Leis 31/8/2007 Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL "A Lei? Ora, a Lei. A frase é de Getúlio Vargas. Consta que a disse em discurso proferido em 1947, em São Paulo, ironizando os que não se importam com a justiça, referindo-se aos empresários espertalhões que burlavam as Leis trabalhistas. Na verdade, vivemos em um país de Leis que 'pegam' e Leis que 'não pegam', Leis que valem e que não valem, nesse cipoal de Leis que ninguém sabe, ao certo quantas são, afinal. Mas, uma coisa é certa, existe um Código da Propriedade Industrial, a Lei 9.279, de 14/5/1996, a Lei da Propriedade Industrial, que está em pleno vigor, que regula a matéria relativa, dentre outras, ao registro de marcas. O artigo 128 dessa Lei prevê expressamente que: 'Art. 128: Podem requerer registro de marca as pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou de direito privado. Parágrafo 1º. - As pessoas de direito privado só podem requerer registro de marca relativo à atividade que exerçam efetiva e licitamente, de modo direto ou através de empresas que controlem direta ou indiretamente, declarando, no próprio requerimento, esta condição, sob as penas da lei'. Por outro lado, o artigo 124, XIX, também daquela Lei, prevê que: 'Art. 124 Não são registráveis como marca: XIX. Reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia;' De interesse, ainda, o artigo 156 do mesmo diploma legal que dispõe: 'Art. 156: Apresentado o pedido, será ele submetido a exame formal preliminar e, se devidamente instruído, será protocolizado, considerada a data de depósito a da sua apresentação'. Ocorre que o INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial, autarquia à qual incumbe o exame e concessão de marcas no Brasil, publicou a Instrução de Serviço nº 004/2006/DIRMA, visando resolver o 'problema' de milhares de processos de marcas 'estocadas', como chama, ou seja, para resolver atraso existente, estabelecendo um 'exame simplificado de marcas', conforme orientação do Sr. Presidente do INPI, 'até esgotar o backlog de pedidos de marcas não decididos apresentados em papel, até maio de 2006, entendendo-se por exame simplificado aquele centrado na avaliação do mérito da marca, suspendendo, excepcionalmente, o exame dos aspectos formais do pedido, que são os estabelecidos no artigo 156 da lei que rege a matéria'. Durante essa fase, que visa limpar o atraso do INPI, fica suspenso o exame das procurações (artigo 5 da instrução de serviço mencionada) e a verificação de atividade do titular (o que é exigência legal do artigo 128, parágrafo único da Lei 9.279/96). Além disso, a concessão de marcas está, como sempre esteve, sujeita às condições previstas no nº XIX do artigo 124 da mesma Lei, que proíbe o registro, não só de marcas que reproduzam marcas alheias anteriormente registradas, mas também as que as imitem, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia. É por isso que buscas internas são feitas pelo INPI, que conta com sistema de buscas que prevêem, inclusive, buscas por identidade, vocálicas, etc. Mas a instrução 004/2006-INPI/DIRMA, que visa simplificar o exame de marcas, instrui os examinadores como fazer buscas também simplificadas, estabelecendo, em seu artigo 12, que: '12. Para fins do exame serão adotados, preferencialmente, os seguintes procedimentos de busca: * Busca por radical para palavras com mais de 4 letras, eliminando-se a primeira e a última letra para fins de busca; * Para palavras com 4 letras ou menos - busca por palavra'. Isso significa que, por exemplo, se alguém requerer a marca GRADIEMTE o examinador desprezará a primeira letra (G) e a última (E) e pesquisará, nos bancos de dados, RADIEMTE, jamais encontrando a marca GRADIENTE, que se escreve com a letra 'N', e concederá GRADIEMTE que, segundo a Lei (art. 124, XIX) é absolutamente irregistrável por ser quase a reprodução de GRADIENTE. O mesmo acontecerá, só para exemplificar, com