenhum significado jurídico, pois a expressão 'o homem e a mulher' não tem o condão de criar uma 'proibição implícita', pois isso inexiste no Direito Brasileiro (art. 5º, inc. II da CF – só a Lei expressa pode tolher direitos) – ela significa apenas que foi regulamentado o relacionamento heteroafetivo, mas não o foi o homoafetivo, em clara hipótese de lacuna na Lei. Em casos de lacuna, como é notório, aplicam-se a interpretação extensiva ou a analogia (arts. 4º da LICC e 126 do CPC), o que não afronta a separação de poderes nos termos que já explicitei na manifestação anterior (em especial porque permitidas pelo próprio Legislativo e não implicarem em 'legislação positiva', mas integração do ordenamento jurídico). O mesmo vale para a adoção conjunta, caso equivocadamente se considere o casamento civil e a união estável como 'exclusivos' de heterossexuais – deverá o opositor de justificar perante a isonomia e demonstrar o motivo pelo qual não seria aplicável a interpretação extensiva ou a analogia ao caso. Por fim, a criação de Leis específicas a homossexuais, apesar de ser melhor do que nada, jamais poderá ser considerada a melhor solução, tendo em vista que se trata inequivocamente de volta à figura do 'separados mas iguais' (separate but equal), que assolou a convivência entre brancos e negros em diversos países do mundo e só ajudou a aumentar o preconceito por cor de pele (negros tinham direito, por exemplo, a assentos igualmente confortáveis nos ônibus, mas tinham que sentar na parte de trás, ficando a da frente para os brancos...). Lembro aos migalheiros que o 'casamento civil' já é uma união civil – porque criar outra, se esta nova visaria o mesmo objetivo, a saber a regulamentação das uniões amorosas? Isso não é algo razoável, além de denotar afronta à dignidade humana dos casais homoafetivos ao não lhes considerar dignos do casamento civil, figura de grande arquétipo social em nossa sociedade (no sentido do entendimento de que o casamento civil configura a união amorosa mais respeitada e digna, tanto que é a figura jurídica que oferece maior proteção às uniões amorosas)."

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