Violência

23/2/2007
José Renato M. de Almeida - Salvador/BA

"A indignação e a comoção nacional pela morte do menino João Hélio é uma reação natural que repercutiu na grande mídia. Mas, a rigor, a morte de João Hélio não foi planejada, nem proposital. O que a gangue queria mesmo era o carro. Três dos assaltantes confessaram que viram a criança presa no cinto de segurança, quicando e se esbagaçando no asfalto irregular, mas se eles parassem para soltá-lo do cinto seriam presos ou linchados. São ao todo cinco jovens de pouca instrução sem uma intenção cruel específica de arrastar o garoto até a morte. Esquecemos que isso acontece todo dia na periferia, sem ser noticiado. Também já nos acostumamos e aceitamos que diariamente pessoas educadas com nível universitário, determinadas e conscientemente, destrocem de diversas formas fetos igualmente inocentes, indefesos, sem choros, gritos ou qualquer reação... Só que ninguém vê, pois são atos cometidos entre quatro paredes, de modo asseado e exangue. No máximo uma cânula, cureta e um vaso coletor sanguinolentos. Tudo muito civilizado em atendimento de 'primeiro mundo'. Apesar de, nesse caso, tanto a grávida como o médico terem a intenção definida e clara de dar fim ao nascituro, ambos se consideram justificados por diversos motivos. Ela se livra de um ‘problema’ e ele a ajuda fazer isso com, digamos, discrição. Só dá complicação quando isso é denunciado, documentado, gravado e divulgado. Só aí, é que o ‘respeitável público’ fica chocado, indignado, causa comoção nacional, atos de protestos, mudança da Legislação... Mas se não é divulgado, tudo bem! O que os olhos não vêem os corações piedosos e esquecidos convenientemente nada sentem... As sociedades humanas estão contaminadas pelo horror diário virtual, através de filmes, games e pelo real que parece virtual na telinha da TV. Nos acostumamos à violência cada vez mais aprimorada pelos magos do horror. A praticamos sem perceber ou medir suas conseqüências, a menos que seja registrada e alardeada pelos meios de comunicação. Só assim acordamos, pois as crianças esqueléticas da Etiópia não nos causam mais horror ou espanto. As cenas de crianças mortas nas guerras do Oriente Médio e na África são diárias. Os políticos parecem que não conseguem ver o mal que causam distribuindo entre os partido o que seria alimento, educação e um mínimo de conforto às crianças. A exploração de crianças em pedofilia. Abuso sexual de crianças por parentes muito próximos... E assim, vamos nos enganando de que essa crueldade, impregnada em nossos costumes, só ocorre vez por outra quando os crimes, com sua violência absurda, aparecem em fotos chocantes dos jornais e nas imagens da TV... Mas todos esses crimes podem desaparecer das manchetes, das nossas vistas e das vistas dos nossos filhos. Basta que toda essa crueldade seja mantida com discrição entre quatro paredes ou, como muitos desejam, seja descriminada ou 'legalizada'."

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