Natal

18/12/2007
Romeu A. L. Prisco

"Querido Papai Noel, dizem que você costuma entrar nas casas pela chaminé, para deixar seus presentes. Pois bem, a minha casa não tem chaminé. Aliás, sequer tenho casa. Na verdade, também não tenho endereço fixo e nem idade. Posso ser encontrado em vários lugares do mundo. Condenado à morte, no leito de um hospital público. Condenado ao isolamento, na cela de uma prisão. Condenado à miséria, sob uma ponte, viaduto, ou marquise de prédio. Maltrapilho, nas ruas e seus cruzamentos. Esquálido, desnutrido e mutilado, em diversos pontos do continente africano. Sobrevivente de guerras, ou de catástrofes da natureza, em diversos pontos do continente asiático, ou do Oriente Médio. Escondido e anônimo, na periferia de países ricos dos continentes europeu e americano. No Brasil, então, nem se fala. Além de alguns lugares já mencionados, marginalizado pelos políticos, pela polícia e pelos bandidos, ainda posso ser encontrado em favelas urbanas, ou em cortiços rurais. Até que o seu trenó e as suas renas, querido Papai Noel, acionados pela caridade momentânea dos mais afortunados, ou pela demagogia dos administradores públicos, num e noutro Natal conseguiram me encontrar. Acontece, querido Papai Noel, que a minha carência não se resume ao Natal. Ela se apresenta, impiedosa, nos restantes 364 dias do ano, quando você e seus distribuidores estão ocupados e engajados em outras atividades e eu nem sei se chegarei à data dos festejos do próximo Natal. Por falar em festejos, eu também tenho dias, nos quais deveria comemorar o meu aniversário e de familiares. Dias nos quais também deveria celebrar eventos religiosos, culturais e sociais. Enfim, dias nos quais também deveria ser lembrado como um ser humano, dito filho de Deus, que, se modestamente preenchidos, aliviariam o meu sofrimento. Por esses e outros motivos, querido Papai Noel, desculpe-me, mas, não tenho o menor ânimo para desejar Feliz Natal. Sabe por quê ? Porque aqueles que terão um feliz Natal, independem do meu desejo, enquanto eu permanecerei na eterna expectativa da boa vontade daqueles mesmos que terão um feliz Natal. Atenciosamente,

Ass.: João Ninguém."

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