COCACOLA e COCAKOLA ou BOMBRIL e BONBRIL ou MOTOROLA e MOTOROLLA ou CASASBAHIA e CASASBAIA. E, logo poderemos encontrar no mercado garrafas de whisky JOHNIE WALKER com marca registrada, que terá sido concedida, já que as buscas internas do INPI, segundo as regras instituídas, pela instrução simplificadora, não encontrarão a marca JOHNNIE WALKER legítima, porque ignorando-se o 'j' inicial e o 'e' final de JOHNIE (marca com mais de 4 letras), jamais se chegará a JOHNNIE da marca anteriormente registrada. Mas, o que importa, é a derrogação, por meio de uma Instrução de Serviço, de uma Lei federal vigente, o que é de todo inadmissível. Com esse novo procedimento, estima-se que o INPI tenha concedido cerca de 200 mil marcas, reduzindo drasticamente o 'Backlog' existente, ou o chamado estoque de marcas pendente, preparando-se para instituir no Brasil, o Protocolo de Madrid, que exige a solução de processos em 18 meses. Mas, de outro lado, pode ser que essas marcas, concedidas dessa forma, em afronta direta a exigências legais existentes, sejam nulas, ou anuláveis, posteriormente, por meio de ações judiciais que acabarão acumulando, ainda mais, o Judiciário já atolado do país. Esse tema foi abordado no XXXVII Seminário da Propriedade Intelectual, que aconteceu nos dias 26/27 e 28 de Agosto, no Rio de Janeiro, que contou com a presença de 600 pessoas, entre advogados, juízes, empresários e representantes do próprio INPI, e que provocou uma série de farpas entre a ABPI, entidade organizadora e o INPI, que trocaram cartas abertas em seus respectivos sites sobre o assunto. No curso do Seminário foi, inclusive, distribuído parecer sobre o assunto, do Prof. José dos Santos Carvalho Filho, que conclui que a Instrução nº 004/2006, que determinou a suspensão de determinados dispositivos legais, não é lícita, que não observa o princípio da legalidade por conter normas de procedimento diversas das contidas na Lei 9.279/96, e que, afinal, o ato administrativo de concessão de marcas com lastro na Instrução 004/2006 se configura como ato nulo por conter vício insanável sendo, pois, insuscetível de convalidação. Nas palavras de Gustavo Leonardos, presidente da ABPI – Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, 'o exame simplificado proposto na Instrução de Serviço pode causar danos não somente àqueles que obtiveram indevidamente o registro da marca, como também àqueles que poderiam legitimamente obtê-lo, mas não conseguiram em virtude do anterior registro errôneo'. Resumindo, nulas ou anuláveis, cerca de 200 mil marcas estarão sujeitas a ações judiciais. Isso causa insegurança a quem as obteve através do exame simplificado, causa insegurança aos detentores de marcas anteriores que vêem seus direitos de exclusividade, garantidos em Lei violados, causa insegurança nos negócios de uma maneira geral. Provocará uma enxurrada de ações de nulidade de registros de marcas, o que é uma boa notícia para os advogados que atuam na área, mas não é uma boa notícia para o Judiciário, que sequer dá conta das ações que deve julgar, sem qualquer esforço extra para aumentar sua carga de trabalho. A eficiência do INPI - como, aliás, defende o próprio Instituto - depende de melhor aparelhamento, e de pessoal habilitado em quantidade compatível com o serviço a executar, não sendo viável alcançá-la a revelia da Lei, ou pretendendo derrogá-la por meio de discutíveis instruções de serviços internos. No momento, o parecer do Prof. José dos Santos Carvalho Filho foi encaminhado à OAB/RJ, para que notifique o INPI sobre a ilegalidade da norma e para que a suspenda, revertendo, é claro, a concessão das 200 mil marcas já concedidas nessas condições. Posteriormente, o documento poderá servir de fundamento para uma ação judicial com a mesma finalidade. Com a demora que ações judiciais costumam ter, a insegurança de todos deverá continuar por muito tempo ainda..." Envie sua Migalha