Migalheiros 15/2/2008 Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL "Sou de uma geração que lia desde criança e que, talvez por isso, continua lendo muito, até hoje, com prazer. Aos 11 anos, mais ou menos, ganhei a coleção completa dos livros de Paulo Setúbal e li todos. Guardo todos, até hoje, inclusive 'As maluquices do Imperador', o que mais gostei. Hoje, quando olho aquela coleção em minha estante, fico me perguntando como é que uma família de um escritor se tornou dona do mais próspero banco do país, enquanto a minha continuou cliente do banco... e leitora. Mas, deixa pra lá. Já naquela época, impressionavam-me as palavras. Como lia de tudo, lia também os recortes com avisos de publicações de despachos nas ações judiciais cujos processos meu pai, advogado, levava para casa, para neles trabalhar. Lembro-me que gostava muito do termo 'alimentante inadimplente', achava sonoro como um título nobiliárquico e pensava um dia ser um alimentante inadimplente, expectativa que, no entanto, vi frustrada na minha vida adulta. Outro recorte que muito me impressionou se referia a meu pai e dizia algo como: 'diga o impetrante Dr. Sebastião Silveira'. Pai exigente e rigoroso, acreditei, à época, ser esse o significado da palavra 'impetrante', qualidade também notada pelo MM. Juiz. E querendo ser como meu pai, um impetrante, talvez por isso enveredei pela profissão de advogado. Hoje, afinal, sou também um impetrante. E lá, naquela época, todo mundo, ao menos era o que eu pensava, assinava uma coisa chamada 'Círculo do Livro' que, de quando em quando, entregava na casa dos assinantes um livro para leitura da família. Li muitos dessa forma, até que um dia chegou o Brigue Flibusteiro, de Virgílio Várzea. Aí foi demais: Brigue Flibusteiro? Confesso que esse eu deixei de lado, por muito tempo, até que um dia, passada a preguiça, descobri que Brigue Flibusteiro significava, nada mais, nada menos que navio pirata, quando tive coragem de ler o livro, gostosamente. E daí fico pensando na celeuma acerca do estudo no Brasil, nos dias de hoje, em especial ao que toca ao Exame de Ordem. E fico pensando nos jovens de hoje, desacostumados à leitura, gente de poucas letras'grandes', não importando sua qualidade, jovens que alcançam a maioridade às vezes jejunos de qualquer tipo de literatura, aos quais o simples ato de ler cansa e desinteressa. Como fazer, por exemplo, diante do 'mini' código que acabo de receber da RT – Revista dos Tribunais, que traz, em papel bíblia, em 1542 páginas, nada menos que 3 códigos (Tributário Nacional, Comercial e Civil), Legislação Tributária e Empresarial e a Constituição Federal? Como deglutir, principalmente para quem não leu o Brigue Flibusteiro, que o art. n°. 457 do Código Comercial em vigor, estabelece que 'somente podem gozar das prerrogativas e favores concedidos a embarcações brasileiras, as que verdadeiramente pertencerem a súditos do Império', isso sob o título 'Comércio Marítimo' que, como sabem os que cursaram as Arcadas, é o comércio que por mar se faz e assim se lho chamam? Como se interessar, nesse mundo de internet e viagens espaciais, pelo art. n°. 741 e seguintes do Código Comercial, que trata das 'Arribadas forçadas', que não serão justificadas se a falta de víveres ou de aguada proceder, por exemplo, de haver-se perdido e estragado por má arrumação ou descuido, ou porque o capitão vendesse alguma parte dos mesmos víveres ou aguada? E a ação de dano infecto? Terá algo a ver com a dengue e o Aedes Aegypti? Por que se pergunta isso no Exame de Ordem e não na graduação para medicina? Enfim, a discussão sobre o cabimento ou não do Exame de Ordem, que é onde queria chegar, é totalmente despicienda, já que, na verdade, praticamente nenhum estudante dos dias de hoje está apto a enfrentar a profissão de advogado, pelo simples motivo de que não está habituado a ler. Não leu por toda sua vida, não pode absorver os livros dos cursos que freqüentou (todos resumidos nas famigeradas apostilas) e não tem condições de enfrentar os Códigos, todos 'grandes', com muitas páginas, muitas palavras, todas difíceis de entender. É claro que há exceções. Há os que estudam à margem do sistema de ensino, há os que se interessam apesar das gracinhas decorativas dos profissionais dos preparatórios, que vão além dos cursinhos que pretendem resumir tudo ao que 'acham que vai cair', os que realmente se interessam pela cultura e pela profissão. E sabe o que mais? Às vezes são esses, exatamente esses que soçobram nas 'pegadinhas' cuidadosamente elaboradas nos exames, que não visam apurar capacitações, mas frear a multidão." Envie sua Migalha